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Saque e Voleio

Teliana venceu (sobre a diferença entre respeito e patriotada)

Alexandre Cossenza

26/05/2016 20h03

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Foi uma vitória de Teliana Pereira pisar na Quadra Suzanne Lenglen para enfrentar Serena Williams nesta quinta-feira. Sim, é clichê. Sim, soa como uma grande "pachecada". Parece mesmo uma tentativa de vitimizar atletas brasileiros que não têm condição de serem os melhores em suas modalidades. É um ponto de vista pouco ambicioso, alguns podem dizer. Por que dizer que Teliana já venceu antes de começar a partida? Por que não acreditar que é possível bater a número 1?

Entendo quem pensa assim. Não concordo, mas entendo. Como entendo quem rotula de protecionismo patriótico quando, em vez de cravar "humilha" ou "atropela", o UOL publica "Teliana vence só três games…" e o Globoesporte.com escreve "Teliana vive bons momentos, mas Serena confirma favoritismo". A verdade, verdade-verdadeira mesmo, é que Serena passou por cima. Não foi um 6/2 e 6/1 de games longos, equilibrados e que, por coincidência ou qualquer outra razão, caíram todos do lado da número 1. Serena dominou, ganhou fácil, é indiscutível.

Não vou tentar convencer você, leitor, do contrário. Este post é apenas para explicar por que concordo com os títulos do parágrafo anterior e por que acredito que, como digo lá no alto da página, Teliana venceu.

Também não vou repetir a vida de Teliana como se fosse uma história triste. Sim, é verdade que o pai dela foi boia-fria. Também é fato que a família não tinha dinheiro para sustentá-la em um esporte caro. Só que a atual número 1 do Brasil não é a única que tem uma história assim. Ana Ivanovic treinava no horário que a OTAN não estava bombardeando a Iugoslávia. Maria Sharapova foi levada aos 7 anos, sem falar o idioma local, para um país estranho, deixando a mãe na Rússia, só para poder treinar. Serena Williams teve de lidar com o racismo desde pequena. Já deu para entender, né? Vida dura e sem grana não é exclusiva de brasileiros.

Teliana venceu porque se tornou tenista profissional. Aproveitou as chances que lhe foram dadas, sonhou com uma carreira e acreditou que era possível. Deixou para trás milhares de brasileiros que tinham a mesma ambição. Teve ajuda, mas não teve uma conta bancária sem fim, apoio de estatal nem hasthag para sair distribuindo nas redes sociais. Lá atrás, lembremos, Teliana nem rede social tinha. Só mantinha um blog, onde relatava, inclusive, os problemas com um plano de saúde quando precisou tratar o joelho lesionado.

Teliana venceu porque conseguiu viver e se sustentar com o que ganha no tênis, algo que apenas uma minúscula parcela dos profissionais alcança. Chegou a ser excluída do (fracassado, diga-se) projeto olímpico da CBT porque "não seguiu a filosofia proposta" pela entidade. Teve resultados melhores por conta própria, e a entidade a "engoliu" de volta meses depois.

Teliana venceu porque nunca desenvolveu golpes espetaculares, nunca foi dominante em quadra e, mesmo assim, encontrou uma maneira de ser uma das 50 primeiras do ranking. Não, seu tênis não é o mais vistoso de ver e seus longos gemidos ao bater na bola não são os mais agradáveis aos ouvidos. Seu saque é frágil como seu joelho, mas quem se importa? Teliana compensou com dedicação. Não será melhor do mundo por ser mais guerreira – aquele adjetivo que o povo tanto gosta para ela – do que a vizinha, mas já tem dois títulos de WTA na carreira. Já é mais do que, por exemplo, Eugenie Bouchard, finalista de Wimbledon em 2014 e atleta mais "marketável" do planeta em 2015.

Então, caro leitor, quando eu – ou qualquer outro jornalista – evito o "humilha", o "atropela", o "massacra", é porque há um respeito enorme por uma atleta que é a melhor de seu país, ainda que ela pareça praticar um esporte diferente do de Serena Williams. E tudo bem se você leu os parágrafos acima e não mudou de opinião. Mas para mim, Teliana venceu.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.