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Saque e Voleio

Bruno Soares: campeão também com as palavras

Alexandre Cossenza

04/02/2016 12h44

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De tudo que li sobre a primeira coletiva de Bruno Soares em sua chegada ao Brasil, o que mais me interessou não foram suas declarações sobre os títulos (até porque nada foi grande novidade para quem ouviu o podcast Quadra 18). O que me chamou a atenção foi a posição tomada pelo mineiro sobre o "escândalo" de apostas "revelado" pela BBC e pelo BuzzFeed no primeiro dia do torneio.

""Felizmente, eu nunca foi abordado por este tipo de gente. A gente sabe, escuta histórias de que esse tipo de coisa acontece. Mas é muito difícil você falar qualquer coisa se não tem nome. Achei até um pouquinho antiético eles soltarem uma matéria, aproveitando o início de um Grand Slam, quando as atenções estão voltadas para o tênis, para soltar uma matéria em que eles falaram, falaram, e não falaram nada. A pessoa chegar lá e fazer um monte de acusação, mas depois falar 'beleza, estou colocando isso no ar e depois vocês se viram'."

A declaração na íntegra está neste texto da Sheila Vieira, que também comenta o assunto. Eu também fiz um post sobre o tema logo quando os veículos todos repercutiram o assunto, mas acho que o momento agora é melhor – e mais calmo -para lembrar o que aconteceu e analisar com calma as consequências.

Resumindo a coisa toda, BBC e BuzzFeed publicaram, simultaneamente, reportagens sobre manipulação de resultados no tênis. Os veículos diziam ter posse de uma lista de partidas investigadas pela ATP, lembravam o famoso caso do jogo entre Davydenko e Vassallo Arguello, e afirmavam inclusive que havia campeões de Grand Slam na tal lista que nunca foi divulgada.

E esse é o ponto, certo? Ninguém divulgou nomes. Tanto a BBC quanto o BuzzFeed explicaram, aliás, que a lista e os nomes não seriam publicados porque os veículos não tinham acesso a dados bancários e telefônicos dos atletas, então não tinham como conferir seu envolvimento na manipulação de resultados. Logo, que sentido faz dizer "temos uma lista"?

A consequência mais nefasta de tudo isso foram listas pipocando em um punhado de sites, sem verificação alguma, com vários jogos supostamente suspeitos. Brotaram nomes aqui e ali sem prova alguma. O que se alcançou com a reportagem? Como bem disse Bruno Soares, "estão basicamente falando que todo mundo é corrupto até que se prove o contrário."

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É uma das grandes qualidades de Bruno Soares, é preciso frisar. O mineiro não é daqueles tenistas que acham que a vida é dentro de quadra e que pouco importa o que acontece no mundo ao seu redor. Muita gente – aqui no Brasil inclusive – vive o circuito de antolhos, do treino para o jogo, do jogo para o avião, do avião para o hotel, do hotel para o próximo treino. É difícil evoluir como pessoa e como tenista assim. E a culpa não é só dos tenistas, mas eu divago.

Outro ponto curioso interessante de ressaltar sobre a história das manipulações é que as reportagens tinham um tom crítico em relação à Unidade de Integridade no Tênis (TIU, na sigla em inglês), criada para averiguar partidas suspeitas. Como se faltasse transparência em suas ações. A impressão passada pelos textos é que não vinha sendo feito o suficiente para desmascarar e punir os manipuladores.

Só que não é bem assim que essa banda indie toca. É bem verdade que ATP, WTA e os Slams anunciaram medidas para divulgar melhor o trabalho dos investigadores, mas essa é uma transparência que não pode existir 100%. Já imaginaram se o FBI anunciasse que estava investigando José Maria Marin e um montão de gente com cargo na FIFA antes das prisões em Zurique? Será que algum daqueles suspeitos teria viajado até a Suíça?

Existe também a questão moral da coisa que, aparentemente, não é tão óbvia para muita gente. Qual o benefício de divulgar que uma partida entre, digamos, Fabio Fognini e Nicolás Almagro (é só um exemplo, pelamordedeus) foi ou está sendo investigada? Isso levantaria suspeitas sobre ambos sem que algo fosse comprovado. Ou seja, mancharia a reputação dos dois tenistas.

Vale lembrar que Nikolay Davydenko, investigado publicamente, é até hoje visto por muita gente como culpado por algo pelo qual nunca foi condenado, por mais estranho que tenha sido o desenrolar dos acontecimentos naquele dia. Alguém já ouviu falar em benefício da dúvida? Pois é. O russo nunca recebeu isso. Aliás, o conceito de "partida suspeita" é um tanto amplo. Até uma partida de Gustavo Kuerten na Costa do Sauípe já foi vista assim (falei dela no texto linkado).

Além de tudo isso, é muito fácil levantar suspeita sobre uma partida. Uma sequência estranha no placar, erros bobos de um tenista, uma lesão inesperada, um atleta sem sangue… Especialmente depois de uma reportagem como a de BBC/BuzzFeed, tudo isso dá margem para que se suspeite de algo. Na maioria dos casos – que a gente vê todo dia, em todo nível de torneio – não passa disso: algo estranho. Mas é assunto para o próximo post, com um par de vídeos e jogos com games decisivos um tanto esquisitos.

Coisas que eu acho que acho:

– Não sou contra a existência de casas de apostas. Já até fui contra patrocínios de empresas desse tipo a torneios de tênis. Hoje, não sou. Estou convencido de que não faz diferença alguma. Se não houvesse casas legalizadas, as pessoas continuariam apostando em eventos esportivos de forma clandestina.

– As casas de apostas, no fundo, são tão vítimas das manipulações quanto o público fã de tênis. Uma partida manipulada nada mais é do que uma tentativa de ganhar muito dinheiro driblando as cotações impostas pelas casas.

– O que parece contradição, no entanto, é que casas de apostas podem patrocinar torneios de tênis, mas não podem fazer contratos publicitários com atletas. Essa é uma grande reclamação dos tenistas junto às entidades que regem o esporte.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.