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Floripa: WTA mais fraco do mundo vale o que custa?

Alexandre Cossenza

27/07/2015 09h00

Costao_quadra_Andujar_blog

Os otimistas preferem ver a coisa toda pelo seguinte ângulo: uma chave acessível dá mais chances para as tenistas brasileiras somarem pontos e ganharem dinheiro em um torneio de nível WTA International. Não fosse assim, as chances seriam reduzidas e haveria menos atletas da casa participando.

A outra maneira, mais realista, é esta: o WTA de Florianópolis é o torneio mais fraco do mundo entre seus equivalentes e virou piada internacional. Sem exagero. Números e tweets, que listarei abaixo, comprovam. A parte boa – e é boa mesmo – é que sim, algumas brasileiras terão uma chance raríssima nesta semana. É preciso prestar atenção, contudo, (principalmente em época de Jogos Pan-Americanos) para não tirar nada de contexto e supervalorizar o que quer que aconteça, criando uma série de leitores e espectadores iludidos e mal informados.

Primeiro, aos fatos. Diretores de torneio e tenistas gostam de usar o ranking para determinar o quão forte (ou fraca) é uma chave. É comum ouvir deles e delas que este ou aquele evento "fechou em" um número X. "Fechou em" significa o ranking do último tenista que ganhou vaga na chave principal sem precisar disputar o qualifying. Nem concordo que seja o melhor dos critérios, mas no caso de Florianópolis o abismo é tamanho que a lista da WTA mostra-se irrefutável.

Pois bem. Em 2015, a média dos torneios da série WTA International (equivalentes ao de Florianópolis) fecha em 104. Essa conta considera desde eventos fortes como Hobart (pré-Grand Slam, fechou em 62) até torneios menos badalados como o Rio Open (fechou em 154). Pois o torneio catarinense fechou em 266!

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Nem é só esse o número que deixa Florianópolis muito atrás do resto do mundo. A oitava cabeça de chave do Rio Open, por exemplo, ocupava o 83º posto no ranking. Em Praga, outro evento forte, a cabeça 8 era a #35 do mundo. No WTA catarinense, trata-se da polonesa Paula Kania, #136 (ranking da semana passada, que definiu as cabeças). É uma diferença considerável.

Mas tem mais. Como bem levantou João Victor Araripe, desde 2008, quando a WTA mudou a nomenclatura dos torneios, nunca houve um evento da série International sem uma top 60 sequer. Floripa bateu este recorde. A sueca Johanna Larsson, #46, que seria a principal cabeça de chave, desistiu de vir ao Brasil. Assim, o principal nome do evento agora é a alemã Tatjana Maria, 64ª colocada.

O pior é que a lista de números desagradáveis não ficou restrita à chave principal. As desistências foram tantas, e o interesse, tão pouco, que faltaram nomes para o qualifying. O torneio de acesso, que dá seis lugares na chave principal, teve apenas 14 tenistas. A organização montou uma chave com dez "byes".

As piadas

Tudo isso deu origem a uma série de piadas. E nem são aquelas tradicionais de brasileiros menosprezando eventos brasileiros. Em fóruns e no Twitter, gente de toda parte do mundo fez questão de apontar o quão fraco está o torneio catarinense. A lista de tweets abaixo (que poderia ser maior) inclui comentários sobre "terra devastada", "cenas surreais", "legado inesquecível" e o porquê de Jelena Jankovic estar disputando um torneio menor nesta semana.

Os motivos

Não é tão difícil entender por que a chave de Florianópolis ficou tão fraca. Primeiro porque trata-se de um torneio no saibro às vésperas da chamada US Open Series, aquela sequência de eventos em quadra dura que antecede o US Open. Além disso, o torneio está isolado no continente. Que tenista de elite faria uma viagem tão longa para precisar fazer outro voo intercontinental na semana seguinte?

Em 2013 e 2014, quando o torneio era disputado em fevereiro, não era tão difícil assim. Tanto que Floripa teve Venus Williams, Carla Suárez Navarro, Garbiñe Muguruza, Francesca Schiavone e outros nomes bem interessantes. A mudança de data foi um pedido do próprio torneio, que queria ficar mais perto do período das Olimpíadas de 2016 (o tênis olímpico começa a ser disputado em 6 de agosto). Talvez funcione no ano que vem (o torneio voltará a ser jogado em quadras duras), mas em 2015, no saibro, não deu certo.

Outro ponto a ser levado em consideração é o momento econômico do país. Com o dólar acima da casa dos R$ 3,00, torna-se ainda mais difícil pagar aqueles gordos cachês que trazem tenistas de peso. Este ano, a Confederação Brasileira de Tênis (CBT) e a Federação Catarinense de Tênis (FCT), realizadores do torneio, não pagaram nada a ninguém.

As brasileiras

O resultado disso tudo é a chave fraca ("acessível" é um eufemismo desnecessário a esta altura), que acaba beneficiando as tenistas da casa. O WTA de Florianópolis acabou se transformando em uma oportunidade de ouro para Teliana Pereira, número 1 do Brasil e 78 do mundo (ranking de domingo). Se estiver recuperada das dores que forçaram seu abandono em Bad Gastein, na Áustria, a pernambucana disputará em seu piso preferido o WTA mais fraco de sua vida.

Seria uma chance maravilhosa também para Bia Haddad, mas nem com essa sorte o torneio contou. A paulista, #2 do Brasil e #153 do mundo, sofreu uma lesão durante os treinos para os Jogos Pan-Americanos e não poderá jogar em Santa Catarina. As outras brasileiras na chave serão Paula Gonçalves (#305) e Gabriela Cé (#249), que entraram direto, e as convidadas Nanda Alves (#633), Carolina Meligeni Alves (#530) e Luisa Stefani (17 anos, #14 do mundo no ranking juvenil).

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O custo benefício

O compromisso financeiro total do torneio é de 250 mil euros, o equivalente a mais de R$ 900 mil. Parece seguro afirmar que, com os custos de organização e promoção, o torneio custa mais de R$ 1 milhão anual. Pouco me importam os gastos do Brasil Open e do Rio Open, promovidos por empresas privadas como Koch Tavares e IMX. Só que o WTA de Florianópolis é organizado pela FCT e pela CBT. Uma federação e uma confederação.

Será que vale a pena pagar tanto por um torneio com uma chave assim? Há retorno suficiente para estimular o tênis no país? Quanto valem, em reais, os pontos conquistados pelas brasileiras que vençam partidas durante a semana? Nem acho que seja o caso de incluir Teliana nessa discussão (a pernambucana tem jogo para pontuar no saibro em qualquer torneio do mundo). Mas acho – e sintam-se livres para discordar – que são discussões que deveríamos ter em algum momento.

Em tempo: tentei conversar com Rafael Westrupp, diretor do torneio, mas não foi possível encontrar um horário em comum (ele tem as funções dele, eu tenho meu emprego – culpa de ninguém). Uma pena. Seria muito interessante ter uma posição oficial da organização neste texto.

Frases

Encontrei, no entanto, declarações tanto de Westrupp quanto de Jorge Lacerda, presidente da CBT, em texto publicado no site do torneio em 18 de junho.

Lacerda afirma que "o resultado das meninas desde que a gente conseguiu adquirir a data, em 2012, o ranking delas em comparativo de 2012 para hoje era o sonho que a gente queria. A gente comprou um WTA sem jogadoras com condições de ranking para jogar e hoje temos um WTA com duas ou três jogadoras entrando direto na chave, a Bia como 148 do mundo e a Teliana 74. É uma nova fase do tênis feminino e isso tem muito a ver com esse evento."

Discordo quando o presidente usa Bia e Teliana como exemplos de ascensão e usa o torneio catarinense como gancho. Dos 755 pontos de Teliana, só 30 foram conquistados em Floripa. Bia caiu na estreia no ano passado. Logo, seu ranking pouco (ou nada) tem a ver com o torneio. Dizer que as duas evoluíram tecnicamente por causa do WTA catarinense? Acho uma tentativa forçada de valorização por parte do dirigente. E não custa lembrar que quando Teliana começou sua ascensão pós-cirurgias, teve diferenças com a entidade e foi excluída do quadra de atletas beneficiados pela CBT.

No mesmo dia, Westrupp disse que "a tendência é que a gente tenha pelo menos cinco brasileiras na chave principal, o que é louvável e comprova que todo o investimento e a coragem da CBT em trazer o evento ao Brasil está dando resultado antes do que a gente imaginava."

O Brasil terá até mais tenistas do que o esperado pelo diretor. E seria realmente louvável se a chave não fosse tão fraca. Do jeito que aconteceu, duas brasileiras (Cé e Gonçalves) só conseguiram vaga direta porque o torneio não atraiu atletas melhores. As duas não entrariam em nenhum outro WTA International do calendário. Não acho que seja motivo de orgulho. E talvez não valha R$ 1 milhão.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.