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Saque e Voleio

Nadal dá raquete para ajudar a salvar projeto brasileiro

Alexandre Cossenza

23/03/2015 08h00

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Um projeto social gaúcho premiado internacionalmente corre sério risco de precisar fechar as portas, e Rafael Nadal se prontificou a ajudar. O tenista espanhol, ex-número 1 do mundo e dono de 14 títulos de Grand Slam, cederá uma raquete que será leiloada pelo projeto WimBelemDon na campanha de crowdfunding (a famosa "vaquinha") chamada Fixando Raízes.

O WimBelemdon, que existe desde 2003, é capitaneado pelo fotógrafo Marcelo Ruschel, que trabalhou em mais de 30 confrontos de Copa Davis e é dos nomes mais conhecidos no tênis brasileiro. A iniciativa já recebeu três vezes o Prêmio Tênis e, no ano passado, foi reconhecida pela ATP com o prêmio Aces For Charity. Muitos dos melhores tenistas brasileiros apoiam anualmente, tamanha é a relevância de Ruschel e de seu WimBelemDon.

Este ano, no entanto, o gaúcho sofreu um susto. O dono da quadra alugado que recebe as atividades do WimBelemDon sinalizou que precisará vender o terreno. Ruschel, então, viu-se na obrigação de tentar adquirir o local permanentemente. Por isso, deu início à vaquinha virtual. Até agora, já juntou R$ 89 mil, uma bela quantia, mas que ainda não chega nem a 25% dos R$ 400 mil necessários para a aquisição. Por isso, tenistas e ex-tenistas brasileiros vêm ajudando.

Nesta semana, durante o Masters 1.000 de Miami, Bruno Soares vai à caça. Além de receber a raquete de Nadal – prometida desde o Rio Open, quando o mineiro fez o pedido -, o duplista tentará a sorte com a elite do circuito. Nomes como Federer, Djokovic e Murray estão na pauta. "Apesar de eu ter um relacionamento com esses caras, tem que explicar o propósito. Como é para um projeto social, eles (tenistas) costumam ser bem legais quanto a isso, mas tem que ser conversado, às vezes até com empresário. Isso eu vou fazer na primeira semana aqui em Miami. É correr atrás, explicar a situação e contar com a compreensão da turma."

Entre os brasileiros, muita gente colaborou. Camisas, livros e raquetes vieram de nomes como Gustavo Kuerten, Bia Haddad, Gabriela Cé, Teliana Pereira e Fernando Meligeni. Fino, aliás, também dará uma clínica a quem contribuir com o projeto. Uma raquete cedida por Feijão após a Copa Davis também foi adquirida em poucas horas. Só que ainda falta muito, e o prazo para a compra do terreno se encerra no dia 30 de junho.

Por isso, para ajudar a divulgar a campanha e mostrar um pouco mais sobre a importância do WimBelemDon e a história de Marcelo Ruschel, fiz a entrevista abaixo com o fotógrafo gaúcho. Leiam, passem adiante e, se puderem, ajudem clicando neste link da vaquinha virtual.

Vamos começar lá de trás? Como começou sua história com o tênis?
Eu fui criado do mais tradicional clube de tênis daqui de Porto Alegre, que é o Leopoldina Juvenil. Passava mais tempo lá do que em casa, então todos meus amigos jogavam tênis. Eu tive aula, mas nunca tive muita paciência. Aprendi a jogar, mas nunca pratiquei. A fotografia era hobby do meu avô, que me criou. Com 6 anos, ganhei minha primeira máquina, uma Kodak Instamatic. Aí entra a paixão pela fotografia. Algumas vezes eu fotografava os amigos jogando tênis, surfando no verão… Eu sempre curti muito a fotografia.

E quando isso virou profissão? Quando entrou o tênis?
Quando eu já estava decidido a virar fotógrafo profissional, houve a coincidência do início da Pro Tennis (uma das maiores promotoras de torneios do Brasil). Teve uma Copa Itaú, e um dos caras do clube sabia da minha paixão pela foto e insistiu: "por que tu não faz umas fotos, depois expõe aqui e vai vender, vai ganhar dinheiro…" Eu falei "essas coisas não vendem, ninguém vai comprar." Ele insistiu e eu fiz isso. Na verdade, não vendeu quase nada, foi muito engraçado (risos). Mas o que aconteceu? O Ennio Moreira, o sócio dele e a jornalista que era editora precisavam de um free lancer fixo. Chamaram, e eu adorei, né? Já comecei minha carreira ali participando de todo o processo, vendo como se faz um layout para depois fazer o fotolito para ir para a gráfica. Eu acompanhava por paixão pela história, além de ter a responsabilidade de ser o fotógrafo do Jornal do Tênis, que circulava em todo Brasil. Depois entrou o João Pires na história. Ele me chamou a primeira vez para fazer um torneio com ele, aí todo evento grande da Koch Tavares ele me chamava. Beach soccer, vôlei de praia… Eram eventos grandes que o João Pires precisava de mais gente. Comecei a fazer não só no Rio Grande do Sul, mas em todo Brasil.

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E você acabou "fazendo" umas tantas Copas Davis. Quantas foram?
A gente ainda brincava que eu queria bater o Thomaz Koch (que participou de 44 confrontos). Eu não cheguei lá, mas acho que fiz 34 ou 35.

Sobre o WimBelemDon, quando veio a vontade de montar um projeto?
Essa data é complicada, eu não tenho muita noção. Sempre fui muito inquieto, sempre fui atrás das coisas, das ideias, de sonhos. Quando eu descobri que era fácil fazer as coisas, talvez uma outra linha do idealismo…. Talvez quando eu fiz trabalhos ligados a meio-ambiente. Sempre fui um defensor, não sei se dá para chamar de "ecologista". Fiquei quatro anos como voluntário em um projeto ligado à baleia franca. Antes disso, totalmente sozinho, fiz um ensaio fotográfico na menor reserva ecológica do Brasil. Aliás, acho que fui o único fotógrafo que conseguiu permissão para ir na Ilha dos Lobos. Fica na praia de Torres. Ainda hoje vêm leões e lobos marinhos para se alimentar. Eles habitam aquela ilha, que é menor do que um campo de futebol. Fiz essa exposição, que ficou num dos grandes shopping centers daqui de Porto Alegre, foi um sucesso e foi aí que me dei conta, talvez…
Porque não era uma simples exposição de fotografia. Eu estava trabalhando ali com educação ambiental. Mais ou menos 70% dos gaúchos que visitaram aquela exposição não acreditavam que aquilo era no Brasil.

E isso mexeu com você?
Senti a obrigação de levar isso adiante, de levar a fotografia para educar. De usar a criatividade para educar, na verdade. Não é nem a fotografia. Quando vi uma notinha no Correio do Povo que mais um leão marinho foi encontrado morto com um tiro na cabeça, me senti que tinha que levar essa exposição adiante. Levantei essa bandeira, a exposição esteve em cinco capitais, cidades do interior do Rio Grande do Sul… Fiz um abaixo assinado pedindo proteção para a menor reserva ecológica do Brasil, que não tinha nem um barco para cuidar da ilha. Eu meio que fiz tudo isso sozinho. Quando eu vi, estava na frente do ministro Rubens Ricupero. Movimentei muita coisa e aí que descobri o poder da transformação. Fiz por instinto e, a partir daí, entrei no projeto de baleia e, por ter essa ligação que tu conhece com o tênis, que durou trinta e poucos anos, eu passava por essa quadra abandonada e achava que dava para fazer algo legal com o esporte, com educação. Mas não tenho noção de quanto antes começou.

O projeto, oficialmente, iniciou quando?
A gente considera o ato de assinar o contrato de longo prazo com a quadra (o que aconteceu em 31 de outubro de 2000). Mesmo não tendo ideia de como eu ia fazer, a gente considera isso o início oficial do projeto WimBelemDon. Eu já tinha até o nome. Na minha cabeça, nas minhas viajadas, eu acabei fazendo essa brincadeira com o nome do bairro.

Que é Belém Novo, em Porto Alegre…
Belém Novo é uma região afastada do centro de Porto Alegre. O gaúcho tem o hábito de achar que é muito longe, mas esse muito longe seria "do lado" em São Paulo. Fica a 30 quilômetros do centro da cidade. Em Porto Alegre, que tudo é perto, as pessoas acham aqui o fim do mundo. Foi uma vila pesqueira em 1930, depois começou a virar uma região de balneário, porque todos os bairros da zona sul de Porto Alegre foram, um dia, praia de rio. Depois, a cidade vai crescendo e vai se misturando como periferia. Hoje, ainda é um bairro muito bonito. É o único espaço que tem para onde a zona sul de Porto Alegre crescer. Hoje, tu anda por aqui e ainda tem pequenas propriedades rurais, parece que está no interior. Estão vindo muitos condomínios para cá. Mas, evidentemente, não sei há quanto tempo atrás, começou a ter aqueles bolsões de miséria. Vários becos, bastante pobreza, tem o esquema do crack, tráfico, essas coisas.

O projeto, hoje, atende 100 crianças. No começo, eram 40. Como era o processo para receber essa criançada lá no começo?
No início (as atividades começaram em março de 2003), por falta de know how, a gente pediu ajuda na maior escola do bairro, que é uma escola estadual. A gente achava que a escola conseguiria identificar as crianças mais necessitadas, em situação de vulnerabilidade social, mas vieram algumas crianças que não precisavam estar ali, que poderiam estar pagando uma academia. Tinha filho do dono da lotérica, filho do não-sei-do-quê, enfim… Mas a criança não tem culpa. Se você trabalha com inclusão social, ela já está, fica. Isso a gente foi acertando aos poucos. Hoje, já tem um critério rigoroso. A gente segue a Lei Orgânica da Assistência Social, então a família tem que preencher uma ficha, trazer todos os comprovantes de renda, de residência, dizer se a casa é própria ou alugada… Já tivemos, nesse caminho, muita mentira porque a mãe ou o pai queria porque queria ensinar tênis para o filho, sabe? Hoje, a gente tem psicólogos que fazem visita domiciliar para ver as condições da família. Aí entra outra história. Já fizemos visita domiciliar em todos, e os psicólogos começam a entender melhor as pessoas para poder interagir melhor e ajudar melhor a criança e a família.

Qual foi a maior dificuldade no início?
Talvez, Alexandre, com toda sinceridade, se eu soubesse das burocracias e do grau de dificuldade para fazer um projeto social quando eu aluguei lá, intuitivamente, a quadra, talvez eu não tivesse começado. Mas acredito que todo projeto social começa assim, com muita dificuldade. Só com o coração, sem nada de papel. Se tu não for sério, tu pula fora, que nem várias celebridades, inclusive esportivas, que brincam de fazer projeto social. Se tu for sério, vai tentar fazer alguma coisa, se dedicar a fazer alguma coisa. Hoje, para mim, pessoa física, o projeto é tudo. Muito mais do que um dia foi a fotografia.

Por isso esse tempo de mais de dois anos entre o aluguel da quadra e o início das atividades?
Foram dois anos e meio. Eu não sabia como fazer. E essa decepção foi porque pessoas que já tinham feito projetos ou tinham noção – que eu, como fotógrafo, não tinha – queriam me vender know-how. Eu já achava um absurdo. Questão de conceito. É um projeto social. As pessoas têm que se unir e, na minha cabeça, não existe concorrência. As pessoas têm que se ajudar. Na minha visão, até hoje, tem espaço para ter projeto social, usando tênis ou não, em qualquer esquina, em qualquer bairro. Hoje, tem muita gente que pensa ao contrário e leva conceitos do empresariado para um projeto social. Não é bem assim. Projeto social não visa lucro. Tu não pode ter os mesmos conceitos de uma organização com fins lucrativos. Não é por aí.

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E hoje o WimBelemdon é uma ONG respeitada e premiada…
Era para ser uma ONG desde o início, mas por desconhecimento, por cair numa errada de um advogado que auxiliou, o estatuto era totalmente errado. Eram só quatro pessoas. Aí tu não consegue formar, como a lei exige, um conselho deliberativo, um conselho fiscal. Daí tu não consegue captar recurso, se registrar nos conselhos de assistência social, de educação, enfim… Para poder buscar, participar de editais, captar recurso. Tu não consegue ser sério se tu for sozinho. Em algum momento da tua história, e isso eu digo para qualquer projeto social, tu tem que tentar te profissionalizar.

Quando foi o grande passo para a profissionalização?
Foi quando a gente quase fechou, em 2008. A gente estava totalmente envolvido no projeto e consciente da importância que aquilo ali era para as crianças, e a gente resolveu que "não pode fechar". Foi bem no ano da crise econômica internacional, lembra? Em 2008, 2009. A gente perdeu o único mantenedor. Para ti ter uma ideia do absurdo, a gente ganhava R$ 10 mil por ano da Copesul. A gente ficou sabendo por terceiros que naquele mês, em dezembro, eles não iam continuar. Ou seja, aquela "fortuna" de R$ 10 mil para o ano seguinte eu já não ia ter. Na minha desorganização, eu ficava botando dinheiro do meu bolso. A minha esposa que ficava "ó, vão cortar a luz", aí eu "toma aqui" e entrava no cheque especial (risos).

Hoje em dia, até a questão do terreno aparecer, estava tudo 100%?
Hoje, a gente está num nível de organização que, para ti ter uma ideia da diferença, o projeto é diário, são cento e poucas crianças, são 15 funcionários com carteira assinada, trinta e poucos colaboradores ao todo, as crianças têm lanche todo dia, almoço todo dia, fora várias atividades. O tênis a gente usa como um meio, uma ferramenta de ele, sem perceber hoje porque está brincando, levar bons valores para a vida inteira. A gente usa esse gosto pelo tênis para produzir outras atividades, que são inglês, leitura, matemática, português, cinema… Tem uma oficina de bem-estar, já há dois anos, que é fantástica. As crianças aprendem a meditar, respirar, a se concentrar…

De onde vêm os recursos para manter o projeto?
Hoje, quase 90% do dinheiro que mantém o projeto WimBelemDon vem do imposto de renda. Vem de alguma pessoa física ou jurídica que não quer deixar, por menor que seja a porcentagem, que esse dinheiro de imposto de renda vá todo para Brasília. Então essas pessoas tentam destinar para alguma causa.

Só que não dá para comprar o terreno assim, né?
Hoje, aqui no Rio Grande do Sul, tu não consegue botar num projeto de Lei de Incentivo Fiscal a aquisição de um bem imóvel. Então qual é a empresa ou pessoa física que vai tirar do bolso R$ 400 mil e dizer "toma, Marcelo, compra o teu terreno"? Não tem. Ninguém tem verba de marketing tão grande e que vai investir 100% daquela verba na aquisição de um terreno de um projeto social, que, infelizmente, não é prioritário para aquela empresa.

Quando veio a ideia do crowdfunding?
Fui fazendo cursos e workshops de crowdfunding, vendo alternativas, só que a maioria dos cases de sucesso não tem um valor tão alto. Na nossa plataforma, o projeto social que mais captou foi R$ 140 mil. Estamos tentando outras maneiras, outras fontes, mas já tive alguns "nãos". Eu sei que é difícil, principalmente porque tu sabe como está o pavor, o pânico no Brasil em função do mercado. É greve de caminhoneiro, vai faltar produto, inflação subindo… Tá complicado, meu amigo. As empresas estão com o freio de mão puxado. Não sei o que vai acontecer, mas eu não tinha outra alternativa. O contrato que a gente fez de compromisso de compra e venda, que ele (dono do terreno) me deu exclusividade na compra e fixou o preço, vai até 30 de junho. Não quer dizer que ele vá vender para alguém no dia seguinte, mas é o que eu digo: "só vou pensar no que fazer se não der quando não der." Porque a tua mente vai viciando se tu pensar só nas coisas negativas. Tu tem que pensar que vai dar certo, botar toda tua energia no "vai dar certo". Não posso pensar na hipótese de dar errado. Se der errado, vou correr para resolver da melhor maneira possível, mas agora 110% da minha cabeça tem que estar voltada para dar certo, concorda?

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.