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Saque e Voleio

A versão Sabesp de Roger Federer

Alexandre Cossenza

23/01/2015 17h58

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Você entra no box, abre a torneira e… nada! Não tem água, aquele elemento básico e essencial do planeta, da vida. Não tem mais. Alguém, em algum lugar, decidiu, por mérito ou incompetência, que você não vai ter água. Não tem para tomar banho, para escovar os dentes, para beber. Acabou e ninguém sabe dizer até quando. A sensação, que mistura raiva, frustração, impaciência e quase sempre acaba em resignação, não pode ter sido muito diferente do que passou Roger Federer em Melbourne nesta sexta-feira.

Não acho que tenha sido uma partida fantástica de Andreas Seppi. Não mesmo. E faz-se necessária um explicação que seria nota de rodapé se blogs tivessem rodapés. Não é tirar mérito. O italiano fez um ótimo jogo, de verdade. Mas do ótimo ao fantástico há uma longa rota que Seppi não percorreu nesta sexta-feira – até porque não precisou. Sacou bem, manteve a calma o jogo inteiro e não perdeu a cabeça nem quando uma bola na fita quebrou seu saque no segundo set. Fez tudo de forma competente. Não há o que questionar. Mas eu, mais uma vez, divago.

Foi uma tarde ruim de Roger Federer. Ruim, não. Péssima. O suíço abriu a torneira, fechou e abriu de novo. Não adiantou. Por mais que resmungasse, corresse e gritasse, alguma força superior impediu que Federer usasse os elementos mais básicos de seu jogo. O saque não entrou com consistência, os forehands estavam descalibrados, os slices não incomodaram (Seppi não deixou) e muitas das subidas à rede foram precipitadas – mais na tentativa de "assustar" Seppi do que como resultado da construção de um ponto.

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Estatísticas nunca contam a história inteira, mas os erros não forçados do suíço dizem um bocado. Foram 55 deles. E vale uma ressalva: normalmente as estatísticas de falhas ganham versão super-size contra Nadal ou Djokovic, tenistas que defendem com a resiliência de um Scott Sterling. Contra Seppi, não. Muitas das bolas espirradas por Federer não tinham objetivo algum que não fosse a simples continuação do ponto.

A sequência final foi um microcosmo de tudo que esteve fora da ordem no planeta racionado de Federer. Com metade da quadra tomada pelo sol, o suíço fez uma dupla falta quando liderava o tie-break. E aqui não vale condená-lo, por favor. Um pouco mais cedo, na Hisense, Andy Murray espirrou um segundo saque nas mesmas condições: virado para o sol e com meia quadra na sombra. É duro sacar assim. Mas eu, inevitavelmente, tergiverso.

Com suas muitas qualidades racionadas, Federer não encontrou sequer volume morto. Sem confiança, chegou a, ainda no tie-break, executar um segundo saque a saraerraniescos 129 km/h – o normal seria algo na casa dos 165-170 km/h. Perdeu o ponto. E perdeu os dois seguintes. O último, uma mistura de golpe de vista com mesmo-que-eu-chegue-na-bola-vai-ser-difícil-de-acertar, o mandou de volta para casa a conferir de perto a valorização do franco suíço.

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Kyrgios se dá bem, Nadal nem tanto

E o que muda sem o número 2 do mundo no torneio? A notícia não deixa de ser boa para o garotão Nick Kyrgios, que tem de juventude o que tem de marra – o que não é necessariamente ruim (deixo esta explicação para outro post – assim me poupo de um terceiro devaneio). O campeão do Australian Open juvenil de 2013, hoje com 19 anos, encara Seppi nas oitavas com uma chance razoável de alcançar as quartas de um Slam pela segunda vez. Quem vencer este jogo vai encarar Andy Murray ou Grigor Dimitrov – outros dois beneficiados.

A chave só não muda mesmo é para Rafael Nadal, que não perde uma melhor de cinco para Federer desde 2007. Aliás, os fãs do espanhol, hoje em dia, devem temer mais Berdych e Murray do que qualquer outro antes da final. O número 3 do mundo fez duas grandes atuações – intercaladas com o episódio Tim Smyczek, que vai ganhar proporções mitológicas cedo ou tarde. Já li, inclusive, que ele vomitou em quadra. É o tipo de história que aumenta com o passar do tempo, na medida em que ninguém mais lembra exatamente o que aconteceu. Daqui a 15 anos, Nadal vai ter vomitado parte de seu apêndice.  Mas eu devaneio.

Voltando ao tema, meu ponto é que o tênis que Nadal joga hoje, mais agressivo e correndo mais riscos, é um tanto mais suscetível a dias ruins. Sem tanta margem para erro, o espanhol não pode se dar ao luxo de jogar contra Berdych o mesmo que mostrou, por exemplo, no terceiro set contra Dudi Sela. Aquele tênis fantástico do US Open de 2013 não acontece sempre na vida de um tenista. Vejo Anderson e Berdych com chances nada desprezíveis – bem maiores do que alguns anos atrás, me arrisco a dizer.

Coisas que eu acho que acho:

– Até agora, a chave não tem um jogo ruim nas oitavas. Eles são Berdych x Tomic, Anderson x Nadal, Murray x Dimitrov e Kyrgios x Seppi. Meu preferido é o duelo entre britânico e búlgaro. Falo sobre a metade de cima do quadro masculino depois dos confrontos deste sábado.

– O circuito mundial destes tempos é tão (im)previsível quanto Kim Jong-Un num filme de Seth Rogen. O favorito de hoje é candidato a sofrer um piripaque amanhã. Djokovic começou o torneio voltando de um problema estomacal, mas já apagou qualquer dúvida. Murray, a eterna incógnita, somou três atuações irretocáveis. Nadal, com poucas partidas nas costas, estreou bem, quase abandonou na sequência e, hoje, voltou a mostrar um ótimo tênis.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.