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Saque e Voleio

Marin Cilic: transformação, otimismo e inspiração

Alexandre Cossenza

10/09/2014 19h35

on September 9, 2014 in New York City.

Ver Marin Cilic desferir um, dois, três aces forehands é um pouco como parar na frente daquelas barracas dos parques de diversão. O cidadão paga, ganha 200 argolas e tenta – sem sucesso, mas sem parar, numa espécie de transe – arremessar e fazer com que uma delas, umazinha só, fique encaixada numa garrafa de Coca-Cola. No US Open, Cilic foi como aquele sortudo da noite, o único cidadão que voltou para casa com um tigre branco de pelúcia gigante.

Forehand após forehand, ace após ace… Você, que vê tênis toda semana, acostuma-se a ver o grandão – Cilic, Berdych, Del Potro, Isner, Karlovic, Querrey, você escolhe – bater duas, três bolas assim até inequivocadamente mandar um míssil na rede ou dois palmos além da linha de base do adversário. Jogar atacando quase como um kamikaze, como se cada um dos golpes precisasse ter a força necessária para ser um winner, é para poucos.

Rafael Nadal, Novak Djokovic, Andy Murray, Roger Federer… Todos esses têm consistência o bastante para, na maioria das ocasiões, alongar uma partida até o ponto em que o adversário "esfria". Os golpes perdem a precisão, o adversário passa a se defender menos, bate o pânico. O próprio Marin Cilic conhece bem a sensação. Mas não. Não neste US Open. E não foi questão de sorte. O croata "zerou" o joguinho das argolas. Em três tentativas, ganhou três tigres para despachar no avião e levar para casa.

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Durante a última semana em Flushing Meadows, o croata de 1,98m jogou como precisava, desafiando as probabilidades. Como nunca havia feito por tanto tempo e, ao mesmo tempo, como sempre quis (e precisou). No fim, depois de dez sets (quase) perfeitos contra Simon, Berdych, Nishikori e até Federer, contra quem jamais havia triunfado, deitou-se no chão do Estádio Arthur Ashe e gritou e comemorou. Era, como ele diria na coletiva, o pico do planeta, o topo.

E a história do título de Cilic faz-se especial por um bocado de motivos. O primeiro dele foi a coragem de mudar. Depois de testar positivo em um exame antidoping e levar uma suspensão (posteriormente reduzida para 120 dias), o croata apostou em Goran Ivanisevic como técnico. O campeão de Wimbledon disse que o novo pupilo precisava atacar mais.

Hoje, Cilic conta que não foi fácil. "Eu pensava mais na tática, uns 70%, e pensava no meu jogo em uma porcentagem menor. Então começamos a trabalhar juntos. Não foi fácil mudar minha perspectiva e minha maneira de pensar. Precisei de cinco, seis meses de torneios para absorver e saber, dentro da quadra, que esta é a maneira certa para eu jogar."

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A influência de Ivanisevic também faz-se notar no serviço de Cilic. Um lançamento mais curto e um movimento de braço mais rápido e natural deram ao croata uma arma ainda mais precisa, mais mortal. "Ele está pegando a bola mais cedo, não andando para trás depois dos saques. Ele nunca será um jogador de saque e voleio, mas é preciso ter na cabeça que é necessário andar para a frente", disse o treinador, segundo o Wall Street Journal.

Outra parte cativante – minha preferida – do triunfo croata em Nova York foi a recusa de Cilic a mostrar mágoa ou rancor sobre sua punição. Quando indagado sobre o assunto na coletiva pós-final, resumiu-se a dizer coisas do tipo "eu só esperava estar de volta ao circuito" e "seria a maior alegria da minha vida". Tampouco houve aquele discurso do tipo não-queria-nem-ver-tênis. O campeão relatou ter visto várias partidas do US Open de 2013. "É claro que você quer ver os caras e talvez perceber alguns detalhes táticos", disse. "Não deixei minha mente se afastar porque eu esperava voltara jogar a qualquer hora." É tão descomplicado que, nos dias de hoje, beira o genial.

Mas a feliz história de Marin Clilc não termina sem um recado. Uma mensagem de inspiração para quem, como ele, passou tanto tempo sem alimentar devidamente o sonho de conquistar um Grand Slam. "Acho que desta vez, este ano, os caras do segundo escalão tiveram um pouco de sorte porque Andy Murray teve problemas com suas costas; Wawrinka teve altos e baixos depois da Austrália; alguns outros jogadores não jogaram seu melhor o tempo inteiro. E Rafa não está aqui. Então isso abriu o portão para todo mundo. Acho que a competição será muito maior a partir do ano que vem. Sinto que os caras no topo vai puxar os outros, e o tênis vai evoluir muito mais." Que assim seja. Será divertido.

on September 9, 2014 in New York City.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.