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Saque e Voleio

Sobre argumentos e conflitos de interesse

Alexandre Cossenza

03/09/2014 09h25

O dia foi quente. Logo depois que a CBT confirmou a escalação (publicada domingo aqui no blog), o capitão brasileiro na Copa Davis, João Zwetsch, deu entrevista coletiva em São Paulo e justificou sua polêmica opção por não levar João Souza, número 2 do país e em melhor momento que dois dos convocados: Rogério Dutra Silva, o Rogerinho, e Guilherme Clezar – este treinado pelo próprio Zwetsch no circuito mundial. Depois, Ricardo Acioly, técnico de Feijão, deu uma forte entrevista ao site da ESPN. Por fim, o próprio João Souza enviou um comunicado de imprensa manifestando sua insatisfação e usando palavras fortes.

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Argumento 1: o físico
Zwetsch usou alguns argumentos para se explicar. Falou que Rogerinho já mostrou condições físicas para um jogo longo e lembrou que Feijão ainda não fez o mesmo: "Eu sei que o Rogerinho suporta quatro horas de um jogo brigado contra um espanhol, não vejo isso no Feijão", disse o capitão segundo o site Tênis News. "Não estou falando que o Feijão não é capaz. Eu apenas não o vi fazendo isso, e o Rogerinho, sim", completou.

A explicação de Zwetsch faz sentido. Mas faz sentido só se Rogerinho for, de fato, o escolhido para ser o segundo simplista. Se a vaga for para Clezar, a argumentação cai como um castelo de cartas. O jovem gaúcho não só nunca disputou um jogo de cinco sets como se lesionou em sua única partida de Copa Davis. E mais um ponto joga contra a tese do capitão: em um confronto disputado em saibro indoor, com a altitude de São Paulo e uma quadra mais rápida, será que o ideal é pensar em partidas longas? Se a intenção fosse, desde o início, alongar partidas, talvez outro local fosse mais apropriado para o Brasil.

Argumento 2: serviços prestados
Ainda sobre Rogerinho, Zwetsch lembra da boa atuação do paulista no duelo contra o Equador, válido pelo Zonal das Américas, este ano. "Depois do último confronto, contra o Equador, no qual o Rogério foi o principal responsável pela nossa vitória, ficou dentro da nossa equipe um sentimento muito forte e, no dia seguinte, conversamos que, para o Rogério não jogar esse próximo confronto, teria que acontecer alguma coisa contundente, muito forte, para substituir a presença dele no confronto", afirmou, segundo comunicado da CBT. O mesmo texto ressalta que a presença de Rogerinho não está assegurada no time.

De novo, entendo Zwetsch. Mal comparando, é a mesma lógica que Felipão adotou na última Copa do Mundo da FIFA. A convocação é uma espécie de recompensa por serviços prestados. Só que o Equador jogou com Julio Campozano e Emilio Gomez. Nenhum dos dois é top 200. A Espanha, ainda que com seu time B (ou C?), vem com dois top 50. É como se o técnico comandasse o clube campeão municipal de Novo Hamburgo e disputasse o Brasileirão com o mesmo elenco. Esse filme já foi visto em vários esportes, e a discussão sempre vai existir.

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Argumento 3: renovação
É com base nisso que Zwetsch justifica a presença de Clezar no time. "Ficou cada vez mais claro a necessidade de usar a Copa Davis como um trampolim, ganhar experiência. Isso tudo tem sido feito com coerência, temos que manter a equipe sempre competitiva, não é só porque é jovem que vai jogar, e sim um jovem que está ali e possa manter a nossa equipe competitiva", disse, também no comunicado enviado pela CBT.

Renovação é um conceito um bocado subjetivo no tênis. Copa Davis não tem eliminatórias. Não dá para escalar alguém aqui e ali, colocando o garotão no segundo tempo e dando ritmo aos poucos. Quem entra já está no fogo. A não ser que jogue um confronto fraco de Zonal, caso do recente Equador x Brasil, quando Zwetsch colocou Clezar para jogar pela primeira vez. Mas não se escala um garoto inexperiente em Grupo Mundial, a não ser em caso de necessidade ou naqueles duelos obviamente perdidos. Brasil x Espanha não se encaixa em nenhum dos cenários. E tem mais: colocar um jovem inexperiente e de forma questionável põe pressão a mais no atleta. Não me parece o ideal.

Argumento 4: nível parecido
Zwetsch reconhece que Feijão está em melhor momento, mas minimiza os resultados recentes do número 2 do país. Diz que não vê muita diferença. "O Feijão está em melhor fase, mas melhor fase não quer dizer melhor nível. Na outra convocação havia dito que ele, Guilherme Clezar e o Rogerinho estavam no mesmo nível. Eles têm os mesmos resultados, não vejo muita diferença. Eles não têm resultados expressivos em torneios grandes", disse, segundo o Tênis News.

É uma maneira de ver o cenário. É o mesmo discurso que Zwetsch usou em todas convocações. "Não temos um número 2 fixo." Mas o capitão também sempre afirmou que o segundo simplista variaria de acordo com o momento e as condições do confronto. Momento e ranking não podem ser os únicos critérios? Tudo bem. Mas e as condições? Saibro indoor e rápido, com altitude? Tudo isso favorece o jogo de Feijão, que, como escrevi no post de domingo, tem um histórico interessante na capital paulista.

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Ricardo Acioly, por sua vez, disse ao repórter Gustavo Faldon, do site da ESPN, que há conflito de interesse e falta um critério claro de convocação. "Não vejo os pontos que deixam o Feijão fora do confronto. Eu acho que o Thomaz (Bellucci) é indiscutível, a dupla também. E depois você tem uma posição aberta. O Feijão não tem tido as oportunidades e isso me deixa um questionamento. Já escutei que era por experiência de Davis, dar chance aos mais jovens. Mas como você vai ter experiência se não joga? Aí fica confuso, não fica claro", afirmou. "Hoje em dia, existe um conflito de interesse muito grande. Tem que perguntar pra todo mundo, para os jogadores, para o Thomaz (Bellucci), para o Marcelo (Melo). O Marcelo tem um problema que o irmão é assistente do João (Zwetsch). Isso sempre põe em dúvida uma convocação assim, onde eu não vejo o Clezar numa posição melhor", completou o ex-capitão brasileiro na Davis.

A palavra-chave aqui é "conflito de interesse", que quase sempre existiu no tênis brasileiro. E o exemplo costuma vir de cima. Lembram que todos eventos da CBT tinham quadras construídas por uma empresa com sede dentro da entidade? E que outros capitães de Davis treinavam jogadores que eram convocados? Pardal passa ileso aqui porque Fernando Meligeni sempre foi nome incontestável durante sua passagem pelo time brasileiro, mas se é para debater o princípio (e ninguém está afirmando com todas as letras que Clezar é beneficiado por isso), é bom que se aplique a todos. Vale para comentaristas que organizam torneios com verba pública captada pela CBT, para jornalistas que são donos de site e assessores de imprensa ao mesmo tempo, para tenistas que deixam de fazer denúncias em troca de patrocinador na manga, e por aí vai…

E que ninguém pense que é uma exclusividade do tênis brasileiro. Há conflito de interesse, por exemplo, quando Mary Joe Fernandez entrevista Roger Federer na quadra central de um torneio. Ou alguém acha que, após um eventual jogo polêmico e nervoso, a esposa do empresário do suíço faria uma pergunta "difícil"? Repito: é só um exemplo. Há muitos mais. No fim, depende de como optamos por ver a coisa. Quando Morpheus abre a mão, você quer o comprimido azul ou o vermelho? Acho válida a discussão sobre conflitos de interesse como um todo. Só não dá para levantar a bandeira da causa apenas quando é conveniente (e nem estou dizendo que seja o caso de Acioly agora). Senão, como um jornalista que admiro muito disse ontem, lembra a política partidária do Brasil. Todo mundo que não está pendurado na teta do estado critica quem está. Depois, invertem-se os papéis. E é tão fácil ir adiante e se esquecer que a coisa toda tá errada…

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A terceira parte da apimentada terça-feira começou com um comunicado enviado por Fabrizio Gallas, assessor de imprensa de Feijão – e que também é assessor da Tennis Route, academia onde trabalha João Zwetsch, no Rio de Janeiro. No e-mail, palavras fortes do tenista. Coloco alguns trechos abaixo:

"Estou muito decepcionado por não ter sido convocado. Desta vez não estou voltando de lesão, não estou machucado e tampouco venho de maus resultados. Pelo contrário, indiscutivelmente estou em melhor fase do que os outros dois que foram convocados para disputar a quarta vaga do time."

"É brincadeira o capitão questionar minha capacidade física, ainda mais para um confronto em quadra coberta e em São Paulo, com jogo na altitude e veloz. Também já disputei jogos de Grand Slam e Copa Davis e nunca tive problemas de resistência física."

"O que que eu preciso fazer para ser convocado? Só serei chamado se vier a ser um tenista top 50 onde ele não terá saída para não me convocar? Sinceramente, espero que não seja nada pessoal e que eu passe a receber alguma chance em convocações futuras. De qualquer maneira, este pode ser um bom momento de se repensar o cargo de capitão da Copa Davis no Brasil, pois o ideal é fazer como na maioria dos outros países, onde a pessoa que está na posição é exclusiva da Davis e não treina outros jogadores do circuito."

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É o mesmo discurso de Acioly, seu treinador, só que vem do jeito Feijão de ser: na lata. É difícil discordar do primeiro parágrafo que colei. Ninguém discute – nem o próprio Zwetsch – o momento melhor de João Souza. O mesmo vale para a segunda parte. Se o confronto vai ser em saibro rápido, não dá para esperar longas trocas de bola. Três edições do Brasil Open no Ibirapuera já mostraram isso. Os pontos são curtos. As partidas podem ser demoradas, mas não devem ser das mais exigentes fisicamente (para o padrão Copa Davis, claro).

Quanto à parte final, Feijão foi ousado ao questionar o cargo de capitão da Davis (ainda que seu técnico atual tenha comandado o Brasil em condições semelhantes, como já apontei acima). Talvez ousado demais, mas é só minha opinião. Voltando ao assunto,  no mundo perfeito, o ideal seria mesmo que o capitão trabalhasse exclusivamente para sua federação nacional. Mas será que a CBT pagaria salário integral, full-time, 12 meses por ano, para um treinador trabalhar tão poucas semanas? O método atual é cômodo e permite que o capitão ganhe seu sustento "por fora" (leia-se "treinando atletas no circuito"). O problema é que o "por fora" e o "por dentro" de João Zwetsch, hoje, misturam-se com a presença de Clezar no time. Enquanto isto acontecer, o capitão estará exposto a esse tipo de crítica. Quem aceita um cargo assim tem que saber (ou aprender) a lidar com as críticas.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.