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Saque e Voleio

Zwetsch, o administrador de riscos

Alexandre Cossenza

27/03/2014 10h46

João Zwetsch Rio de Janeiro

Convocar Thomaz Bellucci, que abandonou jogos em cidades com muita umidade recentemente, seria um risco. Escalar João Souza, o Feijão, voltando de lesão e com a possibilidade de precisar jogar cinco sets, também seria uma manobra arriscada. Guilherme Clezar é uma interrogação. As três afirmações acima são do capitão João Zwetsch, que, de certo modo, vem trabalhando como consultor em uma empresa de administração de risco.

E foi assim, medindo cautelosamente as probabilidades, que o gaúcho, capitão brasileiro na Copa Davis, montou a equipe brasileira que disputará o confronto com o Equador, de 4 a 6 de abril, com Marcelo Melo, Bruno Soares, Rogerinho e o estreante Guilherme Clezar. Bellucci, como já citado aqui no blog, optou por não jogar e buscar um diagnóstico detalhado para seus problemas físicos.

Após a convocação, conversei com Zwetsch por 25 minutos. O capitão falou detalhadamente sobre todo o processo de convocação, inclusive todos os riscos que existiam e ainda existem. Lembrou que viu Bellucci ter problemas semelhantes lá atrás, quando era técnico pessoal do número 1 do Brasil; admitiu que será bom para Clezar, com quem trabalha atualmente, ter seu treinador dentro da quadra; e reconheceu a superioridade de sua equipe, embora não tenha ousado afirmar com todas as letras que o Brasil será favorito em solo equatoriano. Leiam o papo!

Guilherme Clezar João Zwetsch Rio de Janeiro

É uma convocação diferente, mas seu processo foi o mesmo de sempre?
O processo foi o mesmo. Não tem como mudar. Onde vai jogar, qual é a condição? Essa questão de poder começar a usar os garotos que estão chegando é uma coisa que desde o ano passado eu já estava falando. Óbvio que quem entrar, no caso o Gui agora e o Thiago, que é o reserva, possam entrar numa condição de competir já. Principalmente nesse zonal, tanto um quanto o outro pode enfrentar qualquer jogador de igual para igual. Mas tem que buscar o momento, a forma adequada de incorporá-los a equipe. É importante a expectativa de que eles tenham uma experiência agradável, construtiva. Não colocá-los numa situação logo de saída com uma responsabilidade extrema. Isso já estava previsto. A dúvida era jogar com o Thomaz ou não. A gente vinha conversando e, depois de Miami, houve a decisão. Ele está realmente receoso de jogar em lugares com essas condições. São praticamente as mesmas condições de Miami, um lugar quente e úmido…

Essa conversa pegou de surpresa?
Não me pegou totalmente de surpresa, mas até então ele estava sempre buscando solucionar esse problema. Este ano, estamos em março e ele já se retirou de jogos duas vezes. Quem conhece sabe que ele começa a cair de rendimento, dependendo da condição em que ele está jogando. Quando ele tem a oportunidade de jogar em lugares à noite, isso ajuda, mas quando precisa jogar em lugares mais quentes e com a umidade alta, isso está afetando ele. De forma geral. Ele fala "pô, cara, eu me se sinto mal, passo mal para caramba, fico um dia, dois dias passando muito mal". Isso vai abalando, de uma certa forma, o jogador, a confiança… E é complicado a gente levar. Eu compreendi perfeitamente a parte dele por duas razões. Primeiro pela condição dele, de chegar lá e não estar confiante. Mesmo que a gente saiba que o Thomaz tem um nível mais alto que os equatorianos, a tendência de Copa Davis é ser um jogo mais longo. Só o fato de ser (em melhor de) cinco sets. Optaram por Guayaquil, que é um lugar quente e úmido, sabendo disso. Vão botar quadra lenta, bola lenta, tudo para o jogo se estender o máximo possível e eles tirarem o maior proveito disso. Então o Thomaz optou de uma vez por todas por tentar resolver isso ou pelo menos conseguir amenizar de uma forma que ele possa se sentir mais confiante para jogar nesse tipo de lugar. Até porque não são poucos os lugares, né, Alexandre? O começo de ano é praticamente todo assim. A Austrália não tem tanta umidade, mas o calor lá é muito forte às vezes.

Thomaz Bellucci Rio de Janeiro pré-temporada

(interrompendo) E este ano ele deu azar. Pegou um dia úmido e foi no jogo com o Tsonga.
No final do jogo, dava para ver que ele já estava mais abatido. Se vai a Viña del Mar, durante o dia pode pegar bastante calor. Vai a Buenos Aires, é um inferno. O Rio de Janeiro é outro inferno. No Rio, ele conseguiu jogar legal, mas fez os dois jogos à noite. Ajuda. Se tivesse que jogar às 14h, seria uma história um pouco diferente, provavelmente. Ele está buscando resolver isso. E a outra parte que eu tenho que olhar, Alexandre, é o risco que a equipe sofre. Se o Thomaz não consegue resolver o jogo rápido, que é uma coisa normal de acontecer numa Copa Davis, jogando fora, com torcida incomodando… Se o cara não está num dia tão bom e precisa trabalhar um pouco mais do que deveria para ganhar, esse tempo a mais passa a ser um risco, então tem que pensar um pouco nisso. A gente tem uma equipe formada com uma dupla e dois jogadores de simples. É aquela velha história. De repente, tirar um dos jogadores de dupla e arriscar um pouco na dupla, que é um ponto praticamente certo… Tem que pesar todas as coisas. Até em função da própria saúde dele. A gente sabe. Ele chega a um limite que fica tonto, quase desmaia. Eu já vi acontecer isso. Já aconteceu outras vezes, quando eu treinava ele. Sei como é que é.

Para o Guilherme, é o melhor cenário para estrear, não? É no Zonal e contra o Equador, que é um time mais fraco que o Brasil. Embora não seja em casa, não teria u cenário muito melhor, né?
Isso pesou muito. É o que eu te falei antes. Procuramos encontrar a condição mais oportuna para que esses garotos possam começar (interrompendo) não digo se firmar. A equipe da Copa Davis é formada por alguns jogadores, né? É complicado tirar o Bruno e o Marcelo hoje, que estão entre os oito melhores do mundo hoje. É um ponto muito sólido que a gente tem. O Thomaz também, em relação aos nossos jogadores de simples, está num nível mais alto. É inegável. Essa espinha dorsal, se tudo corre normal, é complicada de mexer. Não tem por que. A oportunidade de um desse garotos entrar é interessante. Pode ser uma experiência legal porque vai que ele consiga entrar num jogo desse, ganhar um jogo, ganhar os dois jogos, a equipe ganhar… Sabe? A gente sabe muito bem que Copa Davis faz diferença para muita gente. Quantas vezes a gente viu jogadores crescerem de nível? vários deles. Djokovic, Verdasco, e "n" outros que não são tão conhecidos. É parte do processo essa garotada participar. É uma das minhas funções enquanto capitão poder proporcionar a eles essa oportunidade e incorporá-los à equipe.

Guilherme Clezar Rio de Janeiro

E o quanto ajuda, na estreia de um tenista, ter o técnico dele, pessoal, dentro da quadra? É bom, não? (risos)
(risos) É interessante. Eu acho que ajuda muito. Não pode querer sair por um lado que não existe, Tem que ser sincero e dizer que, não é obviamente comum, mas ajuda muito. É aquela coisa que nós, treinadores, estamos sempre questionando a ATP. Por que o técnico não pode participar mais do jogo? O fato de conhecer bastante o jogador, de saber a fundo suas dificuldades e virtudes, encurta um caminho. A gente pode fazer coisas ali dentro que podem fazer uma diferença grande. Uma das coisas que o capitão tenta fazer é não deixar… No jogo longo, existe uma tendência, principalmente de quem não é experiente, dessa alternância de padrão de jogo. Muitas vezes se sai, se volta, se escapa. Essa inconstância é muito mais cansativa do que manter uma linha de conduta, seja tática ou de um padrão próprio do jogador. Essas idas e vindas desgastam muito mais. Tem vários pontos que são interessantes. Esse ponto de o jogador estar ali dentro com seu técnico pode fazer a gente tirar um proveito maior.

O Rogerinho teve uma torção no tornozelo nos Jogos Sul-Americanos, mas já jogou um Challenger depois. Não foi nada sério, então?
Não, está bem. Logo depois que falei com o Thomaz, já falei com ele, para saber como estava. A torção atrapalhou, mas não foi séria. Na semana seguinte, ele já estava jogando. Inclusive ganhou do (argentino Facundo) Bagnis no Panamá. Está forte, bem, reencontrando seu melhor caminho pouco a pouco. É um cara que a gente sabe que, dentro dessas condições, onde o jogo vai ser de trocas de bola mais longas e constantes, ele suporta muito bem. Fisicamente, ele é muito resistente, gosta de jogar, apoia muito seu jogo em pontos mais longos e tem uma postura muito interessante quando se trata de Copa Davis.

Rogerinho_Davis_CBT2_blog

Feijão está recuperado da lesão no abdômen (sofrida no Brasil Open), está tratando ainda ou não foi uma coisa que te fez optar por essa formação?
Uma das coisas, sim, que me fizeram optar pelo Rogerinho (interrompendo e mudando de assunto) apesar de que essas condições para o Feijão são um pouco complicadas. Um lugar onde o jogador dominar a partida com o saque não vai ser tão normal. É uma coisa que o Feijão usa muito. O próprio local, com umidade e calor. Até para Buenos Aires, que é um torneio com condição parecida, ele não foi, é um lugar onde ele não gosta muito. Mas contribuiu muito essa lesão. O Feijão parou três semanas de jogar. Sem pegar na raquete. Está voltando agora, treinando de novo, mas depois de uma lesão dessa, na primeira competição botar o cara na Copa Davis, C.o sets e tal, é uma coisa muito arriscada. Nunca se sabe como vai responder, né, Alexandre? No treino, você está controlando as coisas, medindo. Na hora do jogo, ali, entra questão emocional, outras coisas junto, e muitas vezes não se sabe como se vai responder exatamente. Seria muito arriscado colocar o Feijão nessas condições, sem saber. Se ele tivesse jogado um, dois torneios antes, sentindo que está tudo certo e zerou mesmo, poderia ser uma opção mais plausível, mas ir direto para uma Copa Davis nessas condições, eu achei realmente arriscado demais.

O Thomaz faz falta no vestiário também?
Faz, claro que faz. As pessoas, eu sei que todo mundo pensa no Thomaz daquele jeito tímido dele…

(interrompendo) Mas é por isso. A gente não sabe como ele é com os outros tenistas.
É, mas ele dentro da equipe tem o espaço dele e cada vez vem tendo mais. É um jogador que, para os garotos que chegam ali, imagina… É jogador que já enfrentou os melhores nas quadras principais. Um cara que ficou quatro, cinco anos entre os 50 do mundo. Tem um pedigree, um know-how, uma história diferente. Um cara que pode passar muita coisa interessante para quem está compondo a equipe ali nas simples. Marcelo e Bruno já têm essa condição, esse know-how todo. Mas para os jovens, para a garotada toda, e até mesmo para o Rogerinho e os outros… O Thomaz estava acostumado a jogar torneio um nível acima deles. Apesar do jeito dele… A gente tem que saber, na verdade, que cada um tem a sua maneira de ser. Ele não vai chegar e falar tanto que nem o Marcelo e o Bruno, que são caras mais desenvolto, brincalhões e tal, mas em certo momento ele contribui da forma que tem que contribuir, sim.

Rogerinho_Davis_CBT_blog

O Brasil não deixa de ser favorito sem o Thomaz, né?
(risos)

Eu já pergunto pressionando, né? Mas a intenção não era essa. É que eu realmente acho isso…
Sendo bem realista mesmo, Alexandre, se o Thomaz fosse nas melhores condições dele, jogando um bom tênis, obviamente que nossa equipe teria um favoritismo interessante. Sem ele, as coisas se equilibram um pouco mais. A gente tem uma dupla obviamente melhor do que a deles, os nossos jogadores de simples… Acho que o Rogerinho, jogando um tênis num bom nível, ainda é superior aos dois jogadores deles. Mas isso tem que se traduzir. O Gui é uma interrogação porque, querendo ou não, a gente sabe do potencial que ele pode apresentar, mas é uma coisa que tem que ser colocada em prática na hora. A primeira aparição é sempre uma coisa mais delicada. Estamos trabalhando com ele essas coisas, mas isso pode prejudicar um pouquinho a performance dele. Espero que não, mas pode vir a acontecer. Não é incomum. Muito pelo contrário. A coisa se equilibra mais. A dupla é incontestavelmente melhor, nossos jogadores de simples são um pouco superiores aos deles, mas acho que se equipara muito agora. Eles têm a vantagem de jogar em casa, que numa Copa Davis é muito importante. A torcida, toda aquela coisa que faz uma diferença, principalmente quando o jogo começa a ficar mais longo, mais emocional. Enfim… Vai ser bem interessante. É um confronto interessante para o Brasil se remontar como equipe. Podemos mostrar a força da equipe e isso envolve o treinamento, o trabalho, as coisas internas, como cada um pode contribuir de alguma forma para o outro e entender que não adianta só cada um fazer o seu melhor. A gente precisa estar com todo mundo perto do seu melhor.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.