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Saque e Voleio

Bruno Soares, milionário entre aspas

Alexandre Cossenza

26/02/2014 06h00

Quando terminou sua participação no Australian Open, Bruno Soares ultrapassou a marca de US$ 2 milhões em prêmios conquistados na carreira. Quem acompanha tênis sabe que o esse número, que aparece na página do jogador no site da ATP é enganoso. São poucos tenistas, contudo, que topam falar aberta e extensivamente sobre o assunto. Pois o mineiro, atual número 3 do mundo nas duplas e que estreia no Brasil Open nesta quarta-feira, passou um bom tempo conversando comigo sobre dinheiro.

Quanto se paga de imposto, quanto se gasta, quanto é possível guardar… Bruno contou casos pessoais e riu da época em que passou sufoco para pagar seu apartamento. O mineiro também falou sobre seus gastos, investimentos – alguns nada lucrativos – e sobre o receio de ver sua carreira interrompida repentinamente. Foi um ótimo e longo papo. Leiam!

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Quanto se paga de imposto, em média, nos torneios?
Gira em torno de 25%. Em alguns lugares, mais. Em outros, menos.

Então, desses US$ 2 milhões que você ganhou…
Já tira quinhentos. Já caiu pra um milhão e meio. Muita gente comenta isso, mas a realidade desse dinheiro é muito diferente para cada jogador. Uma coisa é eu, com 20 anos, ter dois milhões em prize money. Isso quer dizer que eu consegui juntar muita coisa. Outra coisa é eu, com 31 anos, ter dois milhões. A gente tem que ver o tanto que eu gastei até começar a sair positivo. Não posso reclamar dos últimos três anos, quando eu consegui juntar uma coisinha. Mas até eu conseguir juntar… Esse é o balanço que cada jogador tem que fazer. Quantos anos ele jogou, quais foram os anos bons, o que ele conseguiu capitalizar em cada ano, aí você tem uma ideia boa de quanto ele conseguiu juntar na carreira.

Qual foi seu primeiro ano positivo?
Positivo? (para e pensa) Meu primeiro ano positivo foi 2008. Foi o ano de Roland Garros (Soares chegou às semifinais de duplas). Foi um ano que eu ganhei um bom dinheiro e foi um ano low cost. Foi esse o principal motivo. Até eu me machucar, em 2005, eu investi demais na minha carreira. Naquela época, eu saía bastante negativo. Além de eu não ganhar dinheiro, eu ainda viajava com preparador físico e treinador full time em quase todas as semanas, morava fora de Belo Horizonte, então eu tinha muito gasto.

E como você se sustentava? A família bancava?
Família ajudou muito. Na época de juvenil, fui bancado principalmente pelo Minas Tênis Clube. Na época de profissional, meu pai tinha condição. Eu consegui alguns pequenos contratos porque fui um bom juvenil e tudo, o que me ajudou. O que eu ganhava era investimento para a minha carreira. Muita sorte de eu ter pais com condição de me apoiar.

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Você tem ideia de quanto gastava por ano?
Nos meus primeiros anos de profissional, o gasto era muito porque eu viajei de 2001 até 2004 com treinador full time. Na época do Fernandão (Fernando Roese) era mais fácil porque dividia. Isso é ideal para quem está começando. Eu dividia a maior parte do tempo. Mas nessa época, ao mesmo tempo, eu tinha o custo de morar em Porto Alegre, que eu assumia. Depois acabei ficando três anos com o Rodrigo Laender, o que facilitou na parte de morar em Belo Horizonte, mas piorava porque eu viajava com ele sozinho. É difícil, tem que parar para fazer uma conta. Trinta semanas, são mais ou menos seis ou sete viagens internacionais de ida e volta, trechos internos aqui e ali, salário do treinador, despesas de alimentação… Cara, vou falar que um ano full time de um bom jogador custa mais ou menos US$ 75 mil a US$ 100 mil. Isso naquela época, entrando no circuito e jogando Future. E vou tirar aí porcentagem, porque todos treinadores trabalham com porcentagem. Isso é completamente variável, dependendo do jogador. E se você tiver um treinador como o Brad Gilbert, com certeza você vai gastar um pouquinho a mais (risos) do que US$ 100 mil.

Hoje, sua realidade é outra. As viagens são diferentes, imagino que com trechos mais longos…
(interrompendo) As viagens até que são parecidas. O que acontece? Eu fiquei à base do low cost por muito tempo. Quando voltei (em 2007), não queria pedir mais ajuda dos meus pais, então usei o que eu tinha. Eu tinha trabalhado uma época, juntado dinheiro, então investi essa grana minha para voltar.

Esse era o dinheiro de pôquer e da academia (Bruno teve uma franquia da rede Curves por algum tempo)?
Da academia, muito mais. De pôquer, um pouco. Na academia, tive dois bons anos. Na metade de 2007 e 2008, fiquei bem low cost. Em 2008, foi a grande mudança na minha vida porque a gente fez a equipe Centauro. Eu tive a felicidade de entrar. Eu, Marcelo (Melo) e André (Sá), com o Daniel (Melo) de coach, então a Centauro me dava uma grana. Era baseado no ranking, um contrato muito legal de bônus. Isso já me deu um alívio para esquecer despesas e pensar no tênis. De lá para cá, foi quando… A Centauro nos apoiou por três anos. Hoje, eu tenho BMG, Correios, Asics, Estácio… (para e repete) BMG, MRV, Asics, Correios e Estácio…

(interrompendo) Se está ficando difícil para lembrar, é bom! (risos)
É, exatamente. É porque eu sempre falo (os nomes) na mesma ordem. E aí eu consegui ter a tranquilidade pra apenas jogar tênis e juntar o que eu ganhava.

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Você sabe quanto gastou ano passado?
Não sei, não sei. Eu nunca, na verdade, fui de ficar anotando. Sempre sei, no final, o que sobrou. Esse ano deu X positivo, X negativo, zero a zero… É mais pela minha conta, que eu controlo, que eu pago minhas despesas. Ali tem aquele dinheiro que era para o ano. Se no fim, tem um pouquinho a mais… Mas não muda muito, não.

Vamos supor que você tivesse uma camisa limpa, sem patrocinadores. O lucro não seria….
(interrompendo) Se eu tivesse uma camisa limpa, sem nenhum patrocínio, sem apoio da Confederação (CBT), que ajuda bastante, olha… Para você ter ideia, eu e Alex (Peya) trabalhamos com o (técnico) Scotty (Davidoff), que vai para todos Masters 1.000, todos Grand Slams e mais alguns torneios. Apesar de a gente dividir o custo com outros jogadores, vai gasto. Tem o salário dele, tem tudo. As viagens são sempre internacionais.

Você já viaja sempre de executiva?
Não. É raro eu pagar. Tem algumas viagens… Por exemplo, para a Austrália este ano eu fui de executiva porque eu fui jogar Doha e eu ia viajar muito. Esse é um investimento que, para o corpo, faz muita diferença no longo prazo. Vale a pena. Mas eu me armei muito bem. Eu viajo sempre pela mesma empresa, pela mesma aliança, então consigo viajar muito de executiva porque eu tenho o esquema da American (Airlines), uso milha, procuro pegar as passagens que eu consiga, no longo prazo, ir de executiva. Mas a vida inteira que eu banquei foi de econômica. A diferença é muito grande. Se não tivesse nada na camiseta, a conta seria outra.

Mas ainda ficaria no positivo…
Ficava, ficava. Nos últimos quatro anos, ficava, com certeza. Conseguiria juntar. Ano passado foi um ano excepcional. Acho que o mais importante… Eu tenho muita noção do que no dia que eu parar de jogar, não é que eu vou diminuir o que eu ganho mensalmente. Eu vou para zero! Vou ter que começar alguma coisa de novo, então sou muito ciente do lance de investir, juntar muito bem o dinheirinho que eu sei que foi suado para começar a ganhar.

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Muita gente acha que tenista é milionário?
A realidade é muito diferente. As pessoas falam "Nadal faturou 60 milhões." Beleza. Nadal ganha dinheiro para cacete, todo mundo sabe. O Federer também, o Djokovic também. Mas a realidade da turma de baixo é muito diferente. Tem muita gente que fala "pô, fulano de tal tem três milhões de prize money." Beleza, mas o cara jogou 15 anos, viajando full time com coach e, se bobear, ele está negativo. São 20% de imposto na fonte, disso aí ninguém foge, a não ser que você jogue o ano inteiro em Dubai. É legal o pessoal ter essa consciência, até para as empresas que estão investindo, do tanto que é caro ser um jogador de tênis. E vale lembrar que eu tive a felicidade de ter o Minas Tênis Clube, mas tem muita gente que começa aos 14 anos se bancando, treina em academia particular. Na época do juvenil, eu não pagava treinamento, viagem, nada. Tem gente que entra no profissional com saldo de menos trezentos mil porque está se bancando.

E isso é a grande maioria do circuito…
Você pega os argentinos, os caras que jogavam na minha época (de juvenil)… o (Carlos, número 50 do mundo) Berlocq é um. Hoje, ganha dinheiro. Mas ele ia para a Europa e ficava oito meses sem voltar para casa. Alugava uma casinha na Itália e ficava, meu amigo. Low cost! Esses caras têm um valor f… Hoje, está 40 do mundo, as pessoas falam que ganha dinheiro, mas ninguém lembra que ele saía da Argentina em fevereiro e voltava em novembro! Não via família, não via mulher, não via ninguém. Estava lá na raça. Ia para um país que tinha muito torneio, passava o ano inteiro jogando ali pertinho. Para isso aí, sim, você tem que tirar o chapéu. Ele fez isso três, quatro anos da vida dele. Agora merece ganhar seu dinheiro e merece juntar. Quando acabar, acabou-acabou. Não tem aposentadoria do governo. Tem que se virar e começar outra coisa.

A fama de mineiro se aplica? Você guarda bastante?
Vale um pouco. Falam que mineiro é difícil de soltar verba. Não é que eu sou difícil de soltar. Acho que eu solto a verba para as coisas que eu acho que valem a pena. Uma viagem com a minha esposa de férias, um bom jantar, um bom restaurante… Esse tipo de coisa vale. Minha mãe sempre disse: "Nunca economize com comida. É o seu combustível." Obviamente, a gente não precisa ir no Fasano, mas não vamos comer cheeseburger no McDonald's para jogar no outro dia. Isso é uma coisa importante. Eu sou um cara organizado. É a melhor maneira de definir.

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Você investe em quê?
Em tudo.

Imóvel, ação, tudo mesmo?
Imóvel, ação e renda fixa. São os principais.

Não perde nada?
Perco. Perdi. Pô, nos últimos dois anos, tomei uma manta em ação! Igual a todo mundo, eu acho. Mas eu invisto muito mais em fundos de ação. A maioria, no ano passado, foi negativo. Mas compensou… Tem alguma coisa de multimercado, alguma coisa de renda fixa. Vou controlando. Tenho consciência que ação tem mais risco e faz parte perder ou ganhar.

Você tem conta fora do país?
Tenho porque sou obrigado a ter. A gente recebe nosso dinheiro lá fora, então tem que ter uma conta internacional para receber seu prize money.

Pode receber em cash, se quiser?
Não. Você pode receber em cheque. Chega na sua casa, mas aí você vai tomar uma manta desgraçada para trocar no Brasil. A ATP tem parceria com o Merril Lynch e o BNP Paribas. A grande maioria dos jogadores tem contas nesses bancos. Os europeus têm contas nos seus próprios bancos porque é normal para eles esse tipo de transação. No Brasil, não é normal. Eles não conseguem depositar numa conta no Brasil. Tem que ter uma conta lá fora.

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E mudou muito seu estilo de vida desde 2008?
Mudei de carro e tal, mas acho que essa é a única coisa, o único gasto que eu tenho. Eu sei que minha carreira pode acabar amanhã! Eu quero jogar até 2020, mas ela pode acabar amanhã. Eu tenho plena consciência disso.

Você falou isso muito no automático. Isso está muito bem…
(interrompendo) Isso está nítido. Já aconteceu uma vez. Eu sei que pode acontecer. Hoje, acredito que se eu ficar dois anos parado de novo, não sei se tenho forças para voltar. Naquela época, eu tinha 23 anos. Hoje, estou com quase 32. Justamente por isso que não faço extravagâncias e nem vou fazer. Eu sei o tanto que foi difícil juntar esse dinheiro.

E mora no mesmo apartamento?
Moro. É uma história engraçada porque (na época da academia) eu queria comprar um apartamento, já estava pensando em casar com a Bruna (atual esposa), aí fiz as contas e entrei em um grupo de investimento. Falei "vai ser o maior negoção porque vai render bastante e é uma coisa que eu consigo pagar." Aí eu fiz as contas, só que tinha uns seis meses que a academia estava dando a mesma coisa. Botei tudo no papel, bonitinho, e falei "só preciso a academia ficar assim pelos próximos três anos e tá beleza." Era o tempo que construía o prédio. Cara, deu um ano e a academia despencou. Não tinha mais nada, aí voltei a jogar tênis. Falei "f…" O que eu tinha precisava botar no tênis. "Vou ter que vender a parada." Foi na época de 2008, só que, sorte minha, já fiz aquela semi de Roland Garros, consegui botar um caixa, aí dei aquela segurada e fui pagando, pagando… Mas foi engraçado. Eu entrei no meu apartamento em julho de 2010. Do dia que eu fechei o negócio, que foi final de 2006, eu passei esses quatro anos sem nenhum real na minha conta. Tudo que entrava era para o apartamento. Lembro que nós entramos, eu sentei com a Bruna e falei "eu preciso de uma reserva." Mas foi legal, foi a maior emoção, a realização de um sonho. É impressionante.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.