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Saque e Voleio

Por dentro da pré-temporada em BH - Dia 1

Alexandre Cossenza

16/12/2013 07h00

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São 9h50min da manhã de uma segunda-feira em Belo Horizonte, e uma figura de 2,03m, vestindo um casaco preto da Centauro e calçando um par de tênis ainda desamarrados, abre o portão do Studio Chris Personal. O carro ficou estacionado em frente ao portão da garagem, o que não é problema, já que o "Chris" no letreiro é Chriszogno Bastos, seu preparador físico e dono do espaço. É o começo de um dia cheio na pré-temporada de Marcelo Melo, e eu estava lá em Belo Horizonte para acompanhar o atual duplista número 6 do mundo.

Quando se está na capital mineira para cobrir tênis, é complicado falar de um nome só. Bruno Soares chega pouco depois, às 10h. Ele também tem Chris como preparador físico. Os dois trabalham juntos há 11 anos. Marcelo juntou-se a Chris depois, quatro anos atrás. Talvez por isso o Girafa sempre brinque, dizendo-se vítima de um complô dos outros dois. "É o maior puxa-saco do Bruno!"

As atividades começam no horário previsto. Os dois se pesam. Marcelo, que terminou o ATP Finals com 89kg, está com 94kg agora. Bruno, por sua vez, está com 75kg. São dois objetivos distintos. Enquanto um vem ganhando massa muscular, o outro tenta manter o peso em uma época de muitas viagens e compromissos com patrocinadores. Bruno diz que tem tendência a engordar e que tem sido difícil manter a alimentação. De quinta a domingo, o vice-campeão do US Open passou por Maranhão, Paraná, Rio Grande do Sul e chegou a Minas na noite de domingo. Na prática, sua pré-temporada começa hoje.

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O treino começa com os dois se alternando em esteira, bicicleta. Marcelo faz careta levantando 45kg no supino. Quando levanta, pede Coldplay no som da academia. "Coldplay é muito bom", emenda Bruno. O pedido é atendido, e o clima é descontraído – como quase sempre é com os dois. Os assuntos entre os exercícios variam de ingressos para a Copa do Mundo da FIFA (não consigo mais escrever "Copa" abreviando) até a confusão no jogo entre Vasco e Joinville. Bruno brinca comigo sobre o rebaixamento do Gigante da Colina. "Sou Mengão", digo. Mas é um engano comum. Minha admiração pelo Vascão confunde as pessoas.

A academia está quase vazia. Só nós quatro falamos. Marcelo levanta de um aparelho empolgado: "Vou chegar um touro na Austrália!" O ambiente leve até engana. As brincadeiras são só nos intervalos entre as séries. Chris, atento, intervém quando necessário. "Tem muito peso aí!", alerta. Marcelo olha e reduz a carga. Nos intervalos, o número 6 do mundo dá uma mordida numa barra de proteína. Marcelo me indica um restaurante de comida mineira. Bruno e Chris dizem que o lugar fechou "há uns dez anos". E volta à tona a história do complô. "Tudo que o Bruno diz está certo." O preparador cobra outra vez: "Vai, Marcelo! Tá passando mais de dois minutos". E assim as atividades vão até as 11h20min, quando os dois voltam para suas casas.

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A parte da tarde é em quadra, no condomínio de Ernane, irmão mais velho de Marcelo, que me fala sobre a escassez de quadras duras em Belo Horizonte. Tudo tem relação com a exploração imobiliária e o crescimento da cidade. "No espaço de duas quadras, já dá para subir um prédio", ele diz. E é preciso treinar no piso sintético porque é nele que começa a temporada. Por causa de seu parceiro, Ivan Dodig, Marcelo começará o ano em Doha. Bruno também estará lá. E a chuva que caiu de manhã faz o treino ser em uma quadra coberta.

Entro no condomínio junto com Marcelo e não consigo disfarçar um sorriso ao ouvir o porteiro confirmar a identidade do tenista. "Marcelo do quê?" É normal no país do futebol, mas é um dos melhores do mundo que está do meu lado. Ele nem liga. Já acostumou, imagino. Mas essa é a sensação que tenho nas conversas com o top 10. Parece uma mistura de humildade/simplicidade natural com um quê de ainda-não-me-acostumei-com-o-fato-de-ser-um-dos-melhores-do-mundo.

Às 14h55min, começa o aquecimento. Cinco minutos depois, o bate-bola. E aqui entra uma curiosidade que poucos conhecem ou reparam. Marcelo bate na bola sempre com o mesmo lado da corda, seja de forehand ou de backhand. Ninguém ensinou. Ele mesmo só reparou quando percebeu, num belo dia, que a tinta das cordas só desgastava em uma face (veja no trecho em câmera lenta do vídeo abaixo).

São só Marcelo e seu irmão, Daniel Melo, na quadra silenciosa. Os drills começam leves. Daniel solta uma bola, Marcelo rebate. Primeiro, paralelas. Depois, cruzadas de forehand. O treinador troca de lado, e agora o top 10 precisa entrar na bola e atacar. De repente, com a bola no meio da trajetória, Daniel força o improviso: "Cruza!" Em seguida, são "meia dúzia de cruzadinhas", que de diminutivo não têm nada. Marcelo ataca buscando o ângulo e erra só uma bola. "Acelerar um pouco mais", pede Daniel. E irmão bate mais seis, com mais força e mais ângulo ainda, e acerta cinco. E os drills vão ficando mais intensos, com sequências de voleios seguidos de smashes. O único empecilho é o teto baixo, que desvia alguns lobs lançados pelo irmão mais velho.

Bruno chega às 15h35min, e Marcelo continua em quadra. No intervalo, vê a raquete do amigo: "Pesada, hein?" Bruno responde, dizendo o peso, em gramas: "Três, três, dois. E a sua?" "Trezentos". Marcelo volta para o fundo de quadra, enquanto o número 3 do mundo coloca grip um grip branco na raquete, que tem a mesma cor na pintura. "Ficou muito branca".

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São 16h cravadas quando Bruno entra em quadra. É seu primeiro dia de fato de pré-temporada. Os dois batem do fundo de quadra, e Daniel entra do lado de Bruno. Marcelo tem que trocar a direção da bola e ser agressivo. Uma cruzada na direção do amigo, uma paralela em cima do irmão. Quinze minutos depois, o número 6 do mundo termina o drill ofegante. Os três erraram muito pouco no período. Bruno terminou a última troca de bolas batendo muito forte. "Essa corda é boa, cara!", diz, empolgado com a 4G, produzida pela Luxilon. "É a evolução da Big Banger Alu Power, que já era famosa na época do Guga", explica.

Às 16h35min, Bruno sente a falta de ritmo. Pergunta a hora e, em seguida, diz que até aguentou bastante. Foram 35 minutos intensos. Marcelo, então, começa a treinar saque, mas falta luz na quadra. Daniel sai para tentar descobrir o que aconteceu, mas os dois continuam sacando como se fosse de dia. Às 17h, acaba o treino. É hora de voltar para a academia.

Antes, acompanho Marcelo em um lanche. Ele pede um açaí com banana e conversamos sobre assuntos amenos. Como eu, ele adora carros e vê Top Gear (o britânico, claro). Deu muito assunto. Chega a ser curioso que Marcelo dirija um carro bem discreto. Seria compreensível ver alguém esbanjar em um importado luxuoso depois de um ano de tanto sucesso. Não é o caso. A preocupação de Marcelo é não chamar atenção. Chamar atenção é a última de suas intenções.

Chegamos juntos à academia, e Bruno já está lá. Marcelo explica que a parte física é sempre duas vezes por dia. A ênfase na parte da tarde é nos exercícios funcionais. Chris explica que Marcelo trabalha mais com pesos de manhã porque está trabalhando a hipertrofia (o aumento de massa muscular) e tem mais força naquele período, com o corpo descansado. À tarde, faz o funcional logo que sai da quadra. Os exercícios são complicados, mas Marcelo mostra disposição. Entre uma série e outra, uma mordida em uma barra de Whey e um gole de energético.

O trabalho vai até as 19h. Bruno já tinha ido embora quando Marcelo encerra os exercícios e grava uma entrevista comigo. Começamos com a parte séria, falando de pré-temporada, mas o fim do papo é descontraído. Ele diz quem são os tenistas mais encrenqueiros, chatos, vaidosos, bonitos, feios… O longo dia acaba de forma descontraída. Nem sobra tempo para descobrir se o restaurante indicado por ele ainda existia. O mistério só seria desvendado no dia seguinte.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.