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Tênis exclui 'live score': boa intenção, mas risco enorme de fiasco

Alexandre Cossenza

18/12/2019 04h00

A Federação Internacional de Tênis (ITF, na sigla em inglês) e a Unidade de Integridade do Tênis (TIU) anunciaram, nesta terça-feira, uma grande medida para combater a corrupção no esporte: os torneios com premiação de US$ 15 mil, os menores e mais numerosos do circuito, não terão mais placar em "tempo-real", o popular live score.

A decisão vai afetar mais de 1000 torneios disputados em mais de 500 lugares, em 80 países do calendário. Foi uma das recomendações do Relatório Final do Painel de Revisão Independente que teve a missão de analisar o cenário da modalidade e o problema de corrupção no tênis.

Formulado após entrevistas com jogadores, representantes de federações, organizadores de torneios, árbitros, funcionários da TIU, casas de apostas, agências reguladoras de apostas e empresas que coletam e vendem dados a casas de apostas (Sportradar, IMG e Perform), o relatório foi publicado em 19 de dezembro de 2018 – leia aqui.

Especificamente sobre o live score, o relatório diz que os contratos de venda de dados permitiram que houvesse a possibilidade de apostas em mais partidas, inclusive "partidas disputadas em níveis que não podem ser descritas como profissionais, e nas quais o risco de quebra de integridade por jogadores, oficiais e outros é maior." O relatório não especifica, mas está abordando os torneios de US$ 15 mil.

Logo, a lógica do relatório é a seguinte: menos live score significa menos oportunidades para quebra de integridade e manipulação de resultados. E o Painel usa como argumento o aumento no número de alertas de apostas que houve após o contrato de venda de live score assinado pela ITF. Mas por que justamente os torneios de US$ 15 mil? Porque o Painel classifica esse tipo de evento como "o nível em que os jogadores estão entre os mais tentados a quebrar a integridade devido aos desafios da estrutura de incentivo ao jogador." Traduzindo para uma linguagem do mundo real: é onde existe o maior desequilíbrio financeiro entre ganhos dentro de quadra e o minúsculo prêmio em dinheiro oferecido pelos torneios.

Vai funcionar?

A essa altura, a própria ITF deve saber que está longe de ser uma medida definitiva e que, além de tudo, traz prejuízos para o esporte. O mais evidente deles é que dificulta para a vida do fã de tênis (e de jornalistas), que não poderá mais acompanhar atletas em tempo-real. O argumento contrário a isso é o de que tenistas que jogam esse tipo de torneios não têm fãs. Porém, se as autoridades pensam assim, o processo já começa errado. A entidade responsável não pode tratar torneios de US$ 15 mil como eventos amadores.

Ainda sobre a eficiência, a ITF está certa de que, ao terminar com o live score oficial (e "oficial" é a palavra-chave – já chegaremos lá), diminuirão as oportunidades para apostadores e, consequentemente, para que haja manipulação de resultados. Como já escrevi acima: menos live score, menos apostas, menos tentações.

Outro resultado que se quer atingir com isso é a diminuição dos chamados courtsiders, cidadãos que entram nos torneios e enviam atualizações de placar mais rápidas do que o live score oficial. Esse tipo de "emprego" existe porque existe um atraso de 30 segundos entre o momento em que o árbitro registra o ponto e o instante em que o placar é atualizado no live score oficial. E é esse live score que serve de base para casas de apostas do mundo todo. Logo, se um courtsider envia o placar mais rápido, grupos de apostadores podem tirar vantagem nas casas de apostas virtuais. E a ITF aposta – perdão pelo trocadilho – no fim (ou na diminuição radical) dos courtsiders porque haverá muito menos torneios com live score oficial.

Para que isso tudo dê certo, contudo, existe uma grande condicional – reconhecida, inclusive, no relatório do Painel: "a descontinuação do fornecimento de dados oficiais alcança esses benefícios se impedir tais mercados de apostas. Ela não alcança, contudo, se marcados de apostas baseados em dados oficiais forem simplesmente substituídos por mercados de apostas paralelos, baseados em dados não-oficiais derivados de transmissões ao vivo, obtidas por scouts vendo partidas ao vivo ou na internet."

A criação desses mercados paralelos, aliás, é uma possibilidade fortemente considerada pelas pessoas consultadas pelo Painel. Há quem diga que o fim do live score oficial vai praticamente forçar as casas de apostas a buscar dados não-oficiais para atender à demanda do público, que vai querer continuar apostando em partidas desse nível. E esses dados não-oficiais podem criar um território sem lei, completamente caótico. Será?

Coisas que eu acho que acho:

– Importante ressaltar: o fim do live score oficial nos torneios de US$ 15 mil é a medida mais relevante do anúncio desta terça. Houve outras ações incluídas num pacotão que prevê US$ 8 milhões em investimentos, segundo a ITF.

– O pacote inclui ainda credenciamento e melhor controle de acesso nos torneios do WTT (US$ 15 mil e US$ 25 mil masculinos e todos não-WTA femininos); gravação de vídeo de segurança; mais segurança para impedir a coleta não oficial de dados; designação de pessoas in loco para proteger a integridade do tênis; e mais canais para que oficiais e atletas possam relatar questões relacionadas à integridade do tênis.

– O anúncio não especifica quando o live score oficial vai terminar definitivamente. A ITF diz apenas que menos partidas estarão disponíveis para os mercados de apostas em 2020 e 2021.

– Obviamente, todas medidas são bem intencionadas, e é preciso acreditar que a ITF pesou os riscos. Ao cortar o live score, afasta parte dos fãs. Ao exigir mais de torneios pequenos (credenciamento, segurança, controle de acesso), encarece a estrutura de eventos que quase sempre operam no limite financeiro. Há um inegável risco de fiasco.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.