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Saque e Voleio

Rafa e Roberto: hercúleos heróis da nova Davis

Alexandre Cossenza

26/11/2019 19h41

Se é verdade que a Espanha tinha a Caja Mágica madrilenha como vantagem na estreia desta Copa Davis em sede única, também é seguro afirmar que o time da casa não tinha lá muitos outros elementos a seu favor. Rafael Nadal, número 1 do país, nunca teve resultados espectaculares em fim de temporada; o piso era sintético, favorável a grandes sacadores; e os jogos, em melhor de três, quase sem margem para erro. Para piorar, o número 2 do país, Roberto Bautista Agut, teve de se ausentar após a fase de grupos por causa da morte de seu pai, e Pablo Carreño Busta e Marcel Garnollers se lesionaram.

Porém, a "nova" Davis resgatou um herói familiar. Rafa Nadal, que atuou nas campanhas vencedoras de 2004, 2008, 2009 e 2011, entrou em quadra como o Rafa de sempre da Davis. Sacando magistralmente (não foi quebrado a semana inteira), e ignorando a pressão do favoritismo e da expectativa da torcida local, anotou triunfos sobre Borna Gojo, Karen Khachanov, Diego Schwartzman, Dan Evans e Denis Shapovalov. Chegou à marca de 29 vitórias em 30 jogos de simples (a única derrota aconteceu em 2004, com 17 anos, em seu primeiro jogo na competição, diante de Jiri Novak, numa quadra indoor de carpete).

Rafa não fugiu da responsabilidade. Colocou o time nos ombros ao entrar para jogar duplas em três confrontos diferentes (Rússia, Argentina e Grã-Bretanha), sempre com o risco de eliminação. Rafa foi espetacular também nas devoluções e nos voleios, encontrando sempre uma maneira de levar seu time adiante. A cereja no bolo foi a atuação impecável contra Shapovalov na final. Entrou em quadra para fechar o confronto e o fez por 2 sets a 0. Pressão? Expectativa? Nervos? Para ele, missão dada é missão cumprida. Oito trabalhos, oito triunfos.

Mas toda boa Davis também tem um herói improvável, aquele que tem a atuação da vida quando o principal nome da equipe não corresponde. Como um jovem Verdasco que precisou substituir David Ferrer para fechar o confronto com a Espanha em Mar del Plata, em 2008. Ou um Radek Stepanek que bateu Nicolás Almagro no quinto jogo da final de 2012. Ou, indo um pouco mais longe, um Fernando Meligeni que derrubou Karol Kucera após a desanimadora derrota de Guga diante de Dominik Hrbaty em 2000.

O personagem deste fim de semana foi Roberto Bautista Agut. Três dias depois da morte do pai, o veterano de 31 anos, #9 do mundo, voltou para socorrer um time que sofreu derrotas com Pablo Carreño Busta e Feliciano López nas quartas e nas semifinais. Chegou no dia da decisão para encarar o jovem Félix Auger-Aliassime e atuou como em seus melhores dias. Sólido, exigindo mais e mais do oponente, errando menos nos momentos mais importantes. Foi RBA, o herói improvável, não menos herói que o hercúleo companheiro, que abriu o caminho para Nadal fechar o confronto contra o Canadá.

(Muitas) Coisas que eu acho que acho:

– Há muito a discutir sobre o novo formato, que agradou a alguns e desagradou a outros. Não foi um evento ruim. Foi, contudo, algo muito diferente do que a Copa Davis sempre – em 119 anos! – foi. Como comentei no podcast Quadra 18, este evento com sede única e 18 países jogando 25 confrontos em melhor de três durante sete dias, parece uma versão fast food da antiga Davis. Talvez seja a diferença entre provar o menu de um restaurante listado no Guia Michelin e experimentar um único prato da mesma casa em um festival gastronômico.

– Minha crítica ao novo formato foi e ainda é justamente esse desvio brusco que se faz da essência do que a Copa Davis sempre foi. Entre tantas coisas, perdem-se a ansiedade e a expectativa que crescem ao longo de um duelo de três dias, a complexidade de roteiros que se desenvolvem ao longo de jogos de cinco sets e, vez por outra, a importância das duplas (como os confrontos começam pelas simples, a partida de duplas pode se tornar desnecessária).

– Dito isso, houve falhas graves que, por sorte, não afetaram mais o elemento esportivo da competição. Ao espremer tantos confrontos (seis partidas por quadra diariamente na fase de grupos), houve confrontos entrando pela madrugada. Seria menos grave num slam, com um dia de folga entra as partidas para os tenistas. Nesta Davis, com todo mundo precisando retornar para a quadra no dia seguinte, complica-se a coisa.

– O confronto Itália x Estados Unidos, por exemplo, terminou além das 4h da manhã. A Espanha jogou além da meia-noite mais de uma vez, e Rafael Nadal jogou simples e duplas em múltiplos confrontos. Das quartas até a final, foram cinco partidas em pouco mais de 48 horas. Fosse um tenista menos preparado fisicamente, estaríamos debatendo o desgaste provocado pelo formato.

– Houve também a complicação provocada pelo formato da fase de grupos, com os países divididos em chaves de três times. Avançavam os campeões de cada um dos seis grupos mais os dois melhores segundos colocados. É um formato que pode colocar times já eliminados em partidas importantes para equipes de outros grupos, o que está muito longe do ideal, esportivamente falando. Além do óbvio absurdo de comparar campanhas de países que jogaram contra adversários diferentes.

– Programação e formato de grupos são questões que a ITF teve tempo de sobra para planejar e, ainda assim, houve falhas. Será necessário sentar, fazer uma longa avaliação e procurar maneiras para evitar que certos cenários problemáticos se repitam. Não são, contudo, questões irreparáveis.

– Meu maior porém com o novo formato é que ele não resolve algumas (a maioria?) das questões citadas pela Federação Internacional de Tênis como justificativas para a mudança. David Haggerty, presidente da ITF, sempre alegou que a Davis precisava de mais relevância mundial e tinha que alcançar um público novo (e mais jovem!), que supostamente tem uma capacidade menor de reter atenção em algo. Se este é um dos pontos essenciais, a solução é mesmo colocar 15 horas de tênis diariamente em uma quadra? E em três quadras ao mesmo tempo? Perde-se muita coisa boa, além de não atacar um dos supostos problemas principais do antigo formato.

– O público foi outro ponto alegado como favorável pelos organizadores, que divulgaram o número de 130 mil espectadores durante a semana. Dividindo isso por 25 confrontos, chegamos a uma média de 5.200 espectadores por duelo. Não me parece um número tão bom assim. Há que se considerar também que a Espanha, dona da casa, foi campeã, o que ajudou um bocado nestes números. Com um resultado diferente dentro de quadra, sabe-se lá que números a organização teria registrado…

– A "nova Davis" também comemorou a "volta dos tops" à competição. Também é um caso de copo meio cheio por parte da organização. Na prática, cinco dos top 10 estiveram ausentes (Federer, Thiem, Medvedev, Tsitsipas e Zverev). Em 2018, somando Grupo Mundial e Playoffs, a Davis também teve cinco top 10 em quadra (Nadal, Zverev, Cilic, Thiem e Isner).

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.