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Bianca Andreescu: o tênis total

Alexandre Cossenza

08/09/2019 04h00

Na campanha até o título do US Open, Bianca Andreescu, 19 anos, encarou rivais com estilos diferentes em momentos diferentes. Na terceira rodada, bateu a experiente e consistente Caroline Wozniacki. Nas oitavas, precisou frear o jogo de subidas à rede da americana Taylor Townsend. Nas quartas, a eficiência de Elise Mertens. Na semi, a inteligência de Belinda Bencic. Até que teve Serena Williams pela frente na decisão. Mais do que duas semanas quase perfeitas, Andreescu fez o que poucas tenistas mais maduras têm potencial para conseguir: vencer de maneiras diferentes.

O melhor exemplo talvez tenha sido o triunfo contra Mertens, que começou a partida jogando melhor e vencendo o primeiro set por 6/3. A canadense percebeu que era preciso mudar o jogo e, para isso, mudou seu jeito de jogar. Primeiro, reduziu a velocidade do jogo, usando bolas mais altas e com spin. O combo bola alta+bola reta agressiva tirou Mertens de sua zona de conforto. Quando conseguiu isso, Andreescu abriu a caixa de ferramentas e começou a distribuir: teve slice, teve curtinha, teve lob vencedor. Game, set, match, Andreescu: 3/6, 6/2, 6/3.

Havia, claro, um teste maior para o tênis total de Andreescu. Encarar, no mesmo dia, uma Serena Williams que vinha jogando seu melhor tênis dos últimos dois anos e um público barulhento e que muitas vezes frequenta a fronteira da hostilidade no estádio Arthur Ashe, a maior arena já erguida no planeta para se jogar tênis. Os desafios eram técnicos e mentais e, um por um, a canadense foi superando os obstáculos.

Neste sábado, na final do US Open, apenas sua quarta vez na chave principal de um slam, diante da adversária que já era campeã de slam (US Open/1999) quando Andreescu nasceu, a canadense venceu várias pequenas batalhas. Primeiro, com sua devolução agressiva, que pressionou o poderoso serviço de Serena Williams desde o primeiro game – aquele de duas duplas faltas que já deram uma vantagem à desafiante.

Andreescu também venceu o mini-duelo com seu saque. Com 84% de aproveitamento de primeiro serviço no set inicial, limitou a capacidade da rival de tomar a dianteira dos ralis. Serena precisava forçar para desequilibrar a adolescente e, com isso, cometia mais erros.

Mentalmente, o desafio foi ainda maior. Andreescu já deu uma resposta positiva no primeiro set, quando perdeu cinco break points no sétimo game e, logo em seguida, precisou sacar em 30/40. É o tipo de momento que muda a maré de uma partida. Quem salva cinco break points sai cheio de moral e, se consegue quebrar na sequência, abala o rival. A canadense contudo, disparou um ace e confirmou o serviço.

Quando Serena começou mal o segundo set, sem encontrar seu primeiro serviço e mostrando-se frustrada com o resultado, parecia que o troféu já tinha dono. Andreescu teve 5/1 e sacou com match point, mas foi aí que Serena voltou como um tsunami, carregando o público e fazendo estrago. Salvou o match point com um winner de devolução e confirmou o saque rapidinho em seguida. A jovem sentiu o momento. Jogou um péssimo nono gamem foi quebrada de zero e viu a veterana empatar a parcial em 5/5, com um requinte de perversidade para a desafiante: Com 4/5 e 30/30 no placar, Andreescu errou duas devoluções de segundo saque. Pontos grátis em um momento mais do que delicado para a ex-número 1 do mundo.

No entanto, quando parecia que a carruagem da nova Cinderela do tênis – uma jovem que era #208 do mundo e perdeu na primeira rodada do qualifying do US Open um anos atrás – viraria abóbora, novo plot twist, com mais uma demonstração do tênis total de Andreescu. Com força mental para lidar com a reação furiosa de Serena e os decibéis aeronáuticos da torcida, confirmou o saque para abrir 6/5. No game seguinte, um winner de devolução e erros de Serena deram à canadense mais dois match points.

Um ace salvou o primeiro, mas e o segundo? Lembram das duas devoluções erradas no 30/30 dois games antes? A canadense teve a coragem de arriscar mais uma vez. Encheu a mão no forehand e… game, set, match, Andreescu.

Coisas que eu acho que acho:

– Andreescu demorou a "surgir" na elite porque já teve uma série de lesões. Sofreu com adutor, tornozelo e até uma fratura por estresse no pé direito em 2016. No ano passado, teve uma lesão nas costas e ficou fora do circuito por um tempo. Este ano, depois de ótimas campanhas em Auckland (vice) e Indian Wells (campeã), teve problemas no ombro direito e, de março a agosto, só tentou competir em Roland Garros (abandonou após vencer a estreia). Voltou e foi campeã em Toronto e Nova York. O que será que ela é capaz de fazer se disputar uma temporada completa?

– Personalidade, um pacote completo de golpes e a capacidade de jogar em altíssimo nível diante de circunstâncias tão adversas. De quantas tenistas no cenário atual da WTA podemos falar isso tudo?

– Com a resposta mais canadense possível, Bianca Andreescu ressaltou como teve que superar a torcida e pediu desculpas ao público americano por isso. Os compatriotas adoraram o momento.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.