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Saque e Voleio

João Menezes: atuações e vaga em Tóquio valem mais que ouro do Pan

Alexandre Cossenza

05/08/2019 04h00

Que ninguém se engane: João Menezes fez uma belíssima campanha Nos Jogos Pan-Americanos de Lima. Passou por um chatíssimo Francisco Cerúndolo em três sets; bateu Nicolás Jarry, #55 do mundo, em dois; superou o mais experiente Facundo Bagnis, ex-top 60 e atual #156; e fez uma grande final contra o chileno Marcelo Tomás Barrios Vera, #286. Ganhou um jogo brigado, com duas torcidas gritando o tempo todo, e com o peso de representar um pais inteiro nas costas. Fez 7/5, 3/6 e 6/4 em 2h20min e ganhou, além da medalha a atenção de uma nação. Está de parabéns.

O ouro é bacana por ser consequência disso, mas acaba sendo mais importante pra quem precisa prestar contas do dinheiro recebido do Comitê Olímpico. Para quem gosta – mesmo – de tênis e admira atletas do país, o mais legal foi ver seguidas demonstrações da evolução de João Menezes, que entrou no Pan como #212 do mundo. Um mineiro de 22 anos que nunca foi o queridinho de entidade nenhuma e trilhou a maior parte de seu caminho por conta própria, brigando contra seus próprios demônios. Não por acaso, diz hoje que "nunca fui o mais badalado, nunca fui o melhor juvenil, mas talvez eu tenha sido o que mais batalhou e persistiu" e acredita que pode ser top 20.

Os triunfos sobre Jarry e Bagnis já falaram bastante. Jarry é um tenista campeão de ATP, acostumado a jogar em um nível mais alto. Estava, é preciso dizer, em um dia ruim. Cometeu 52 erros não forcados em dois sets. Só que Menezes teve seus méritos. Soube entender o que acontecia na quadra e apostou em errar menos. Não só fez isso como brilhou quando se viu pressionado, salvando break points com ótimos saques no segundo set. Fez 7/5 e 6/4 e deu um passo importante em Lima.

Contra Bagnis, outro oponente com mais tempo de carreira, saiu atrás no placar e não se desesperou. Com a pressão da vaga olímpica em jogo, virou a partida e, embora tenha sido quebrado quando sacava para o jogo, manteve a calma para voltar a pressionar o argentino e fechar com mais uma quebra no décimo game. Saiu com a vaga olímpica (ou quase isso) por 4/6, 6/2 e 6/4.

Na final, mais do mesmo. De um ótimo "mesmo". Salvou set points – um deles, com um voleio espetacular – para vencer a primeira parcial e nunca se desesperou nos bons momentos de Barrios Vera. No terceiro set, quando o chileno abriu 2/0 e, cheio de moral, ameaçou disparar no placar, devolveu a quebra no terceiro game. Pouco depois, salvou break point no sexto game. Foi mais sólido e melhor nos pontos grandes. Coisa para poucos.

É claro que a medalha vai ter lugar especial em casa, mas no âmbito de uma promissora carreira de tênis, quem sabe, daqui a dez anos essa campanha em Lima será mais lembrada como ponto de arrancada rumo a algo muito maior do que uma "apenas" uma medalha. Porque Menezes mostrou que pode mais do que seu ranking atual. E, obviamente, a participação em Tóquio 2020, quase garantida, já é algo muito maior.

Vitória pelo time, mérito individual

Menezes nunca recebeu a atenção ou teve à disposição os atalhos que seu contemporâneo mais ilustre, Orlando Luz, teve. Enquanto o gaúcho, número 1 do mundo e campeão de duplas de Wimbledon como juvenil, teve todo apoio da Confederação Brasileira de Tênis e recebeu vários convites para chaves principais de torneios pelo país, Menezes quase parou de jogar. Decidiu ir por conta própria treinar na Espanha. Lá, sob a supervisão do ex-tenista Galo Blanco, evoluiu. Lá, entrou no top 300, embora tenha terminado 2018 na 398ª posição do ranking mundial.

Menezes, é bom que se diga, nunca reclamou. Nunca chorou pelos wild cards que não recebeu, não culpou o ranking da ITF por sua falta de resultados nem se disse pressionado para justificar coisa alguma. Pelo contrário. Em entrevista ao Break Point no ano passado, quando competia com apoio financeiro apenas dos pais, disse: "Agora depende mais de mim do que de apoio, sabe? Porque caso eu entre no top 200, as coisas começam a virar." Em vez de culpar a pressão, a ATP ou o cachorro do vizinho, matou no peito e assumiu a responsabilidade. Os resultados de 2019 não vieram por acaso.

Menezes, aliás, vem provando que é possível ter sucesso ao fazer o "caminho inverso". Sentindo-se sozinho e triste na Espanha, voltou para o Brasil no fim do ano. Retomou o trabalho na academia ADK, em Itajaí, supervisionado por Patricio Arnold, e segue crescendo "em casa". Este ano, encaixou uma bela sequência em Challengers e saltou para o atual 212º lugar. E mais: chegou ao saibro de Lima vindo de três torneios seguidos em quadra dura e pouquíssimo tempo de adaptação à terra batida.

Coisas que eu acho que acho:

– Embora um ouro em um Pan, com transmissão de TV e hino no pódio, tenha um efeito emocional e deixe muita gente otimista, é preciso colocar as coisas dentro de seu devido contexto. Menezes, 22 anos e #212 do mundo, ainda tem muito a evoluir. Que ele tenha mostrado solidez, cabeça no lugar e garra em Lima é maravilhoso. São ótimas qualidades em um tenista. Que ele acredite ser possível chegar ao top 20, melhor ainda. Mostra autoconfiança. Mas que ninguém se engane: Menezes não vai acordar amanhã com tênis para derrotar Djokovic no US Open.

– Em alguns momentos da final, o mineiro teve seu saque atacado por um rival que é o #286 do mundo. Esperança e sinais positivos, sim. Claro que sim. Garantia de briga no topo do ranking, ainda não.

– E já que o post é sobre alguém que ralou um bocado por conta própria, é preciso registrar o bronze de Carol Meligeni e Luisa Stefani. Medalha que também vem muito mais como resultado de um trabalho por conta própria. Como o próprio tio Fernando deixou claro em sua conta no Instagram (leiam abaixo): "Quem conhece tua história sabe quantas pessoas duvidaram, te aconselharam a parar ou voltar a estudar. Quantas vezes você me ligou dizendo, todo mundo tem patrocínio, apoio e eu nessa pindaíba? Lembro de uma conversa em janeiro deste ano, você dizendo que tinha que mudar, que não eram justos com você. Minha resposta? Trabalha, acredita." Pois Carol trabalhou e acreditou.

– Sobre a vaga olímpica: para confirmá-la, Menezes precisa estar entre os 300 primeiros do ranking no dia 8 de junho de 2020. Se isso acontecer, o mineiro só ficará fora no caso do pequeno milagre que seria se o Brasil tivesse quatro simplistas classificados para Tóquio pelo ranking.

– Pelo critério da CBT, os dois tenistas mais bem ranqueados do país teriam direito a jogar o Pan. Thiago Monteiro e Rogerinho poderiam ter ido a Lima, mas disseram não ao evento. Atual #106 do ranking, o cearense terá até junho do ano que vem para conquistar sua vaga por ranking. Pode ser uma tarefa bem mais complicada do que via Pan. Por ranking, Monteiro precisará estar perto do 80º posto para se classificar. Ele não ocupa um lugar entre os 80 primeiros do ranking desde abril de 2017.

– No quadro de medalhas do tênis, a Argentina ficou em primeiro, com um ouro, uma prata e um bronze. EUA e Chile, com um ouro e uma prata cada, dividiram o segundo lugar. O Brasil ficou em quarto, com um ouro e um bronze. O que isso significa sobre o tênis no continente? Nada. Enquanto os melhores tenistas – homens e mulheres – seguirem fora do evento, não vale a pena tirar conclusão alguma com base nos resultados de um Pan-Americano.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.