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Doping: hoje, até melhor cenário parece péssimo para Bia Haddad Maia

Alexandre Cossenza

23/07/2019 18h37

Ainda é cedo e há pouca informação sobre o caso, justamente porque Bia Haddad Maia e seu advogado não deram detalhes sobre o caso de doping que deixou a número 1 do Brasil suspensa provisoriamente. O que se sabe, portanto, é que a amostra colhida durante o WTA de Bol, na Croácia, no dia 4 de junho, testou positivo para duas substâncias proibidas: metabólitos de SARM S-22 e SARM LGD-4033. Ambas são substâncias não-especificadas e proibidas na categoria S1 (agentes anabólicos) da lista da Agência Mundial Antidoping (WADA, na sigla em inglês).

Sabe-se também que a tenista brasileira tem o direito de pedir uma audiência com o líder do Tribunal Independente para se defender e anular a suspensão provisória, mas que até agora Bia Haddad não exerceu esse direito – o que pode ser normal, levando em conta que ela foi notificada no dia 12 de julho e seu advogado pode estar colhendo evidências e planejando uma defesa.

O caso é curioso, a começar pelas substâncias, que não estão entre as mais comuns em casos de antidoping no tênis. SARMs são moduladores seletivos de receptores de androgênio, usados principalmente para ganhar massa muscular. São populares entre bodybuilders e nas academias, mas proibidos no esporte de alto rendimento.

Quatro lutadores de UFC pegaram seis meses de suspensão cada. Outro caso famoso foi o do pivô Joakim Noah, da NBA. Ele pegou 20 jogos de gancho em 2017, quando atuava (ou melhor, "estava sob contrato") pelo New York Knicks. A substância foi a mesma LGD-4033, que apareceu no teste de Bia. Também há casos recentes de punições a powerlifters no Canadá (todos pegaram quatro anos de gancho).

SARMs são substâncias proibidas há mais de uma década, então não há hipótese de Bia argumentar que não sabia ou alegar descuido como fez Sharapova (que ingeria algo que passou a ser proibido em uma virada de ano). Talvez o melhor cenário – ou, pelo menos, mais ameno – para Bia no momento seja o de uma contaminação. Os casos assim, em que farmácias de manipulação deixam cair traços de substâncias proibidas durante a produção de comprimidos, são os que provocam punições mais leves no tênis.

Se a defesa optar por esse caminho – o que, talvez, não caia muito bem com a Eurofarma, um dos muitos patrocinadores da atleta (SantoDigital, Generali, Booking.com, BV, Joma, Head e Solinco são os outros), a paulista ainda terá de lidar com um agravante: a "herança" de Marcelo Demoliner, Thomaz Bellucci e Igor Marcondes.

Os três foram suspensos recentemente por doping. Demo ficou três meses sem jogar; Bellucci pegou cinco meses de suspensão; e Marcondes foi afastado por nove meses. Nesta ordem. Não é coincidência. No caso mais recente, o de Marcondes, flagrado em março de 2018, a Federação Internacional de Tênis (ITF) citou os casos anteriores como agravantes. "[Marcondes] estava ciente desses casos, e eles foram (de qualquer modo) relatados no site da ITF e na imprensa. Portanto, se o Jogador estivesse adotando 'máxima cautela', quando sabia dos outros casos, ele deveria ter tomado precauções para garantir que não sofreria o mesmo destino. Em vez disso, ele tomou os suplementos por seu próprio risco."

E é aí que a defesa de Bia, se alegar contaminação, encontrará dificuldades para reduzir a pena da brasileira. A Corte Arbitral do Esporte (CAS) já declarou que qualquer atleta que tome um suplemento assume o risco de que ele possua substâncias proibidas, e que isso vale tanto para produtos feitos em larga escala, comprados em prateleiras, quanto para suplementos produzidos por farmácias de manipulação.

Portanto, a não ser que Bia e seu advogado tenham uma belíssima carta na mão (o que não parece ser o caso, já que ela foi notificada no dia 12 de julho e não apresentou solicitou audiência para se defender até agora), é difícil imaginar uma punição branda neste momento. Até o historicamente mais favorável dos cenários é bem ruim para a brasileira.

E o pior?

O pior seria uma suspensão de quatro anos, mas não parece provável que a ITF vá considerar isso um caso de atleta que comprovadamente buscou tirar vantagem (não sabemos ainda a dosagem constatada pelo teste, e isso tem peso considerável na decisão).

Entretanto, mesmo uma punição de "apenas" um ano seria arrasadora para Bia. Depois de um bom tempo tentando voltar ao top 100, ela seria excluída do ranking, perderia o prêmio em dinheiro dos torneios disputados (Bol, Ilkley e Wimbledon) e só voltaria em julho do ano que vem, depois de Wimbledon, sem a chance de se classificar para os Jogos Olímpicos de Tóquio.

Coisas que eu acho que acho:

Gostaria de acreditar que são grandes coincidências, mas o número altíssimo de casos de doping no tênis brasileiro nos últimos anos é indício de que há algo seriamente errado no país. Ou temos as farmácias de manipulação com o pior controle de qualidade do mundo ou temos os tenistas mais despreocupados do planeta com doping. Ou ambos.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.