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Novak Djokovic e o pentacampeonato de Wimbledon: um triunfo da frieza

Alexandre Cossenza

14/07/2019 17h52

Quem acompanha tênis já viu Novak Djokovic rasgar camisa, discutir com árbitros e/ou técnicos, provocar a torcida, quebrar raquetes e até destruir um pedaço de um banco de Roland Garros. Nos bons e maus momentos, o número 1 do mundo joga com o coração tanto quanto com a cabeça, e isso fica evidente em cada partida importante, seja num Masters 1000, num ATP Finals, na Copa Davis ou em uma final de Grand Slam.

O Nole que entrou na Quadra Central neste domingo para a memorável final de 4h57min* contra Roger Federer (a mais longa da história das simples masculinas em Wimbledon) muito mais cabeça do que coração. Manteve-se discreto nas comemorações, tímido nas reclamações e contido quando poderia ter perdido a cabeça em uma partida com margens tão pequenas para sequências ruins.

Djokovic sabia o tamanho do desafio que tinha pela frente. Do outro lado da rede, um Roger Federer mais tático, mais maduro, movimentando-se como nunca e vindo de uma atuação gloriosa contra Rafael Nadal. Mas não era só isso. Contra ele estava a torcida de Wimbledon, sempre apaixonada pelo tênis encantador e baryshnikovesco do Maestro. Não havia espaço para inflar o desafio com momentos de instabilidade.

Com o jogo em andamento, ficaram ainda mais claras as dimensões do obstáculo. Federer sacava magistralmente, usava slices para tirar Djokovic da de sua zona de conforto, executava subidas clínicas à rede e confirmava seu serviço sem ceder break points. Sem ameaçar com as devoluções, o número 1 do mundo jogava seus games de serviço sempre sob pressão. Era preciso manter a frieza, fazer seu jogo e esperar vacilos do veterano.

Federer fraquejou no tie-break do primeiro set, e Djokovic saiu na frente. Na comemoração, o punho fechado discreto de quem sabia que ainda havia muito a fazer. Nole perdeu o serviço no início do segundo set. Administrou o momento ruim e poupou desgaste. Aceitou a derrota na parcial e deu um reboot para o no set seguinte. A final virava uma melhor-de-três.

A terceira parcial andava, e nada de Roger ceder uma chance de quebra. Djokovic foi matemático mais uma vez. Confirmou seus saques, salvando o único break point, e forçou outro game de desempate. Novamente, erros de Federer lhe deram a vantagem. Novamente, uma comemoração contida. Provocar o suíço era arriscado. Mexer com a torcida, idem.

Talvez o único momento real de fraqueza mental tenha vindo no quinto set, naquele sétimo game, com 4/2 de vantagem. Faltavam dois games para o título, e Djokovic bobeou. Não o bastante, contudo, para lhe tirar do jogo. A concentração seguiu e lhe salvou quando o suíço sacou com dois match points. Uma devolução funda no primeiro, uma passada no segundo. Uma passada! Com o grande Federer indo à rede para conquistar Wimbledon! E Djokovic, que venceu o ponto, nem festejou. Abaixou a cabeça e se preparou para o ponto seguinte (veja no tweet acima).

A pressão era enorme. Federer sacava melhor, ganhava mais pontos com a devolução, tinha menos problemas nos games de serviço e acumulava winners – terminou com 94, seu recorde pessoal em uma final de slam. Djokovic, quase sempre calado (perdeu a calma por um breve momento na última parcial, sendo punido pelo árbitro), resistia. No fim, a frieza foi recompensada no tie-break do quinto set (um coito interrompido provocado por uma regra burra baseada em exceções e que abreviou uma das partidas mais tensas da década). Bastou uma falha de Federer para o sérvio abrir vantagem. Nole não cedeu nada em seu serviço e viu o rival dar uma madeirada no match point.

Game, set, match, Djokovic. Pentacampeão de Wimbledon, vencedor da final mais longa de simples da história do torneio, dono de 16 títulos de slam. Não teve grito, camisa rasgada ou rolamento na grama. Djokovic andou para a frente, olhou para seu camarote e soltou um discreto sorriso. Cumprimentou o rival, voltou para o meio da quadra e ficou em silêncio, apreciando o momento. Só depois de comer um pedaço de grama – seu ritual de campeão no All England Club – é que deu alguns tímidos tapas no peito.

Triunfo de um Djokovic diferente, atípico, mais contido, mais inteligente e que se portou como a ocasião pedia. Fez o que precisava, do jeito que precisava, para mais uma vez bater Roger Federer – uma versão melhorada de Roger Federer! – na grama da Quadra Central. Neste domingo, a vitória foi da frieza.

"Foi uma coisa que eu prometi a mim mesmo indo para a quadra hoje. 'Eu preciso ficar calmo'. Porque eu sabia que o ambiente seria como foi, Roger estava jogando bem… Eu meio que previ os cenários na minha cabeça, visualizando o que ia acontecer, mas foi provavelmente a partida mais exigente mentalmente que joguei. Tive uma mais exigente fisicamente contra Nadal, na final do Australian Open [de 2012], que durou quase 6h, mas mentalmente esta foi em um nível diferente por causa de tudo." … "Estive a um ponto de perder a partida também. A partida teve de tudo e poderia ter facilmente ter ido para o lado dele", explicou na coletiva (vejam acima).

Curiosidades

Segundo a ATP, foi a primeira vez em 71 anos que um tenista sagrou-se campeão de Wimbledon após salvar match points na final. O último a fazer isso foi o americano Bob Falkenburg, em 1948. Falkenburg também é conhecido por ser o fundador do Bob's – sim, a lanchonete, mas isso é outra história.

Mencionei na crônica do jogo e repito aqui: Federer foi melhor em quase todas estatísticas. Foi superior nos saques, ganhou mais pontos com a devolução e somou 15 pontos a mais no total do que o sérvio. Djokovic, porém, cometeu menos erros não forçados e falhou menos nos tie-breaks, quando tudo estava em jogo.

Sobre a duração da partida * – Este texto foi publicado originalmente relatando 4h55min como duração da final, refletindo o tempo exibido no site de Wimbledon momentos após o match point. O torneio, posteriormente, fez uma correção para 4h57min, e o blog fez o devido ajuste.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.