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Por que não surpreendeu a opção do SporTV de não mostrar Bia Haddad na íntegra e ao vivo

Alexandre Cossenza

03/07/2019 11h00

Quem quis assistir ao vivo à partida de Bia Haddad Maia, número 1 do Brasil, contra Garbiñe Muguruza, ex-número 1 do mundo e campeã de Wimbledon em 2017, encontrou um obstáculo: o SporTV, que exibe Wimbledon em apenas um canal (SporTV3), deu preferência ao jogo de estreia de Roger Federer, que enfrentava o pouco conhecido sul-africano Lloyd Harris, #86 do mundo.

O duelo Bia x Muguruza foi mostrado apenas em flashes, quase sempre nos intervalos do jogo de Federer. O SporTV não exibiu ao vivo nem os momentos decisivos da partida (houve apenas um VT transmitido mais tarde, quando acabaram os encontros do dia em Londres). Dá para dizer com segurança que as decisões do canal desagradaram a muitos fãs de tênis, que perderam a maior vitória da carreira da melhor simplista do tênis brasileiro atual.

Também dá para afirmar que as opções do SporTV surpreenderam quase nada se o leitor acompanha as organizações Globo e entende seu jeito de lidar com o esporte. Como isso se aplica ao tênis? Simples. O SporTV tem os direitos dos Masters 1.000, mostra tênis masculino o ano inteiro. Os direitos da WTA são do DAZN. O mesmo raciocínio vale para a Indy, a NFL e outras modalidades importantes que quase não são mostradas nos canais globais. As notícias são raras. É quase como se os canais tentassem agir como se esses esportes não existissem.

Logo, assim como quase não se ouve falar em Indy no Globo Esporte, o SporTV vai quase sempre dar preferência ao tênis masculino nos slams. É uma forma de, como dizem, "valorizar o produto da casa". Não é machismo. É puramente comercial (se o machismo afeta o comercial, é outra discussão, que não faz parte do ponto central deste texto). Por isso, Federer, mesmo num jogo fácil, teria preferência sobre um jogo feminino. E se eu trabalhasse no SporTV e quisesse manter meu emprego, faria o mesmo (embora eu discorde radicalmente e ache incrivelmente entediantes esses jogos de primeira rodada entre favoritaços e adversários que não representam ameaça alguma).

Mas não é só isso. Também é preciso entender a audiência. No comecinho do segundo set de Federer x Harris, quando o SporTV3 cortou para Bia x Muguruza, choveram reclamações. A hashtag do canal no Twitter evidenciou isso. Uma prova de que a audiência também pesa nesse tipo de decisão. Federer, por todos os motivos que todos conhecemos, tem milhões de fãs. Para eles, não importa se é a #1 do Brasil ou se é o começo da terceira guerra mundial. Se o "maestro" deles está em quadra, ocorre hipnose coletiva.

Até aí, era compreensível a opção do SporTV – mesmo com muitos fãs pedindo que mostrassem a partida de Bia Haddad (quem olhar a hashtag do canal vai ver que estes são maioria). O que não deu para entender foi não terem mostrado os games finais do segundo set da brasileira. Nesse momento, quando o placar de Bia x Muguruza mostrava 4/4, Federer já tinha sua vitória bem encaminhada. Era a hora de desencanar e mudar para o que poderia ser um momento importante para o tênis brasileiro.

Não aconteceu. Depois de cortar para o jogo de Bia em alguns momentos, os games decisivos não foram mostrados ao vivo. Um erro feio de quem não teve a agilidade de tomar uma decisão que precisava ser tomada ali, na hora, analisando o contexto e a relevância do que acontecia nas duas quadras. O SporTV, que opta por não transmitir Wimbledon em dois canais para economizar, fechou os olhos para Bia Haddad e cometeu esse pecado.

Um crime, aliás, que pode se repetir nesta quinta-feira. Bia deu o azar de jogar no mesmo dia de Federer, Nadal e Serena. Logo, enquanto a paulista estiver viva no torneio, o público brasileiro terá de torcer para as partidas de Bia não coincidirem em horário com os maiores nomes do tênis.

Coisas que eu acho que acho:

– Importante ressaltar: como o ótimo narrador Claudio Uchoa explicou na transmissão de terça-feira, o SporTV não pode, por questões contratuais, mostrar partidas na internet. Não existe a opção, portanto, de fazer como a ESPN faz com o Watch, mostrando todas quadras ao mesmo tempo.

– Por outro lado, o SporTV pode, sim, abrir outro canal para mostrar duas partidas ao mesmo tempo. No entanto, não quer fazê-lo porque isso significaria arcar com custos adicionais.

– De alguns anos para cá, canais brasileiros passaram a dar extrema importância a suas hashtags no Twitter – inclusive durante transmissões ao vivo, quando narradores frequentemente perdem momentos importantes lendo piadinhas sem graça de espectadores que, em sua maioria, só querem ter seus nomes lidos no ar. Postura que mais atrapalha do que acrescenta às transmissões. Pior ainda é quando o narrador diz com aquele ar de festa que "estamos em 1º lugar nos trending topics!", como se isso fosse evidência de algo minimamente relevante. Falta muita autocrítica por aí…

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.