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Ashleigh Barty número 1 do mundo: o triunfo do 'normal'

Alexandre Cossenza

24/06/2019 04h00

Um mês atrás, ninguém arriscaria – e acho que não corro o risco do exagero com o uso generalizado de "ninguém" – apostaria no cenário que constatamos a partir desta segunda-feira: Ashleigh Barty no topo do ranking mundial, à frente de Naomi Osaka, com um título no saibro de Roland Garros, outro na grama de Birmingham e 12 vitórias seguidas em uma sequência mais do que crucial do calendário.

É isto, no entanto, que acontece. A lista da WTA mostra a australiana no topo do mundo, com 6.540 pontos, à frente de Osaka (6.377), um dos saques mais potentes do circuito; e Karolina Pliskova (5.685), dona de um serviço respeitável e golpes potentes do fundo de quadra. À frente também da consistência de Simona Halep e Angelique Kerber; e da força de Serena Williams, Maria Sharapova, Garbiñe Muguruza, Aryna Sabalenka… só para citar alguns nomes do tênis-força.

O que Barty tem de especial? Nada. Ou tudo. Ou nenhum dos dois. É bem verdade que o slice da australiana é considerado um dos melhores do tênis feminino atual, mas também é fato que ninguém vive só de fatiar a bola. A jovem de 23 anos, de certo modo, é "normal". Do alto (?) de seu 1,60m, não tem um saque especialmente potente nem golpes de base capazes de varrer adversárias da quadra. Sua altura e a consequente envergadura não facilitam exatamente as coisas junto à rede, mas Barty sabe o que faz ali no quadradinho.

Como, então, a "normal" Barty chega a número 1 do mundo no embalo de títulos em Miami (quadra dura), Roland Garros (saibro) e Birmingham (grama)? A resposta não é tão simples, mas gosto de dizer que a australiana encontrou a forma perfeita de jogar administrando suas dificuldades. Se o saque não tem a potência de Serena, Barty compensa com variação e colocação. Já que forehands e backhands não lhe dão vantagem na pancadaria, Barty coloca peso, spin e altura diferentes a cada golpe. E se o biótipo não resolve na rede, Barty compensa com a "mão".

O feito de Barty é o feito de uma menina que não nasceu nos padrões modernos da definição de atleta. Em certas peneiras por aí, Ash seria dispensada. Alguém recomendaria que a menina investisse em arte, matemática, direito, medicina, sei lá. Sua conquista é a conquista de uma jovem que precisou se afastar do tênis para descansar a cabeça e redescobrir a paixão pelo esporte. Sua história é escrita em linhas que desafiam margens, rodapés e cabeçalhos. E, ainda assim, seu triunfo é o triunfo do normal.

Coisas que eu acho que acho:

– Hoje, Ashleigh Barty é a mais cotada ao título de Wimbledon na maioria das casas de apostas. Ela lidera uma lista que tem, nesta ordem, Serena, Kvitova, Osaka, Kerber, Pliskova, Konta, Halep, Keys e Bencic. Será?

– O que mais gosto na história de Barty é que ela não se encaixa em molde algum. É, no fundo, um belo exemplo de que há maneiras diferentes de chegar ao sucesso e que ninguém precisa ficar preso ou condenado a repetir o caminho de alguém que chegou lá antes.

– Favor não confundir isso com o discurso relaxado e preguiçoso adotado por alguns tenistas que gostam de justificar sua falta de dedicação com a velha história do "cada jogador tem seu tempo". A frase, por si só, é verdadeira. O que não pega bem é usá-la como desculpa.

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Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.