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Nick Kyrgios: entre tédio, talento e títulos

Alexandre Cossenza

03/03/2019 11h30

"É um jogador que tem um talento descomunal e poderia estar ganhando grand slams ou brigando pela primeira posição do ranking, mas por algum motivo está onde está. Falta-lhe respeito com o público, com o adversário e com ele mesmo." A frase é de Rafael Nadal, que foi eliminado em três sets na segunda rodada do ATP 500 de Acapulco, depois de Nick Kyrgios parecer um morto-vivo andando em quadra no segundo set e dizer para o médico que não abandonaria o jogo para não levar vaias. No fim da parcial decisiva, o australiano corria como se nada tivesse acontecido – e saiu vaiado por uma boa parcela da torcida mexicana.

Pulemos para a noite de sábado, quando Kyrgios bateu Alexander Zverev por 6/3 e 6/4 e conquistou o título em Acapulco, sendo novamente vaiado por parte do público. No discurso de premiação, o alemão, atual #3 do mundo, declarou: "Agora seria o momento de dar os parabéns para o seu time, mas há duas pessoas ali, não sei… Primeiro, elas foram embora. Depois, não sei qual é a função de verdade delas, para ser honesto." A frase foi recebida com gargalhadas do australiano porque era aquilo mesmo. Numa época de tenistas multimilionários, que viajam com dois técnicos, fisioterapeutas pessoais, empresários, assessores de imprensa e tudo mais, Kyrgios leva um par de amigos e pronto.

No fundo, tanto Nadal quanto Zverev estão certos. Kyrgios é isso tudo. Um super talento que foi número 1 do mundo como juvenil, mas que não tem dentro de si a energia e o foco para competir todas as semanas do calendário em um circuito cada vez mais profissional. O mesmo tenista que consegue derrotar Seppi, Nadal, Wawrinka, Isner e Zverev em uma semana (três top 10 e um campeão de três slams) é esse garoto que pode torcer o tornozelo jogando uma peladinha de basquete três dias depois. Um cidadão que já bateu Federer, Nadal, Djokovic e Murray e que não estava por acaso na 72ª posição do ranking (vai voltar ao top 40 com os 500 pontos de Acapulco).

Kyrgios possivelmente brigaria pelo topo do ranking nos anos 1980-1990, quando não havia um trabalho físico tão especializado e seu talento faria a diferença com mais frequência. Uma corridinha numa ladeira aqui e uma musculaçãozinha ali resolveriam o problema (nem precisaria escalar uma montanha ao som de Hearts On Fire). Só que sua chegada ao tênis veio em um momento em que talento não basta. Nos últimos dez anos, o Big Four levou o profissionalismo a outro nível. Hoje, é preciso ser uma espécie de nerd tenístico para brigar pelo topo.

Nick Kyrgios está longe disso, e nada indica que o garotão de 23 anos vai mudar em breve. O cenário mais provável é que ele continue aparecendo para jogos grandes e que siga parecendo morrer de tédio quando tiver um adversário menos expressivo do outro lado da rede. Eventualmente, vai desrespeitar boleiros, torcedores, árbitros e adversários, mas continuará existindo ali uma porção absurda de talento. Kyrgios vai continuar sem filtro, falando a primeira coisa que pipocar na sua cabeça, e provavelmente vai voltar a se arrepender e apagar tweets.

Há quem diga que sua personalidade faz muito bem ao tênis. Há quem pense que Kyrgios desrespeita o esporte. Os dois lados têm sua parcela de razão e, em Acapulco, ele foi tão bad boy quanto brilhante dentro de quadra. A certeza, certeza mesmo, é que o australiano divide opiniões radicalmente. Ao fã de tênis, cabe escolher um lado e torcer.

Coisas que eu acho que acho:

– Zverev não fez uma partida espetacular – longe disso – mas brilhou além da piadinha mencionada no segundo parágrafo deste post. Ao dar os parabéns a Kyrgios, disse que "sei que vocês tiveram uma pequena briga com a torcida, mas ele foi o cara que mereceu ganhar o torneio esta semana. Ele é o campeão de verdade nesta semana. Acho que todo mundo precisa dar o crédito a quem merece e você, Nick, mostrou definitivamente ser o melhor jogador. Parabéns."

– Para quem não entendeu a referência oitentista a Hearts on Fire.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.