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Saque e Voleio

Sobre Bellucci, Rogerinho, Lei de Incentivo e a zona de conforto que não ajuda o tênis brasileiro

Alexandre Cossenza

24/02/2019 05h00

Na quinta-feira, quando Thomaz Bellucci e Rogério Dutra Silva derrotaram Bruno Soares e Marcelo Melo e avançaram às semifinais de duplas, um cenário curioso se desenhava. Caso voltassem a vencer e alcançassem a decisão, os paulistas teriam de fazer uma escolha: jogar a final de duplas do Rio Open, no Jockey Club Brasileiro, ou participar do qualifying de simples do Brasil Open, em São Paulo. Os dois eventos previam partidas no sábado.

Ainda na quinta, Rogerinho deixou bem claro que a escolha seria simples: ficar no Rio e seguir na chave de duplas. Na sexta, quando ele e Bellucci conquistaram seu lugar na final, o problema estava concretizado. O Brasil Open já havia distribuído todos seus wild cards (convites) para as chaves de simples. Logo, os paulistas ficaram sem lugar – receberam apenas um wild card para a chave de duplas em São Paulo. Eles não gostaram e deixaram clara sua insatisfação na coletiva pós-jogo.

"Onde que está o apoio nesses momentos quando precisamos? Estou aqui com 35 anos e não tenho nenhum patrocinador. Isso é para valorizar um pouquinho mais o que fazemos no dia a dia, acho que era o momento de ajudar o tênis brasileiro. O cara esqueceu de fazer a inscrição e está lá", disse Rogerinho (leia mais no Tenisbrasil).

A crítica era um comentário sobre o convite dado a um estrangeiro. No caso, Pablo Cuevas. Embora tenha ranking para entrar direto na chave de simples em São Paulo, o uruguaio perdeu o prazo para se inscrever. O torneio, com uma chave fraca e precisando de tenistas de nome para se fortalecer, optou por dar um de seus convites a Cuevas, tricampeão do torneio.

Os outros dois wild cards para a chave principal foram para os brasileiros Thiago Wild e Thiago Monteiro – os mesmos beneficiados pelo Rio Open, que também convidou o canadense Félix Auger-Aliassime, que disputará a final neste domingo.

"Tem um estrangeiro lá e é estranho. O apoio ao tênis brasileiros é sempre baixo. Estamos aqui no Rio e não vamos poder depois jogar em casa. Fico triste de não jogar em São Paulo porque sempre gosto de jogar lá. Eu e o Rogério somos de lá e acho ruim não ter ninguém no torneio", disse Bellucci.

Em nota distribuída pela assessoria de imprensa do evento, o diretor do Brasil Open, Roberto Marcher, ressaltou que deu seis dos sete convites disponíveis a brasileiros e que Cuevas tem uma relação histórica com o torneio, além de viver um bom momento neste início de temporada.

Não vejo grande drama na decisão do Brasil Open. Cuevas é um belo tenista, e o evento precisava fortalecer sua chave. O Rio Open também quis se fortalecer e deu um wild card para Félix Auger-Aliassime – opção que se mostrou certíssima ao longo da semana. E nenhum brasileiro fez drama quando esse convite foi anunciado. "Ah, mas o Cuevas não estava inscrito." Paciência. O cara tem nome e currículo. Poderia ter sido outro estrangeiro com prestígio interessado em jogar em São Paulo. Quando Bellucci vivia bom momento, o Brasil Open até escolhia um tipo de bola que supostamente favorecia seu estilo de jogo na altitude da capital paulista.

E tudo bem se Bellucci e Rogerinho acham que torneio errou. O lado bom de todo o dilema, a meu ver, foi testemunhar dois brasileiros contestando algo – cena um tanto rara nos últimos 15 anos em território nacional. Especialmente no caso de Bellucci, já que Rogerinho de vez em quando manifesta sua insatisfação com algo. O lado "copo meio vazio" é aquele bem conhecido no tênis: atletas advogando apenas em causa própria. Problemas na Confederação? Árbitros e juvenis ameaçados? Jornalistas vetados e credenciais negadas? Circuito juvenil esvaziado e perseguição a promotoras? Ninguém se importa. Ninguém falou. O silêncio reina há muito tempo. Ficou sem lugar num torneio? Opa, aí é "momento de ajudar o tênis brasileiro."

É possível "ajudar o tênis brasileiro" de muitas formas. Dar seis de sete wild cards para tenistas da casa me parece uma dessas maneiras. Acompanhar o trabalho da Confederação é outra. Assim como ajudaria manifestar-se quando veteranos são ignorados, esquecidos ou alienados; procurar inteirar-se do que acontece no país fora do alto rendimento; brigar por condições melhores de jogo na Davis; cobrar dirigentes; ganhar jogos; subir no ranking, etc e tal. Há muitas maneiras de colaborar, e cada um pode fazer sua parte.

No grande cenário, mais um wild card para um veterano faria uma diferença mínima no conjunto de coisas que poderiam ajudar o tênis brasileiro. Advogar em causa própria é muito fácil e quase sempre não ajuda ninguém. Enquanto a maioria dos envolvidos no esporte – dirigentes, atletas, promotores e outros profissionais – não deixarem sua zona de conforto, o tênis brasileiro vai continuar a caminhar com passos de tartaruga. E para lugar nenhum.

Coisas que eu acho que acho:

– Na coletiva deste sábado, Bellucci argumentou que vários dos torneios feitos no país usam dinheiro de patrocínio obtido via de Lei de Incentivo ao Esporte e, portanto, deveriam incentivar mais os atletas da casa. É um ponto interessante (embora, repito, o Brasil Open tenha usado seis dos sete wild cards possíveis com atletas nacionais) e rende um post próprio. Também acho que dinheiro de Lei de Incentivo não deveria ser usado para pagar cachês de aparição a tenistas milionários (e brasileiros!) ou para custear torneios que cobram mais de R$ 400 por um ingresso. Dá para debater isso por horas.

– Vale o registro: na final do Rio Open, Bellucci e Rogerinho foram derrotados por Maxi González e Nicolás Jarry por 6/7(3), 6/3 e 10/7. Foi mais uma bela apresentação dos brasileiros, mas que terminou de maneira infeliz. No match tie-break, Bellucci foi para o saque em 7/8. Fez duas duplas faltas seguidas e deu números finais ao encontro.

– Os saques errados no fim não anulam uma ótima campanha, com grandes atuações de Bellucci durante a semana. Ainda assim, será difícil para o paulista deixar o Rio sem lembrar que ele vacilou em momentos importantes. No quali de simples, sacou para fechar os dois sets contra Casper Ruud, mas perdeu ambas parciais. Na final deste sábado, as duplas faltas mataram o jogo.

– O qualifying do Brasil Open começou neste sábado, no Ibirapuera. Dos três brasileiros que entraram em quadra, apenas Pedro Sakamoto venceu. Ele bateu o italiano Matteo Donati por 6/1 e 6/4. João Souza e João Menezes, justamente os dois wild cards, foram eliminados sem vencer sets.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.