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17 reflexões sobre a derrota brasileira diante da Bélgica na Copa Davis

Alexandre Cossenza

04/02/2019 07h00

O Brasil não aproveitou a sorte que teve com o novo formato da Copa Davis e foi derrotado pela Bélgica por 3 a 1 em Uberlândia, no último fim de semana. A "força máxima" do capitão João Zwetsch – como escreveu a própria Confederação Brasileira de Tênis – tombou em casa diante de um time desfalcado de seus três jogadores mais experientes e que entrou em quadra com Kimmer Coppejans (#195 do mundo), Arthur de Greef (#202), Sander Gille (#83 em duplas) e Joran Vliegen (#86 em duplas).

Thiago Monteiro, o número 1 do Brasil, foi o único a pontuar, derrotando De Greef no primeiro jogo do confronto. Depois disso, o Brasil não venceu mais nenhum set. Coppejans superou Rogério Dutra Silva, Vliegen e Gillé bateram Soares e Melo, e Coppejans, de novo, venceu Monteiro. Derrotado, o Brasil voltará a jogar o Zonal das Américas, e um Zonal fraquíssimo, já que Argentina, Chile e Colômbia se classificaram para a fase final da Davis, que será disputada em novembro, em uma só semana, na Caja Mágica, em Madri.

Aproveitando a deixa do último texto de Sylvio Bastos, faço aqui algumas reflexões sobre o resultado e como ocorreu o confronto.

1. Não acho fiasco, desastre, vexame nem nada parecido este time brasileiro perder para quem quer que seja. Não acho mesmo. Negrito e itálico em "este time", por favor. A essa altura, depois de uma vitória suada na República Dominicana e um fim de semana para esquecer em Barranquilla (derrota por 3 a 2 diante da Colômbia, com Pedro Sorgi escalado para o quinto jogo), perder da Bélgica – mesmo este time desfalcado da Bélgica – não deveria ser tão surpreendente assim. É preciso reconhecer que, desde a queda de Thomaz Bellucci, o Brasil não tem um simplista número 1 como grande jogador de Copa Davis – Monteiro fez seu primeiro grande jogo nesta sexta-feira – o que dificulta demais em qualquer confronto.

2. Dito isso, é preciso afirmar também que o Brasil não se ajudou muito no fim de semana. Quando um adversário – qualquer adversário, em qualquer lugar do mundo – sai de um confronto de Copa Davis dizendo que as condições de jogo ajudaram, é porque o time da casa não fez direito o seu dever … de casa. Vliegen e Gillé, que foram a grande zebra do fim de semana, comemoraram a velocidade da quadra. Os dois sacam bem e foram beneficiados por isso. E não só pela velocidade. Como quase toda quadra indoor, houve muitos quiques irregulares, o que dificultou a devolução dos brasileiros. E se Bruno Soares, um dos melhores devolvedores do circuito de duplas, não consegue encaixar mais do que cinco devoluções em dois sets, complica.

3. Ainda sobre as condições de jogo em Uberlândia, as declarações de Thiago Monteiro na coletiva revelaram muita coisa. O cearense disse que houve um consenso na escolha, mas também falou que "ficou um pouco mais rápido do que a gente gostaria. (A bola) estava picando bastante, difícil de devolver. Nas duplas, os dois (belgas) sacaram muito bem. Para devolver, foi algo que custou mais para se adaptar" e que "a gente não queria jogar num lugar muito lento também para não ter um jogo com muito ritmo para eles. O (David) Goffin é um cara que gosta muito desse ritmo, um bom timing de bola. Aqui ele teria mais dificuldades. O (Ruben) Bemelmans, que também não veio, um cara que joga rápido também. A gente tentou evitar um pouco isso. As condições para mim não são ruins, já fiz bons resultados nessas condições, Rogerinho também, a dupla não gosta de jogar em condições muito lentas."

4. Há três observações importantes a fazer sobre o que Monteiro revelou. A primeira delas é sobre a preocupação com a possível participação de Goffin no confronto. O capitão João Zwetsch acredita que a melhor postura em um duelo é atrapalhar a vida do número 1 adversário e tentar derrotá-lo. Talvez seja um ponto de vista interessante quando sua própria a equipe tem um número 1 forte e versátil. Não é o caso do Brasil. O mais provável é que Goffin derrotasse Monteiro e Rogerinho no saibro, na dura, na grama, no calor do Rio de Janeiro ou no frio de Plutão. Com o time brasileiro hoje, talvez faça mais sentido tentar ganhar os pontos realmente ganháveis colocando o confronto onde as condições realmente sejam as preferidas pelos brasileiros.

5. Monteiro também diz que a quadra "ficou um pouco mais rápido do que a gente gostaria." A julgar por essa frase, algo de muito errado aconteceu. Afinal, se existe algo que o time da casa precisa controlar é a velocidade da quadra. Se ficou mais rápido (o que ajudou a dupla belga), alguém falhou feio.

6. Ao tentar defender a escolha pelas condições de Uberlândia, Monteiro diz que "já fiz bons resultados" e "Rogerinho também", só que "já fiz bons resultados" é diferente de "sempre jogo bem" ou "adoro essas condições." O que aconteceu, no fim das contas, é que o Brasil enfrentou a Bélgica em condições que não eram as ideais para nenhum tenista do time da casa. Repito: o Brasil poderia ter perdido esse confronto em outras condições. O problema é não criar para a equipe o melhor cenário possível. E Monteiro, só para lembrar, prefere calor e umidade. Nesta entrevista, ele disse que sempre torceu para jogar a Davis no Rio de Janeiro. Quem sabe ele não teria mais sorte contra Coppejans assim?

7. Para não dizer que é oportunista citar isso tudo depois da derrota, lembro que comentei em novembro do ano passado a péssima tentativa de explicação de João Zwetsch para justificar a escolha de Uberlândia. Na mesma sequência de tweets, lembro que Zwetsch fala de "jogo não tão lento" e compara com o saibro do Ibirapuera. Talvez Zwetsch não saiba, mas números de 2013 apontaram o Brasil Open (no Ibirapuera!) como um dos torneios com mais aces no circuito. Além disso, Monteiro, o número 1 do país, nunca furou o quali ou venceu um jogo de chave principal nos anos que o Brasil Open foi jogado no ginásio.

8. Zwetsch pediu demissão após a derrota para a Bélgica. É o fim de um período de nove anos sem qualquer campanha espetacular. No período, o time acumulou vitórias sobre Uruguai (duas vezes), Colômbia, Equador (três vezes), República Dominicana e Espanha. Sofreu derrotas para Índia, Rússia, EUA, Alemanha, Argentina, Croácia, Bélgica (duas vezes), Japão e Colômbia.

Sob o comando de Zwetsch, o Brasil subiu duas vezes para o Grupo Mundial. Na primeira, conseguiu a vaga ao bater uma Rússia que foi a Rio Preto com Andreev (lesionado), Gabashvili, Bogomolov e Vovk. Na segunda, bateu a Espanha desfalcada de Nadal, Ferrer, Verdasco, Feliciano López e outros. O time que veio ao Brasil, quando já se ensaiava uma briga feia com a federação espanhola, atuou com Andújar, Bautista Agut, Marc López e Marrero.

9. Não acho que quem quer que venha a ocupar o cargo de capitão vá fazer milagres ou que o time vá começar a ganhar jogos magicamente a partir de agora. De qualquer modo, vejo com bons olhos a mudança. Não faz sentido manter um capitão de Copa Davis por tanto tempo – especialmente sem seguidas campanhas de sucesso.

10. O maior mérito de Zwetsch foi fazer de Thomaz Bellucci um grande jogador de Copa Davis. Quando defendeu o país, o paulista foi sempre menos instável do que no circuito. Conseguiu belas vitórias e, junto com a dupla, foi responsável por manter o time brigando, ano após ano, nos playoffs. Sem Bellucci, aquele Bellucci, o Brasil perde muito. E com este time – de novo, em negrito e itálico – não dá para errar nas condições de um confronto. E repito: se o adversário diz que as condições ajudaram, alguém errou.

11. Sobre o time belga, conversei com todos integrantes em momentos diferentes, desde o sorteio até o fim do confronto. Vi um capitão apostando em um time jovem, mas acreditando que seria possível sair de Uberlândia com a vitória. E, mais do que isso, vi quatro garotos inteligentes, que fizeram uma leitura perfeita do fim de semana, não se incomodaram com o barulho na arena (e foi muito barulhento em alguns momentos, apesar de longe de lotado) e souberam tirar vantagem das condições de jogo.

12. O atual ranking de Coppejans (#195) não diz o potencial de um jovem que foi campeão de Roland Garros e número 1 do mundo como juvenil. O belga, que fala holandês, francês e inglês, entrou no top 100 com 21 anos, em 2015. Teve dificuldades e despencou, mas vem subindo constantemente desde o segundo semestre de 2018. É um garoto inteligente e que não se intimidou com o peso de jogar uma Davis como #1 de seu país e fez um belo papel. E vale destacar: até o último fim de semana, Coppejans não tinha no currículo uma vitória sequer em uma partida de simples de Copa Davis com o confronto ainda indefinido – a chamada "live rubber".

13. Ainda sobre Coppejans, foi emocionante entrevistá-lo momentos após o match point que deu o terceiro ponto belga. Ele chegou para a conversa com lágrimas nos olhos e revelou que jogou com motivação extra: queria dar um motivo de orgulho para o pai, que morreu em novembro do ano passado.

14. Sobre Melo e Soares, talvez seja o caso de parar, refletir e constatar que os dois não são imbatíveis juntos e que não podem ser tão sacrificados na escolha do piso de um confronto. Nos últimos seis jogos juntos pela Copa Davis, os mineiros têm 50% de aproveitamento. Isso inclui duas derrotas em casa: uma no saibro de Florianópolis, diante de Dodig e Skugor, e a deste fim de semana, em Uberlândia. A outra foi na Bélgica, diante de Bemelmans e De Loore. As três vitórias vieram sobre o Equador (duas vezes) e o Japão.

15. Ainda sobre a dupla, vi um Marcelo Melo mais lento e menos preciso do que de costume. Ouvi o mesmo de muitos – inclusive técnicos e ex-jogadores – que acompanharam o confronto. Na coletiva, o mineiro discordou. Disse que estava treinando e que falta de ritmo não foi um fator.

16. Soares afirmou que as condições nivelaram o jogo. Melo afirmou que "o que foi determinante foram as condições de jogo e que eles atuaram muito bem." Dá para entender por que a palavra "condições" foi repetida tantas vezes neste texto.

17. Resta torcer para que a CBT reflita e faça os devidos ajustes, não deixando que as falhas de Uberlândia se repitam. Sem muitos grandes tenistas surgindo no horizonte, é possível que demore um pouco até que o Brasil volte a brigar com países de maior relevância no cenário mundial, mas de nada vai adiantar ter uma ou duas estrelas se não não houver competência para criar os melhores cenários possíveis para esse tenistas competirem.

Coisas que eu acho que acho:

– Importante não misturar as coisas: nada contra Uberlândia. Tudo citado neste texto valeria para qualquer cidade que sediasse um confronto com as condições de jogo que foram criadas.

– Sobre o novo formato da Copa Davis, esta fase de classificação é onde as mudanças ficam menos evidentes. São, afinal, duelos com um time jogando em casa e uma torcida dominante. É sempre legal ver. Quanto aos jogos em melhor-de-três, vale a pergunta: dos 12 confrontos deste fim de semana, quantas partidas serão lembradas em novembro?

– Sobre o argumento de que este formato colocaria mais "tops" em quadra, algumas ausências foram notáveis: a Suíça jogou sem Federer e Wawrinka, a Sérvia não teve Djokovic, a Bélgica não teve Goffin, o Canadá não teve Raonic, o Japão jogou sem Nishikori, a Áustria não contou com Thiem, a República Tcheca não teve Berdych, e Fognini desfalcou a Itália. O problema da Davis, claramente, não se resume ao formato. Se esses nomes não aparecerem na fase final, o argumento pode ser devidamente velado e enterrado.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.