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Saque e Voleio

Naomi Osaka, uma gigante silenciosa

Alexandre Cossenza

26/01/2019 19h06

Ela não manda indiretas nem faz piadinhas sobre suas adversárias nas entrevistas coletivas; não grita com árbitros nem pede convenientes tempos médicos quando as coisas não estão dando certo; não alonga seus gemidos até o momento em que a adversária bate na bola; não força amizades com celebridades nem cava espaço para aparecer em revistas badaladas. Ela até admite que não sabe falar em público…

Naomi Osaka não força a barra para ser ou parecer mais do que é. Não grita, não faz pose pra intimidar, não manda recado. A japonesa de 21 anos até usou uma coletiva para perguntar se é verdade que ela não abre a boca quando fala. E se suas entrevistas geram momentos divertidos, é justamente porque são genuinamente ingênuas de um jeito raro e cativante. Seu jeito de adolescente e sua voz de 15 anos fazem os jornalistas se derreterem, rindo e achando tudo aquilo de uma fofura sem fim (às vezes até demais).

O que (também) separa Naomi Osaka do resto da WTA é o silêncio. Enquanto a maioria anda a gritar, gemer, bater boca, destratar treinadores e destruir raquetes, a japonesa deixa seu tênis passar a mensagem. E seu tênis fala alto. Muito alto. Ao conquistar o título do Australian Open neste sábado, com uma enorme atuação diante de uma quase tão gigante Petra Kvitova, Osaka se tornou a primeira tenista a ganhar seus primeiros dois slams de maneira consecutiva desde Jennifer Capriati em 2001.

E se isso não dá noção do feito gigante da jovem japonesa, lembremos que ela assumirá o posto de número 1 do mundo nesta segunda-feira e que se tornará a primeira pessoa asiática, homem ou mulher, a ocupar o topo de um ranking mundial – já é mais do que fez a chinesa Na Li, que será imortalizada no Hall da Fama Internacional do Tênis este ano (dois slams, #2 do mundo, nove títulos de WTA na carreira – currículo um tento modesto para o Hall).

O tênis de Osaka pode não ser o mais versátil do circuito, mas fala mais alto e mais claro do que a maioria da WTA no primeiro saque, na devolução e na movimentação. São os pilares do tênis feminino hoje em dia. Não tem muito mistério: com o serviço, Osaka vence vários pontos de graça; a devolução pressiona as rivais (e causa algumas duplas faltas no processo); e quem consegue entrar em ralis contra a japonesa precisa lidar com o ótimo trabalho de pernas da jovem, que se defende bem e tem a potência para sair da defesa para o ataque rapidamente. As margens contra Osaka são pequenas. Muito menores do que contra a maioria.

Olhando os números, fica mais fácil entender o volume do tênis de Osaka. Até a final, 38% de seus primeiros serviços não voltaram. Ela também salvou 70% de break points e foi quem mais disparou aces (59) e winners nas duas semanas (259, contando a decisão). Não, a chave de Osaka não foi das mais complicadas, como escrevi antes de o torneio começar, mas a japonesa tinha o desafio de, pela primeira vez, jogar um dos quatro maiores eventos do circuito com o status de campeã de slam. Parece pouco, mas gente como Kerber, Muguruza, Ostapenko, e Halep – para só ficar nos casos recentes – já mostrou que se trata de uma tarefa mais dura do que parece.

Osaka foi lá e ganhou mais um. Houve o susto da terceira rodada contra Su-Wei Hsieh (que sacou em 7/5, 4/2 e 40/0) e houve a rateada depois dos três match points no segundo set da final, mas a japonesa de 21 anos mostrou maturidade de veterana e, apesar das caretas e queixas de si mesmo, se recompôs e encontrou soluções. Naomi sai de Melbourne como entrou, com a voz macia de sempre, mas com um troféu a mais. E seu tênis passa uma mensagem cristalina: uma das grandes está surgindo.

Coisas que eu acho que acho:

– Não sou adepto da tese de que Osaka é uma "fortaleza metal" ou coisa parecida. Tivesse Kvitova jogado um pouco melhor no início do terceiro set, talvez estaríamos comentando as chances perdidas pela japonesa. E tudo bem que ela tenha "sentido o momento", como se diz no tênis, na hora de fechar o jogo. Final de slam, jogo apertado. Normal. Mas meu ponto é justamente este: se é "normal", não dá para cravar que foi uma atuação mentalmente extraordinária.

– As lágrimas de Kvitova na cerimônia de premiação foram contagiantes. Para quem leu e releu, viu e reviu suas declarações recentes sobre sua "segunda carreira", dá para imaginar o quanto doeu perder essa final. Aos fãs da tcheca – e me incluo neste grupo – fica de consolo a mensagem que ela deixou nas redes sociais para seu time. "Dói agora, mas já passamos por coisas muito mais difíceis juntos."

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.