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Saque e Voleio

O labirinto tático e a dimensão paralela em que Rafael Nadal prendeu Tsitsipas

Alexandre Cossenza

24/01/2019 13h10

"Não tenho nem ideia do que posso tirar dessa partida."

"Não sei, eu me sinto muito estranho."

"Eu me senti, de certo modo, com a mente em branco, algo que é muito estranho porque nunca passo por isso no meio de uma partida."

"Hoje eu me senti como um cara de 2,10m que não consegue se mover na quadra."

"Parecia uma dimensão completamente diferente de tênis."

Todas as frases acima são de autoria de Stefanos Tsitsipas após a derrota por 6/2, 6/4 e 6/0 diante de Rafael Nadal nesta quinta-feira, no Australian Open. O grego chegou para a coletiva pós-jogo ainda atordoado. Uma reação um tanto compreensível para um jovem de 20 anos que fazia sua primeira semifinal em um slam e foi dominado do começo ao fim por um tenista mais experiente, com mais recursos e mais em forma.

O plano de jogo de Rafael Nadal foi impecável. A execução, idem. À medida que o tempo passava, Stefanos Tsitsipas mergulhava mais fundo no que parecia um labirinto tático e técnico criado por um personagem de J.K. Rowling. Até belas jogadas que lhe ajudavam a confirmar o serviço eram ilusórias. Winners de backhand eram como chaves de portal. O grego fazia tudo certo, parecia com a mão no game e, de repente, era transportado para um cara-a-cara com Voldemort. Em algum momento, o garotão deve ter desejado que fosse real a praia exibida nos paineis de led da Rod Laver Arena.

Ponto a ponto, uma aula

O clipe acima, uma compilação feita pela Australian Open TV com belos momentos da partida, é como aquelas anotações que a gente pega com o colega quando deixa de ir à aula. Cada parágrafo traz algo que o professor enfatizou. Os pontos – cada um deles – ajudam a mostrar como, onde e por que Nadal desorientou Tsitsipas. Veja o vídeo e leia os parágrafos abaixo.

0'05" – Nadal aceita as cruzadas em seu backhand e deixa espaço no lado esquerdo de sua quadra, meio que desafiando Tsitsipas a atacar seu forehand. Logo depois de o espanhol bater uma bola na linha de duplas, o grego, que tem a quadra inteira aberta (veja o frame abaixo), vai para a paralela. Nadal chega e inverte o ponto. Quando passa a usar o forehand contra o backhand de uma mão do oponente, toma a vantagem. Pode continuar agredindo a esquerda de Tsitsipas até esperar uma bola mais curta e, então, atacar o lado desguarnecido.

0'24" – O segundo ponto do vídeo é vencido por Tsitsipas, mas ilustra igualmente bem o plano de Nadal. Quando devolve o saque já no backhand do grego, o espanhol entra "no automático". O plano é explorar aquele lado do mesmo modo que no ponto acima. A diferença é que aqui, mesmo sem receber uma bola excessivamente curta, Tsitsipas arrisca um backhand na paralela e acerta a linha. É o tipo do ponto que o espanhol não se incomoda de perder. Faz parte do jogo de porcentagens. É o lance que "incentiva" o adversário a seguir correndo riscos altíssimos (chave de portal!). E se o outro conseguir jogar nesse nível por três sets, parabéns. Mas quantos tenistas com backhand de uma mão conseguem fazer isso com frequência diante de Nadal?

0'41" – É o ponto que destrói mentalmente o adversário. Tsitsipas não faz nada errado, e Nadal nunca fica em uma óbvia posição de vantagem na troca de bolas. Mesmo assim, o espanhol, posicionado na linha de duplas (veja abaixo), dispara uma paralela que passa por fora da rede e deixa o estádio inteiro boquiaberto.

0'52" – Nadal mostra que pode ganhar o ponto de qualquer lugar da quadra. Fez uma boa combinação de saque + primeira bola, deslocou Tsitsipas e subiu à rede. O golpe de aproximação não foi tão bom, e Tsitspas tinha a paralela aberta, mas não estava totalmente equilibrado por causa da bola anterior. O grego tenta o contrapé, e Nadal voleia curto, sem defesa, de dentro para fora. Faz parecer muito mais fácil do que é.

1'05" – O saque angulado que manda Tsitsipas alem da linha de duplas é autoexplicativo. Vale notar, porém, o posicionamento de Nadal na quadra quando o oponente faz o contato com a bola. O número 2 do mundo está dentro da quadra, pronto para agredir (ou volear) se a bola voltar.

1'22" – Quando o jogo chega ao terceiro set, Tsitsipas já perdeu tanto a confiança em seu backhand que chega ao absurdo de atacar com uma direita da posição abaixo, além da linha de duplas, no lado da vantagem. E quem ataca dali precisa de um winner. Caso contrário, o rival tem a quadra aberta. Nadal aproveita, comanda o ponto e vai à rede.

Coisas que eu acho que acho:

– Para a final, Rafael Nadal vai levar a confiança e a precisão nos golpes que vem demonstrando até agora. Além disso, chegará descansado, sem perder sets até agora. O plano de jogo usado contra Tsitsipas, entretanto, não servirá nem contra Djokovic nem contra Pouille.

– O sérvio, em especial, tem todas armas para combater o tênis de Nadal. Joga perto da linha, tem respostas para o forehand cruzado e com top spin, possui um segundo serviço que empurra Nadal para trás e é o dono da melhor devolução de saque do planeta. Além disso, Nole é um dos poucos que conseguem se equiparar ao físico e ao mental de Rafa.

Atualizado às 17h55min de 24/01/2019:

A Australian Open TV finalmente publicou o vídeo da coletiva de Tsitsipas. Vejam e entendam melhor o quão desnorteado ele estava após o jogo.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.