Topo

Saque e Voleio

Ele largou o tênis, foi trabalhar na construção civil e agora está na 3ª rodada do Australian Open

Alexandre Cossenza

17/01/2019 13h15

Em uma Quadra 3 lotada de australianos empolgados (e, possivelmente, "calibrados"), depois de 4h04min, Alex Bolt, 26 anos #155 do mundo, fechou uma espetacular vitória. Depois de salvar quatro match points, bateu de virada o ex-top 10 francês Gilles Simon por 2/6, 6/4, 4/6, 7/6(8) e 6/4 e avançou à terceira rodada do Australian Open.

Foi apenas sua segunda vitória da carreira em um slam. A primeira veio dois dias antes, contra o americano Jack Sock, outro ex-top 10. Triunfos que já seriam inesperados se Alex Bolt tivesse uma trajetória normal no tênis. Só que a estrada do australiano incluiu um desvio. Menos de três anos atrás, em março de 2016, ele largou o tênis e foi trabalhar na construção civil. Depois, foi jogar futebol australiano. Foi só no começo de 2017 que Bolt tirou o pó das raquetes e voltou a treinar.

Construção civil

Em recente texto publicado no site da ATP, Bolt conta que estava se sentindo o pior dos homens. Treinava bem, mas jogava mal. Não conseguia se concentrar. Quando perdeu para um tenista fora dos 1.300 melhores do mundo, conversou com seu técnico, Simon Rea. "Simon não falou sobre tática ou meu desempenho naquele dia", conta Bolt. "Ele disse que eu deveria estar mais preocupado com meu bem-estar e minha felicidade. E ele estava certo – se eu não estava feliz jogando tênis, de que adiantava? Naquele momento, eu não pensei que voltaria a pegar numa raquete. Eu precisava de uma folga. Foi aí que a vida ficou um pouco estranha. Tênis era a única coisa que eu sabia fazer. Eu não tinha trabalhado um dia na vida."

O cunhado, que trabalhava instalando e reparando cercas, chamou Bolt para um projeto. O relato do ex-atual-tenista mostra bem o impacto que aqueles dias causaram. "Deixa eu dizer, aquilo era trabalho. Levantar paredes, cavar buracos, enfiar postes no chão. Cementar. Eu não sabia muito sobre o que estava fazendo, mas eu fazia. Foram dias longos e quentes. Pode ser muito quente numa quadra de tênis, mas aquilo era duro. Eu ficava esgotado. Acordar às 5h30min? Minha empolgação acabou no segundo dia."

Futebol australiano

Só que Bolt completou o projeto. Ficou até o fim com a equipe do cunhado. Foi aí que uns amigos lhe chamaram para o Mypolonga Football Club, um time de futebol australiano (foto acima via ATP). "Aquilo me ajudou a trazer a felicidade de volta." Além de mais animado com a vida, Bolt passou a ver ex-colegas de treino dando passos à frente na carreira. "Jordan Thompson estava entrando no top 100 e ganhando quatro Challengers. Eu? Sentado em casa. Eu pensava 'podia ser comigo. Deveria ser comigo'."

Um telefone ajudou a colocar as coisas em seus devidos lugares. Todd Langman, que treina Thanasi Kokkinakis, viu uma foto que Bolt postou no fim da temporada de futebol australiano e perguntou se ele estava pronto para voltar ao tênis. Bolt topou um treino, depois outro e mais outro e mais outro. Até os drills – aqueles exercícios repetitivos – eram motivo de alegria para ele.

O retorno oficial aconteceu num Challenger em Adelaide (Happy Valley), em 2017. Depois, Bolt ganhou um wild card para o quali do Australian Open e, acreditem, alcançou a chave principal após derrotar Julien Benneteau. "Eu sonhei com aquele momento por tanto tempo e achei que ele tinha acabado quando larguei a raquete em março [do ano anterior]. Fiquei nove meses sem jogar tênis, sem tocar na raquete a maior parte do tempo. Mas, de algum modo, eu havia acabado de derrotar um ex-top 25 e alcançar meu sonho."

Bolt, que jogou aquele Australian Open como #632 do mundo, perdeu na estreia para o japonês Yoshihito Nishioka (#99). Ele também furou o quali de Wimbledon e, aos poucos foi subindo no ranking. Terminou 2017 no top 200 e jogou seu último evento de 2018 como o 154º na lista da ATP. Agora, depois de quatro derrotas em primeiras rodadas de slam, Bolt está na terceira rodada após bater Sock e Simon. O tenista, agora com todas as letras, vai embolsar pelo menos 165 mil dólares australianos (cerca de R$ 445 mil) e alcançará também o melhor ranking da carreira. O sonho continua. Duvida? Então, caro leitor, aumente o som e clique no vídeo abaixo…

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.