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Saque e Voleio

Todo respeito do mundo ao titânico Thiem

Alexandre Cossenza

05/09/2018 10h00

Foram extenuantes 4h48min de pontos de prender a respiração, jogados em uma velocidade sufocante, sob altas temperaturas, perto dos 30º Celsius, e com a umidade na casa dos 70%. Rafael Nadal e Dominic Thiem agonizaram e protagonizaram um duelo brutal que começou com o atual número 1 do mundo levando um pneu (6/0 na gíria do tênis) e terminou com um esgotado Nadal vencendo no tie-break do quinto set.

Será uma das partidas lembradas para sempre. Ou, como Thiem avaliou após o encontro, "minha primeira partida épica." E que só foi assim porque o austríaco foi espetacular. Do primeiro game, quando quebrou o saque de Nadal com uma direita indefensável, até o último, quando alcançou uma curtinha e fez um golpe espetacular para deixar o #1 fora de ação, Dominic Thiem foi – por falta de palavra melhor em um texto escrito às 7h por alguém que está acordado desde o início do jogo – titânico.

Ao longo das quase 5h, Thiem acumulou 18 aces, 74 winners, 12 break points salvos, 171 pontos vencidos (mais que os 165 de Nadal) e 4,57 quilômetros percorridos (menos que os 4,65 do adversário). Números exuberantes, mas que mal começam a explicar o que este tenista de 25 anos, vice-campeão de Roland Garros e #9 do mundo, mostrou no Estádio Arthur Ashe.

Nenhuma estatística oficial mostra quantos saques Nadal alcançou, mas não conseguiu devolver. Os registros oficiais tampouco vão exibir a coragem de Thiem nos break points. Muito menos a quantidade obscena de forehands e backhands que desafiaram as leis da física, criando ângulos próprios ou voando pela quadra sem ângulo nenhum para, de algum modo, aterrissarem na linha lateral, na de base ou ainda na junção de ambas.

Você, leitor, pode até assistir ao clipe acima, uma compilação de dez minutos com lances espetaculares. Mas "só" esses dez minutinhos são incapazes de dimensionar o que Dominic Thiem fez para levar Rafael Nadal ao limite. Ainda assim, veja para conferir também o que o espanhol fez de espetacular.

Só que este texto não é sobre os muitos méritos de Rafael Nadal ou os erros não forçados de Thiem que tiveram incrível peso no resultado final – já falei sobre eles aqui. O austríaco, perdedor do dia em um cruel esporte que não aceita empates, merece a reverência e, como diz o título deste post, "todo respeito do mundo."

Respeito adquirido com cada contra-ataque, cada direita fulminante com break point contra e cada backhand na paralela que fazia Nadal questionar seu melhor golpe. Respeito demonstrado pelo rival do dia, que pediu desculpas sinceras depois do match point (mesmo sofrendo para juntar frases em inglês, dado seu nível de esgotamento); que mencionou o "grande jogador" e "grande cara" em um post pós-jogo no Twitter; e que até deixou uma mensagem no post de Thiem no Instagram: "Obrigado, Domi. Você é um jogador incrível e um grande cara! É sempre uma dura batalha e especial jogar contra você. Obrigado pelas palavras."

Este texto poderia se alongar pelos méritos técnicos de saques e backhands ou pelo belo plano tático que Thiem executou formidavelmente ao agredir os saques de Nadal desde o começo, mas isso também já foi explorado aqui.

O respeito conquistado por Thiem é respeito dos grandes. É a admiração de um rival que vê o austríaco cometer falhas graves em momentos decisivos e voltar forte mentalmente para a parcial seguinte. É fazer todo mundo saber que dois erros não forçados seguidos não significam uma quebra de saque e que duas direitas atômicas podem salvá-lo a qualquer instante, lançadas de qualquer lugar da quadra e com uma linha qualquer como endereço final. É ver Nadal falar em uma coletiva que Thiem faz tudo em sua carreira com a "atitude certa" – um dos maiores elogios possíveis no tênis atual, considerada a fonte e a importância que ela dá a esse comportamento.

É, também, o respeito dos fãs e de jornalistas. É o garotinho que espera um autógrafo na beira da quadra e sabe que vai ser atendido. É a jovem que ganha uma raquete quebrada em um momento de fúria. É o repórter que sabe que vai ser atendido com respeito, não importa a hora e o local – e Thiem, depois uma derrota das mais doídas da vida, deu uma coletiva que começou às 2h40min da manhã, sem respostas apressadas, sem destratar profissionais, falando em inglês e, depois, em alemão.

Se faltava ao #9 do mundo uma grande campanha fora do saibro, não falta mais (não importa o quão lento esteja o piso do Ashe). Se faltava ao seu currículo um jogo "épico", isso também agora está no passado. O circuito inteiro vai ter olhares diferentes depois deste 4 de setembro de 2018. Dominic Thiem, 25 anos, ex-NextGen, está pronto.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.