Topo

Saque e Voleio

Irreconhecível nos pontos importantes, Federer cede virada e dá adeus precoce ao US Open

Alexandre Cossenza

04/09/2018 01h32

Era para ser uma noite quente, mas tranquila para Roger Federer. O suíço era favoritíssimo contra o australiano John Millman, #55 do mundo, e as casas de apostas pagavam 15/1 numa vitória do azarão. Só que o favorito, #2 do planeta, viveu uma noite pavorosa. Sacou mal, perdeu chances, jogou mal nos pontos importantes e deixou escapar as duas chances que teve para abrir 2 sets a 0. No fim, Millman conquistou uma vitória improvável por 3/6, 7/5, 7/6(7) e 7/6(3), numa partida memorável que terminou depois da meia-noite em Nova York (foto do alto deste post via Reuters).

Agora, em vez do 47º encontro entre Federer e Novak Djokovic, será John Millman, 29 anos, o adversário do atual campeão de Wimbledon. Será também a primeira vez do australiano nas quartas de final de um slam. Até o começo deste US Open, Millman jamais havia alcançado as oitavas em um dos quatro torneios mais importantes do circuito mundial.

Como aconteceu

O break point cedido no primeiro game talvez fosse um sinal de que a noite seria complicada para o favorito, mas Federer salvou o serviço, quebrou o saque de Millman no game seguinte e tomou as rédeas da partida. O suíço aceitou um jogo acelerado e correndo riscos. Mesmo com um plano de jogo ousado e baixo aproveitamento de saques, fez 6/3 no primeiro set e parecia no controle das ações, com certa margem para elevar seu nível se as coisas se complicassem – como já fez inúmeras vezes na carreira.

Millman, 29 anos, #55 do mundo, corria como um louco e distribuía pancadas de todo jeito na bola. Federer topava a pancadaria, mas não encaixava o serviço. Usou muito saque-e-voleio no segundo saque, tentou encurtar as trocas de bola (acumulou 81 subidas à rede) e acabou errando mais (terminou o jogo com 76 erros não forçados). O #2 do mundo terminou a segunda parcial com pífios 31% de aproveitamento de primeiro serviço, mas o pior não foi isso. O que machucou mesmo foi jogar mal nos momentos mais delicados. Primeiro, perdeu o serviço quando sacava em 5/4 e 40/15. Depois, desperdiçou chances no 12º game. Novamente com 40/15 no placar, fez uma dupla falta, errou uma curtinha cruzada (com a paralela aberta), levou uma passada e errou uma esquerda. Game e segundo set, Millman: 7/5.

O calor também era um fator. Às 23h em Nova York, a temperatura era de 29 graus Celsius, e a umidade ficava acima dos 80%. Federer pingava e, mais do que nunca, aparentava ter cada um de seus 37 anos. No terceiro set, o suíço reduziu a velocidade de seu primeiro serviço para melhorar o aproveitamento. O plano deu certo, mas Federer não conseguia ameaçar o saque de Millman e continuava errando mais do que de costume, tentando encurtar os pontos. Chamou atenção o grande números de saque-e-voleio tentados no segundo serviço. Foi numa dessas que Federer perder a vantagem que tinha no tie-break. Ainda assim, o #2 do mundo teve set point. O azarão, contudo, se salvou com bons saques e chegou a um set point graças a uma direita vencedora. No ponto seguinte, fechou o set.

O começo do quarto set foi melhor para o suíço, que finalmente voltou a ver Millman errar em um game de serviço. Federer abriu 4/2, festejou a vantagem com um berro e acordou sua torcida no Estádio Arthur Ashe. Porém, o #2 do mundo voltou a falhar feio. Com game point e um smash fácil para abrir 5/2, o suíço mandou a bola na rede. Dois pontos depois, perdeu o saque outra vez. O australiano empatou em 4/4 na sequência, e a parcial só foi decidida no tie-break. Federer cedeu o primeiro mini-break do game com uma dupla falta. Na sequência, mais uma. Millman abriu 4/1 e não perdeu mais.

Na coletiva, que começou às 2h em Nova York, Federer admitiu que o clima afetou seu desempenho.

"Acho que estava muito quente e foi uma daquelas noites em que eu sentia que não entrava ar. Não havia circulação e, por algum motivo, eu tive problemas com as condições. Foi uma das primeiras vezes que aconteceu comigo. Estava desconfortável, continuei suando à medida em que a partida continuava. Você perde energia… John conseguiu lidar com isso melhor. Ele é de um dos lugares mais úmidos do mundo – Brisbane – então eu sabia que seria difícil. Quando você se sente assim e começa a perder chances… Foi decepcionante, mas em um momento, eu estava feliz de que a partida tinha acabado."

Indagado sobre seus problemas para encaixar o primeiro serviço, Federer voltou a mencionar a temperatura:

"Estava quente (risos). Quando você se sente assim, tudo fica fora de lugar. Olha, eu treinei durante o dia, com altas temperaturas… Às vezes, não é seu dia. O corpo não consegue lidar. Acho que quando o teto está fechado, não há circulação de ar no estádio. Isso deixa o US Open totalmente diferente. Além disso, as condições estavam mais lentas este ano. E você fica com o short encharcado, as bolas estão ali… Você tenta jogar e tudo fica mais lento. Você tenta fazer winners, mas… Eu gostaria de ter aberto 2 sets a 0, e a partida, talvez, fosse diferente porque eu tive chances até o fim, mas foi difícil, e John jogou uma grande partida em condições difíceis."

Coisas que eu acho que acho:

– Depois da coletiva, muita coisa ficou clara. O problema de Federer em lidar com o calor e a umidade explicam os riscos exagerados e as muitas subidas à rede em momentos inoportunos. O suíço precisava encurtar os pontos contra um rival fisicamente em melhores condições. Era o que ele acreditava que precisava fazer para vencer.

– Ainda assim, com tantos erros e saques ruins, Federer teve uma chance ótima para forçar o quinto set. E isso é o mais atípico da partida toda: as chances perdidas. O suíço, quase sempre tão preciso em momentos delicados, deixou escapar um segundo set quase no bolso e errou um smash que lhe daria 5/2 no quarto set (veja na marca de 1'22" do vídeo abaixo). Não me lembro de tantas falhas de Federer em situações assim. Não em um só jogo. Certamente, não num slam.

– Vale lembrar: a derrota de Federer mantém Rafael Nadal como número 1 do mundo até o fim do US Open. O suíço tinha chances de assumir a liderança, mas precisava ser campeão e contar com uma derrota de Nadal para Thiem. Porém, como o espanhol precisa defender o título, pode ser até que Federer saia de Nova York mais perto de Nadal no ranking.

– Se o texto acima fala menos de John Millman do que de Federer, é porque o suíço teve uma jornada pavorosa de rara. O australiano reconheceu isso na coletiva e afirmou, inclusive, que precisaria de um dia ruim do adversário para sair com a vitória no Ashe. Foi uma coletiva alegre e, ao mesmo tempo, muito pé-no-chão de Millman.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.