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Saque e Voleio

Kiki Bertens, a busca pela felicidade e o fim do rótulo de saibrista

Alexandre Cossenza

20/08/2018 04h50

Ela salvou um match point e bateu, de virada, a número 1 do mundo para conquistar o título do WTA Premier 5 de Cincinnati. Um resultado surpreendente para quem, até o fim de 2017, se considerava uma especialista no saibro e mal conseguia se sentir alegre dentro de quadra. Kiki Bertens, 26 anos e 1,82m de altura, chegou até a pensar em deixar o circuito, mas tentou mudar, encontrou a alegria que desejava e faz, em 2018, a melhor temporada de sua carreira, com resultados relevantes na grama e na quadra dura.

O triunfo por 2/6, 7/6(6) e 6/2 sobre Simona Halep, invicta há nove jogos, é o resultado máximo de um trabalho de pré-temporada que foi tão mental – na sua maneira de encarar o circuito – quanto físico, já que Bertens começou 2018 muito mais em forma. E foi uma conquista enorme não só pela importância do torneio e por ser no piso sintético, mas por ter vindo com uma chave duríssima. Kiki bateu Vandeweghe (#24 do mundo), Wozniacki (#2), Kontaveit (#30), Svitolina (#7), Kvitova (#8) e Halep (#1). Foi a chave mais dura – em ranking das adversárias – de uma campeã de WTA em 2018 e vai colocar Bertens na 13ª posição na lista da WTA.

Mas como alguém sai de uma possível aposentadoria para uma temporada com títulos em Charleston e Cincinnati, um vice em Madri e quartas de final em Wimbledon, no seu pior piso? O principal, disse Bertens em entrevista coletiva e, mais tarde, no podcast WTA Insider, foi mudar de perspectiva. A holandesa disse que não se sentia feliz jogando – nem quando vencia. "Eu precisava de tempo para pensar. 'Quero continuar assim? Não quero isso. Não quero estar tão estressada o tempo inteiro, sem curtir a vida no circuito.' Sem mesmo curtir minhas vitórias. Precisava mudar algo. Nas férias, precisava de tempo e foi bom conversar muito com meu namorado, falar com Raemon [Sluiter, seu técnico há três anos] depois disso."

Como Bertens chegou a esse ponto? "No tênis, em quase toda semana, você perde. Se você ganha um título, o que é ótimo, no dia seguinte você já está viajando para outro torneio, então começa tudo de novo. Eu não curtia nem as vitórias. Se eu conquistava um título era 'Ok, você tem que continuar, tem que ganhar de novo semana que vem.' Era demais." A holandesa disse também que "naquele ponto, eu realmente estava considerando [aposentadoria]" e que "se eu estivesse sentindo agora o que senti no ano passado, então seria melhor para mim parar, sim."

E qual foi a solução? Bertens explicou que "só queria tentar. Tipo, se eu tentar de outro jeito, trabalhando mais na minha forma física ou trabalhar mais em outra coisa, vou tentar ficar mais relaxada. Se não funcionasse, ok, eu poderia dizer 'tentei de tudo' e é isso." Aparentemente, deu certo. "Acho que é o que estou fazendo agora, encarando um dia de cada vez e curtindo as vitórias. Amanhã é outro dia, você tenta trabalhar o mais duro possível e, se perder, ok. Tem outra semana. É um jeito de pensar mais simples que estou adotando."

Pronto. Começou 2018, e essa Bertens mais simples e mais feliz desabrochou, jogando um tênis mais agressivo do que o de antes e deixando para trás o rótulo de saibrista. Pulou de #31 para #13 e agora, as quartas em Montreal, onde bateu Karolina Pliskova e Petra Kvitova, e o título em Cincinnati credenciam a holandesa a coisas ainda maiores. O US Open vem aí, e uma tenista que superou quatro top 10 em uma semana não pode ser descartada.

Será?

Coisa que eu acho que acho:

– Não me lembro de ter visto uma atleta de ponta patrocinada por um canal esportivo (e alguém que não me lembro agora tweetou algo parecido durante o jogo). É, certamente, curioso ver a marca do Fox Sports no vestido de Bertens. Resta torcer para que nenhum canal brasileiro evite mostrar a holandesa no US Open por conta disso.

– Sobre a vitória deste domingo, foi necessária uma atuação bastante sólida e agressiva na medida certa para derrotar a tenista mais consistente do circuito. E não foi na base daquele simples vou-bater-mais-forte-e-mais-reto-que-você que é tão frequente na WTA (ela, afinal, é saibrista por natureza). Bertens soube atacar o segundo saque de Halep, usou spin e desacelerou o jogo quando precisou, foi à rede quase sempre muito bem e manteve a cabeça no lugar quando a coisa complicou no tie-break do segundo set. E sua "nova" agressividade salvou o match point.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.