Topo

Saque e Voleio

Andy Murray e o choro de quem ama o que faz

Alexandre Cossenza

03/08/2018 09h53

O relógio marcava 3h01min da manhã em Washington. Era o fim de uma rodada atrasada pela chuva, o último ponto de um tie-break de terceiro set em uma partida que começou à meia-noite. Num estádio quase vazio, Andy Murray completou uma vitória de virada sobre o romeno Marius Copil (#93 do mundo) por 6/7(5), 6/3 e 7/6(4). Cumprimentou o adversário, o árbitro, sentou-se com uma toalha no rosto e desabou em lágrimas.

Dois anos atrás, teria sido uma vitória qualquer. Mais um daqueles jogos em que Murray se complica diante de um adversário inferior, mas encontra uma maneira de virar a partida mesmo longe de apresentar seu melhor tênis. Hoje, o cenário é outro. O britânico de 31 anos passou quase um ano sem jogar, submeteu-se a uma cirurgia no quadril e ainda convive com a incerteza sobre o quanto conseguirá jogar no resto de sua carreira.

Não era o choro de um título. Não era o choro midiático – não era a Quadra Central de Wimbledon. Eram 3h da madrugada num ATP 500 e dava para ouvir os grilos entre a meia dúzia de corajosos que ficaram no estádio até o match point. Eram as lágrimas de quem descobriu o quanto ama o tênis e que aprendeu a valorizar cada momento dentro de quadra. Para quem foi número 1 do mundo, conquistou três slams e duas medalhas de ouro olímpicas nas simples, hoje, derrotar Copil foi um grande feito.

"Apenas as emoções no fim de um dia extremamente longo e uma partida longa", disse Murray, segundo o site da ATP. Não precisava falar muito mais. O ex-número 1 esperou o dia inteiro para jogar e deixou escapar o primeiro set depois de abrir 5/0 no tie-break. Eram as oitavas de final de um ATP 500, e o escocês sabia que se virasse o jogo teria pouco tempo para se recuperar antes de voltar à quadra (serão cerca de 18h de intervalo).

Ainda assim, ainda longe de sua melhor forma, encarou o desafio. Encontrou forças e virou a partida. Um triunfo de quem ama sua profissão, de quem aprendeu – da forma mais dura – sobre a efemeridade da carreira de um esportista, de quem, quando tudo acabar, não quer olhar para trás e lembrar que poderia ter deixado um pouco mais na quadra. Pode não significar muito em pontos, rankings ou estatísticas, mas é lindo de ver. São momentos assim que fazem o esporte – qualquer esporte – apaixonante.

Coisas que eu acho que acho:

– Em janeiro, quando teve de anunciar sua desistência em Brisbane e ainda antes de passar pela cirurgia, Andy Murray abriu o coração e postou sobre as dificuldades em seu processo de recuperação. Na publicação, escreveu: "Escolhi esta foto como o garotinho dentro de mim que só quer jogar tênis e competir. Eu genuinamente sinto tanta falta e daria tudo para estar de volta. Eu não percebi até estes meses o quanto eu amo este esporte. Toda vez que acordo de uma noite ou um cochilo espero estar melhor e é bastante desanimador quando você pisa na quadra e não está no nível que precisa para competir neste nível." Quem viu as lágrimas de Washington sabe que não era discurso para fazer média com os fãs.

– Nas quartas de final, Murray vai enfrentar o australiano Alex de Minaur. O jogo deve começar por volta das 21h locais, o que significa que Murray pode ter cerca de 18h entre o fim de um jogo e o começo de outro. A rodada em Washington também tem Goffin x Tsitsipas, Zverev x Nishikori e Kudla x Rublev. É um belo ATP 500.

– Méritos para o DJ de Washington, que mandou Closing Time (Semisonic) enquanto o povo saía do estádio e Murray chorava. Porque cada novo começo vem do fim de algum outro começo.

– Outra cena linda da quinta-feira em Washington foi o abraço dos irmãos Sascha e Mischa Zverev, que se enfrentaram pela primeira vez na chave principal de um ATP. Alexander venceu por 6/3 e 7/5.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.