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Durante o Mundial da FIFA, ATP anuncia sua própria Copa do Mundo e pressiona a Davis

Alexandre Cossenza

01/07/2018 18h05

Nada como uma Copa do Mundo para um monte de instituições por aí anunciarem suas próprias Copas. Quem é jornalista sabe bem o que eu digo. A cada dia, chega um email diferente anunciando todo tipo de coisa relacionada – ainda que vagamente – ao Mundial da FIFA. Teve livro sobre árbitro, master coach se disponibilizando para falar sobre a pressão psicológica na Seleção, aplicativos de "bolão da copa", desconto em hotel a cada gol do Brasil e shot grátis a cada queda de Neymar. Teve também uma copa dos 10 cachorros mais estilosos não sei de onde e uma "Multicultural Cup 2018", que eu, honestamente, não lembro mais do que se trata.

Agora, dia 1º de julho, é a ATP quem anuncia sua Copa do Mundo. Sim, a entidade que rege o circuito masculino de tênis vai organizar, a partir de 2020, a ATP World Team Cup. No anúncio distribuído neste domingo, a entidade diz que a nova competição é uma parceria com a Tennis Australia (a federação australiana) e será disputada no começo do calendário, "com mínimo impacto nos calendários de tenistas existentes no começo do ano."

O nome da competição é o mesmo do evento que a ATP organizou de 1978 até 2012, em Dusseldorf (a foto do alto do post é do time chileno, campeão em 2003). O evento era disputado sempre no saibro, pouco antes de Roland Garros, com oito países. Pela proximidade com o slam francês, não era o mais badalado dos eventos. Federer e Nadal, por exemplo, nunca deram as caras por lá. Agora, a ATP fará a competição no início do ano e com 24 (!!!) países. Certamente, vai dar o que falar e deixar o pessoal da ITF, responsável pela Copa Davis, um tanto preocupado.

O timing do anúncio é curioso. A ATP faz a divulgação não só durante a Copa do Mundo da FIFA, mas antes de a ITF conseguir aprovar seu novo formato de Copa Davis, que, em tese, será anual, sempre em novembro, disputada em sede única e com 18 países.

O que isso significa para o cenário geral do esporte? Pode ser algo muito bom, mas também pode ser muito ruim num calendário que terá quatro competições anuais por times: a World Team Cup (ATP), a Laver Cup (promovida pela empresa de Roger Federer), a Copa Davis (ITF) e a Copa Hopman (Tennis Australia). Afinal, se hoje questionam a capacidade da Copa Davis de atrair os melhores do mundo, é quase impossível que algum tenista consiga jogar quatro eventos do tipo em uma temporada.

Além disso, ficam no ar outras dúvidas, já que a ATP relatou só o básico (não parece um anúncio às pressas?): 24 times, US$ 15 milhões em prêmios e pontos no ranking. Primeiro: como serão escolhidos os 24 times? Seguirão o ranking mundial? Não faz sentido seguir o ranking da Copa Davis, que é da ITF, né? Segundo: quantos pontos serão distribuídos? Terceiro: quanto tempo vai durar? Uma semana? Duas? Em que formato será possível fazer uma competição com 24 times sem prejudicar o calendário de ninguém?

De qualquer modo, nota-se que a ATP dá uma resposta forte para a ITF, pressionando a Copa Davis e usando do mesmo veneno da federação internacional: muito dinheiro na mesa. Esses US$ 15 milhões citados são quase o dobro do que Indian Wells (US$ 7,9 milhões) paga, por exemplo. Equivalem a quase 5 vezes a premiação somada de todos torneios pré-Australian Open (Brisbane, Doha, Pune, Auckland e Sydney, juntos, distribuem US$ 3,2 milhões). Resumindo? Se a ITF e as federações nacionais quiserem ter seus melhores tenistas na Davis, terão de abrir o bolso também. Como quase sempre acontece no circuito mundial, os tenistas estão dando as cartas.

Coisas que eu acho que acho:

– Vale lembrar que a ATP não tem calendário definido para 2020. A entidade ainda debate a possibilidade de grandes mudanças estruturais no circuito, como mudanças de datas, pontos e novos níveis de torneios. A World Team Cup pode ser o primeiro passo dessa reformulação.

– Além do que a ATP divulgou, só consegui descobrir duas coisas: a World Team Cup terá jogos de duplas (já era esperado, mas nunca se sabe) e – surpresa! – será em várias sedes. "Evento vai ser enorme", me disse uma pessoa por dentro das negociações. Como isso vai funcionar? Onde vai entrar a Copa Hopman? Não tenho ideia. Porém, sabendo que haverá mais de uma sede, fico imaginando se transformarão toda a gira pré-Australian Open numa enorme Copa do Mundo. Será?

– Sobre a Copa Davis, a cada dia que passa fica a impressão de que o projeto apoiado pelo presidente David Haggerty será aprovado. Não por acaso, ele visitou o encontro da Confederação Africana de Tênis (CAT), onde prometeu ajudar no desenvolvimento do Centro Nacional de Tênis de Ruanda; esteve no encontro da COSAT, onde enfatizou o quanto as mudanças na Davis serão essenciais para o crescimento do tênis na América do Sul; visitou a sede da CBT em Florianópolis, quando a Confederação Brasileira pleiteou sediar a Assembleia Mundial da ITF em 2020 e pediu recursos para expandir sua sede; foi a Cancún, onde conseguiu o apoio da COTECC, a confederação dos países da América Central e do Caribe, depois de também prometer que a "nova" Davis trará muito mais recursos para o tênis da região; foi a Paris conseguir o voto da Federação Francesa de Tênis (e há boatos de que, em troca desse voto, a primeira final da nova Davis seria numa sede francesa); e, por fim, passou pelo Kuwait para visitar o Centro Nacional do país.

– A pressão sobre a ITF foi tanta que, enquanto eu escrevia este post, chegou um email da Federação Internacional, dizendo que não muda seu compromisso de estabelecer um novo formato para a Davis em 2019 e que "foi uma oportunidade perdida pela ATP de trabalhar em conjunto com a ITF em uma maneira positiva e benéfica para o tênis como um todo". Ou seja: acusaram o golpe.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.