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Saque e Voleio

ATP em Wimbledon: Federer e 'sacadores' de um lado, Nadal e 'fundistas' do outro

Alexandre Cossenza

30/06/2018 07h00

Como acontece toda vez a cada quatro anos, o mundo parou para ver a Copa do Mundo da FIFA. Os holofotes estão todos voltados para a Rússia, onde o Mundial já vive as oitavas de final. O circuito do tênis, no entanto, segue em movimento. A temporada de grama rolou solta, e agora é a vez de Wimbledon, que começa com uma polêmica pré-determinada há meses: a final masculina será no mesmo dia da final da Copa do Mundo, e a organização do torneio britânico não mudou nem o horário. O jogão começará às 10h (de Brasília), e é bem possível que ainda esteja rolando duas horas depois, quando houver o pontapé inicial da decisão na Rússia (12h). Pode ser muito ruim para o tênis, mas Wimbledon não se mostrou disposto a abrir mão do horário tradicional.

Federer e os "sacadores"

No que diz respeito ao tênis dentro de quadra, Roger Federer é o óbvio favorito, e isso mudou pouco depois do sorteio das chave (veja a tabela completa). Não que seu pré-Wimbledon tenha sido espetacular. Sim, o suíço foi campeão em Stuttgart e vice em Halle, mas sem mostrar nada extraordinário – e extraordinário é o que nos acostumamos a ver quando Federer pisa em uma quadra de grama.

O que pesa mesmo para seu favoritismo é o histórico de oito títulos em Wimbledon e sua margem de superioridade sobre o resto. Sua chave não é tão fácil assim. Inclui uma estreia contra Lajovic, um possível duelo de terceira rodada contra Karlovic e, quem sabe um encontro nas oitavas com Borna Coric, seu algoz na final de Halle. Nas quartas, o suíço pode encarar um grande sacador como Querrey ou Anderson, e o mesmo pode acontecer na semi, onde pode aparecer Cilic, Isner ou Raonic – entre outros, é claro.

É uma chave entupida de grandes sacadores, o que pode complicar a vida do suíço se seu saque e sua devolução não estiverem calibrados no dia certo (ou errado). Porém, de modo geral, sacadores são os que menos incomodam Federer. Em Halle, o suíço teve dificuldades mesmo quando precisou entrar em ralis. Esteve frequentemente atrasado nos deslocamentos e usou slices defensivos mais do que o habitual (avaliei sua atuação no ATP 500 alemão neste post). Resta saber o quanto ele evoluiu desde então.

Nadal, Djokovic e os "fundistas"

Com esses sacadores todos na metade de cima da chave, quem se deu bem foi Rafael Nadal, número 1 do mundo e cabeça 2 em Wimbledon. Ainda assim, a chave do espanhol tem algumas cascas de banana: jogadores perigosos na grama, com bons saques e que podem enfrentá-lo no início do torneio, que é justamente quando Nadal está mais vulnerável em Wimbledon. Rafa chega a Londres, lembremos, sem jogar nenhum torneio de preparação na grama. Fez apenas duas exibições, derrotando Ebden e perdendo para Pouille.

O canadense Vasek Pospisil é um desses nomes e, se passar pela estreia, enfrentará Nadal na segunda rodada. Na terceira, o #1 pode encarar o "perigoso" Mischa Zverev, o "guardião" do saque-e-voleio, que está na final em Eastbourne enquanto escrevo este parágrafo. A metade de Nadal ainda inclui Schwartzman, Dolgopolov e Fognini (oitavas), Del Potro, Goffin, Shapovalov e Sock (quartas) e Sascha Zverev, Kyrgios, Djokovic, Thiem e Nishikori (semi). Não é o caminho dos sonhos de ninguém – pelo menos não agora, antes do torneio – mas vale o que se fala sobre Nadal todos os anos: se ele conseguir chegar à segunda semana, será muito, muito perigoso. A quadra estará mais lenta, a bola quicará mais alto, ele pode encarar menos "sacadores" e, se isso acontecer, o cenário muda completamente.

Por enquanto, Novak Djokovic ainda é mais cotado que o espanhol nas casas de apostas. O tricampeão do torneio (2011, 2014 e 2015) vem de uma ótima campanha em Queen's, onde foi vice, perdendo a final para Marin Cilic, mas jogando cada vez melhor. Na grama, sua movimentação faz enorme diferença, o que dá ao sérvio boa vantagem em qualquer troca de bolas mais longa. Numa chave em que "fundistas" predominam, o ex-número 1 pode ir até a segunda semana sem drama. Precisa, porém, passar por Tennys Sandgren na estreia e, possivelmente, por Kyle Edmund na terceira rodada.

Thiem pode ser seu adversário nas oitavas, mas o austríaco ainda não mostrou que pode ser um oponente tão perigoso na grama quanto no saibro. Por fim, nas quartas, existe a chance de um duelo com Alexander Zverev ou Nick Kyrgios, mas só se os dois não se lesionarem até lá. Volto a falar sobre eles mais adiante neste post.

Ah, sim: "perdido" aí nesta metade da chave também está Andy Murray, que não é cabeça e estreia contra o perigoso Benoit Paire (que teve match point contra Federer em Halle), pode encarar Shapovalov na segunda rodada e, se avançar, deve encontrar Juan Martín del Potro na sequência. Sequência cruel para o escocês que voltou às quadras em Queen's, depois de quase um ano ausente do circuito. Murray ainda não mostrou a força de sempre. Que ninguém espere muito dele em Wimbledon.

Correndo por fora

Na grama, essa lista é sempre maior do que no saibro. Num dia bom, grandes sacadores e tenistas que agridem mais e com bolas mais retas possuem mais chances de zebra. Logo, daria para incluir um monte de gente aqui. Fiquemos, por enquanto, com os mais óbvios – vou analisando os demais ao longo do torneio, dependendo de quem avançar.

O principal nome é Marin Cilic, que se não é favorito também não pode ser considerado uma zebra. Foi finalista ano passado, quando uma bolha no pé prejudicou sua atuação na decisão, e também fez a final do Australian Open deste ano. No aquecimento para Wimbledon, foi campeão em Queen's, derrotando Djokovic na final, mas também superando Verdasco, Gilles Muller, Sam Querrey e Nick Kyrgios pelo caminho. Tem um saque enorme e uma direita igualmente potente, mas, principalmente, vem conseguindo ter menos dias ruins do que antes, o que fez uma diferença enorme em seu ranking e em seu desempenho ao longo de cinco sets. É o favorito para fazer uma semi com Federer, apesar de ter Raonic e Dimitrov/Isner em seu caminho.

Nick Kyrgios não chega às quartas de final em um slam desde 2015, mas não pode ser descartado aqui. Não na grama, onde seu saque faz mais estrago e os jogos são mais curtos – dando menos margem para os apagões do australiano. Ele vem de boas campanhas em Stuttgart (perdeu para Federer no tie-break do 3º set) e Queen's (caiu na semi, diante de Cilic, em dois tie-breaks) e se diz em ótimo estado fisicamente falando, o que é raro. Isso porque ele recentemente contratou um preparador físico. Kyrgios, inclusive, escreveu recentemente que agora (!!!) vem aquecendo antes de entrar em quadra e também vai a academia após os jogos – algo que não fazia desde os tempos de juvenil, quando tinha um técnico (para forçá-lo a isso).

Alexander Zverev é outro que precisa ser considerado, não tento pelo que fez antes de Wimbledon, mas pelo potencial de seu jogo. Quadrifinalista em Roland Garros, o alemão finalmente quebrou a barreira das oitavas em um slam. Se havia um bloqueio mental, acabou. O slam britânico, onde seu saque e seus golpes de fundo de quadra vão fazer ainda mais estrago, é a chance de mostrar que ele passará a ser sempre um fator nos quatro maiores torneios do mundo. Resta saber se os dois jogos de simples (um em Halle, outro no Boodles) que ele fez na grama foram uma preparação adequada.

Por fim, Milos Raonic, vice em Wimbledon em 2016, começou bem sua campanha na grama, com um vice em Stuttgart, onde foi derrotado por Federer. Só que o nome do canadense, recentemente, sempre vem acompanhado de um porém, e o problema da vez é o problema de sempre: físico. Ele desistiu de Queen's com um problema no músculo peitoral direito. Mesmo que esteja recuperado quando Wimbledon começar, a pausa significa tempo a menos de treino e de jogo. Raonic não deve começar o torneio jogando seu melhor. Para quem pode encarar Pouille na terceira rodada e Cilic nas oitavas, essa pausa pode cobrar um preço grande.

Os brasileiros

Na chave de simples, ninguém. Thiago Monteiro e Guilherme Clezar ainda se arriscaram no qualifying, mas ambos foram derrotados na primeira rodada. E quando digo "se arriscaram", é porque nenhum se preparou especificamente para o quali. Na semana anterior, ambos estavam no Challenger de L'Aquila, na Itália e no saibro. Os dois foram semifinalistas e jogaram no sábado. Na segunda, estavam em Londres e jogando na grama. Não dava mesmo para esperar muito de nenhum dos dois.

Nas duplas, felizmente, a história é outra. Marcelo Melo e Lukasz Kubot defenderam com sucesso o título de Halle e chegam embalados para a tentativa de repetir a conquista de Wimbledon, o que seria uma façanha monstruosa. A chave ainda Marcelo Demoliner, que atuará com Santiago González. O gaúcho acaba de conquistar seu primeiro título de ATP. Ele e o mexicano foram campeões do ATP 250 de Antália, na Turquia, na sexta-feira. O time brasileiro fica completo com Bruno Soares, que atuará ao lado de Jamie Murray. Os dois fizeram uma boa campanha em Queen's, onde foram vice-campeões.

As ausências

Wimbledon deixará de contar com Roberto Bautista Agut, Tomas Berdych, Hyeon Chung, Andrey Rublev, Jo-Wilfried Tsonga, Yen-Hsun Lu e Viktor Troicki. Na noite de sexta-feira, já havia cinco desistências após o sorteio da chave. É a turma que recebe 50% do prize money por causa de lesão. A dois dias do início do torneio, esse número pode aumentar.

Os melhores jogos nos primeiros dias

Respire fundo porque a lista é longa, a começar por Wawrinka x Dimitrov, dois backhands de uma mão embalados por muito talento e belos saques. E como nenhum dos dois vem jogando um tênis tão inspirado assim, pode acabar sendo um duelo um tanto disputado. E quem sabe uma vitória aqui não dá uma confiança extra para alguém ir longe no torneio, né?

Outro jogo quentíssimo é Murray x Paire, que reúne duas das melhores "mãos" do circuito. Eu, honestamente, pagaria até para ver um jogo de quadradinho entre eles. Paire está em forma e num piso que favorece seu jogo. Murray terá a torcida a seu lado. O ambiente será ótimo e haverá lances espetaculares, ainda que não dê para esperar tanto assim de nenhum dos dois no torneio.

Minha listinha aqui ainda inclui Gasquet x Monfils, Thiem x Baghdatis, Ferrer x Khachanov, Djokovic x Sandgren e Shapovalov x Chardy. E, correndo o risco de soar como o fã hipster que prefere aquele jogo obscuro da Quadra 17 porque um tenista gosta de Breaking Bad e o outro tem um cachorro que uiva a Nona Sinfonia de Beethoven, recomendo fortemente Mischa Zverev x Pierre-Hugues Herbert porque saques e voleios são mais saborosos numa quadra de grama. Vai ser bonito de ver.

Os tenistas mais perigosos que ninguém está olhando

Juan Martín del Potro foi semifinalista de Wimbledon em 2013, mas essa campanha pode ser considerada uma exceção. Em melhor de cinco, seu histórico no All England Club não é dos melhores. Talvez por isso ninguém esteja olhando com tanto carinho assim para o argentino antes do torneio. Maaaas Delpo é o cabeça 5 e tem um caminho acessível pelo menos até as quartas de final, quando pode pegar Nadal (se o espanhol chegar até lá!). E quando o argentino chega a uma segunda semana de slam, é bom ficar de olhos bem abertos para ver o que acontece.

O cenário não é muito diferente para Kevin Anderson, que nunca passou das oitavas em Wimbledon. No entanto, o sul-africano, assim como Marin Cilic (mantidas as proporções), vem encontrando uma maneira de jogar um tênis mais consistente e sem perder sua agressividade característica. Na grama, seus saques vão fazer diferença e dá para imaginar um jogo tenso de oitavas de final entre ele e Sam Querrey. Quem vencer, claro, deve pegar Roger Federer na sequência. É uma seção interessante para acompanhar…

…até porque Gilles Muller, quadrifinalista no ano passado, também está por ali. O luxemburguês, algoz de Nadal em 2017, pode muito bem se intrometer nessa briga e derrubar Kevin Anderson na terceira rodada. Se isso acontecer, pode ser ele do outro lado da rede diante de Federer nas quartas.

Onde ver

Os direitos de transmissão são exclusivos do SporTV, que vai exibir o torneio no SporTV3 desde segunda-feira, a partir dar 7h15min de Brasília.

A ESPN, que até o ano passado também mostrava Wimbledon, continuará com o programa diário Pelas Quadras, começando sempre às 20h30min e com duração de meia hora.

Nas casas de apostas

Nenhuma surpresa no alto da lista: Roger Federer é o mais cotado ao título – e com certa folga em relação aos demais tenistas. O que pode, sim, surpreender algumas pessoas é a presença de Novak Djokovic na segunda posição, mas justifica-se pelo grande histórico do sérvio em Wimbledon e por sua evolução nos torneios recentes.

Marin Cilic, campeão em Queen's, é outro nome óbvio, que está atrás de Rafael Nadal porque o espanhol é bicampeão no All England Club – além, claro, de a chave ajudar. Kyrgios, Zverev e Del potro, donos de ótimos saques e golpes potentes e retos, são também escolhas óbvias, assim como Raonic, que volta de lesão.

Aviso: Como sempre faço, o guia para a chave feminina pintará por aqui em breve!

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.