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Saque e Voleio

Neymar, sozinho, é o Federer x Nadal futebolístico de cada dia

Alexandre Cossenza

24/06/2018 05h00

Culpem as redes sociais, a intolerância, o analfabetismo funcional ou simplesmente a agressividade que existe dentro da cada um de nós esperando para ser libertada covardemente de um smartphone a milhares de quilômetros de quem vai receber a ofensa. Tudo, hoje em dia, tem dois lados inimigos que recusam uma negociação de paz em território neutro.

Do mesmo jeito que escrevi há dois meses sobre como fãs veem a rivalidade entre Roger Federer e Rafael Nadal, existe essa dualidade quando o assunto é Neymar – e que envolve muito mais gente, pelo menos no Brasil. Aparentemente, ou o camisa 10 da Seleção é um moleque rico, mimado e cai-cai que não tem equilíbrio psicológico para ser o principal expoente de um time na Copa do Mundo ou é um cracaço que conquistou tudo a duras penas, que merece toda paciência do planeta e que só é criticado por invejosos que gostariam de ter sua vida e que torcem contra a Seleção. Sem meio-termo. Só extremos valem no debate.

De um lado, quem acha que falar do cabelo de Neymar é procurar pretexto para falar de algo além do inquestionável futebol do jogador e quem acha que o camisa 10 tem a maior pressão do mundo em suas costas. Do outro, quem acredita que o jogador é protegido por parte da imprensa e que Neymar merece, sim, críticas por tudo que usa para criar uma imagem que lhe rende muito dinheiro (como suas redes sociais).

Se você, leitor, chegou neste quarto parágrafo querendo saber minha opinião sobre isso tudo, respondo logo: pouco me importa o que acham. Não sou do tipo que vai debater em redes sociais ou tentar convencer alguém de que a minha opinião é mais ou menos válida do que a desta ou daquela pessoa. E, honestamente, acho bacana que a internet coloque tantos pontos de vista sobre o mesmo assunto.

O que me incomoda – de novo, igualmente no caso de Federer x Nadal – é que muitos não consigam entender que existe, sim, um meio-termo. Que é possível achar que Neymar é um millennial mimado que faz escândalo quando as coisas não vão a seu favor, que tem ataques nervosos quando não deveria e que é exageradamente midiático. E que, ao mesmo tempo, o dono dessa opinião (no caso, eu) não tem um pingo de inveja, acha que Neymar é um cracaço com a bola nos pés e torce para seu sucesso na Seleção.

Será que é tão impossível assim uma pessoa desprezar (todos!) jogadores que simulam falta enquanto torce para um desses atletas parar de fingir e fazer coisas relevantes com a bola nos pés? Será que quem torce a favor de Neymar e da Seleção não pode se preocupar com seu nervosismo e cartões amarelos que podem tirá-lo de um jogo importante (outro contra a Alemanha, talvez)? Será que desejar o sucesso de alguém é tão incompatível assim com enxergar defeitos e apontá-los? Não é válido temer que o atleta se perca no personagem midiático e marqueteiro que desenvolveu ao longo do tempo? Tenho aqui minhas convicções sobre tudo isso.

O tênis tem Nick Kyrgios, que em momentos parece um poço inesgotável de talento destinado a ser número 1 do mundo, mas em outros é um atleta infantil, desbocado e revoltado contra todos que ousam não passar a mão sobre sua cabeça o tempo inteiro. Protagoniza lances espetaculares com a mesma frequência que fala bobagens a árbitros e faz gestos inexplicáveis (vide tweet acima, de cena deste sábado). E tudo bem se ele não quiser ser número 1 do mundo porque, afinal, nem ele adota esse discurso de querer ser o melhor de todos e ganhar todos torneios possíveis.

Kyrgios só defende o país na Copa Davis algumas semanas por ano – se tanto. De resto, joga por conta própria e faz o que bem entende. Como Neymar, encanta os millennials, seus contemporâneos, mas sua postura incomoda os mais experientes. É um jovem adulto de 23 anos (Neymar, 26, já nem é tão jovem assim) que se comporta como criança atuando em um nível altíssimo, onde isso é claramente prejudicial a seu desempenho.

A grande diferença é que Neymar, enorme atleta que é, não joga sozinho. Suas falhas são falhas de um time, de uma Seleção. Existe um país inteiro olhando, torcendo, querendo ser representado e desejando que Neymar e seus companheiros triunfem. Quem não consegue entender que apontar falhas também pode significar torcer pelo sucesso, vai viver seu próprio Federer x Nadal de cada dia – todos os dias. Porque "critica Neymar" é diferente de "torce contra", e "gol de Neymar" não é "Neymar cala críticos". Simples assim.

Coisas que eu acho que acho:

– Volto a escrever sobre tênis amanhã, comentando Federer, Djokovic, Cilic e os outros destaques da temporada de grama até agora. Publico este texto antes das finais de Queen's e Halle.

– Se Kyrgios tivesse dito em um só jogo a quantidade de "vai se f*der" e "vai tomar no c*" pronunciadas por Neymar contra a Costa Rica, o australiano não só teria sido desclassificado da partida como provavelmente estaria aguardando um julgamento que o suspenderia do circuito por algum tempo (e ele foi multado em 15 mil euros pela cena do tweet acima).

– Toni Kroos estava sob muito mais pressão do que Neymar quando fez seu gol no 50º minuto do segundo tempo da partida contra a Suécia. Sua Alemanha seria virtualmente eliminada da Copa do Mundo graças parcialmente a um erro seu no gol do time adversário, enquanto Neymar fez um gol sem goleiro numa partida que foi dura, é verdade, mas já estava decidida.

– O alemão vibrou e comemorou justamente a sobrevivência de seu time, mas não chorou por um longo tempo no meio do gramado, na frente de todas as câmeras, nem usou suas redes sociais para dizer que "até papagaio fala". Isso não faz dele um jogador melhor que Neymar, mas dou-me o direito de, assim como muitos, preferir a postura de Kroos. Obviamente, essa opinião não quer dizer que vamos torcer a favor da Alemanha ou contra o Brasil. E se você ainda não entendeu isso, volte à primeira linha deste texto.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.