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Nova regra faz efeito, e Roland Garros tem número alto de desistências

Alexandre Cossenza

27/05/2018 10h01

Roland Garros tem seu primeiro dia de jogos neste domingo, e o torneio já soma oito desistências de tenistas que preferiram nem entrar em quadra – inclusive o ucraniano Alexandr Dolgopolov (o cidadão da foto acima), número 54 do mundo, que enfrentaria Rafael Nadal na estreia.

O número alto – altíssimo para um slam, maior nível de torneio no tênis, onde todo mundo normalmente quer tentar a sorte – parece ser o efeito de uma regra que o Grand Slam Board (órgão que regula os quatro maiores torneios do mundo) introduziu em janeiro deste ano. E um ótimo efeito, é bom que se diga.

Incomodados com o número de jogos de primeira rodada que não vinham terminando graças a lesões de atletas que se retiravam no meio dos duelos, os dirigentes decidiram que a partir de 2018, a coisa funcionaria assim: qualquer jogador que não estiver em condições físicas e desistir entre quinta-feira e o começo do torneio tem direito a receber 50% do prêmio em dinheiro. Em Roland Garros, isso equivale a € 20 mil. O substituto recebe a outra metade (€ 20 mil) mais o que conquistar se avançar na chave.

O prêmio em dinheiro é elemento essencial nesta equação porque os slams pagam muito mais do que torneios normais. Em um ATP 250, por exemplo, um tenista precisa chegar à final para receber € 40 mil. Nos slams, ele recebe os mesmos € 40 mil (ou mais, dependendo do torneio) até se perder na estreia.

Para um tenista ranqueado entre 80-120, € 40 mil fazem muita diferença no orçamento anual. Por isso, muitos atletas lesionados, cientes de que não resistiriam a um jogo em melhor de cinco sets, vinham entrando em quadra apenas pelo dinheiro. Agora, como é possível ganhar metade sem jogar – e sem agravar uma lesão – o número de partidas incompletas na primeira rodada vem diminuindo.

Além disso, o Grand Slam Board também avisou que será rigoroso com outra exigência: "quem competir na primeira rodada de simples e abandonar ou apresentar tênis abaixo dos padrões profissionais estará sujeito a uma multa que pode ser igual ao valor do prêmio em dinheiro." Ou seja, entrar em quadra e abandonar é um risco que poucos estão dispostos a correr.

A regra já valeu no Australian Open, em janeiro, e deu para ver a diferença. Em Wimbledon/2017, com a regra antiga, houve sete abandonos no meio da primeira rodada só na chave masculina. Em Melbourne, somando os 128 jogos das chaves masculina e feminina, apenas um jogo ficou pela metade por causa de lesão. Coincidência? Roland Garros está mostrando que não.

A história louca

Foram tantas desistências que nem alguns perdedores do qualifying estavam preparados para isso. O procedimento normal é que alguns deles assinem a lista de lucky losers, esperando abandonos e as vagas na chave principal. O problema é que quando Nick Kyrgios, o oitavo a desistir, anunciou que não jogaria, não havia mais nenhuma assinatura na lista de espera.

Segundo o jornalista argentino Danny Miche, o tenista Marco Trungelliti, #190 do mundo, estava em Barcelona quando soube da desistência de Kyrgios e vai dirigir de lá até Paris para assinar a lista de lucky losers na manhã de segunda-feira. Se fizer isso, ele entra em quadra logo às 11h locais (6h em Brasília) para enfrentar o australiano Bernard Tomic.

Coisas que eu acho que acho:

– Toda vez que escrevo sobre esse tema acabo lembrando do jogo entre Marcos Daniel e Rafael Nadal na primeira rodada do Australian Open de 2011. O gaúcho sentia dores no joelho esquerdo, mas não podia se dar ao luxo de não entrar em quadra. O prêmio pela primeira rodada era de 20 mil dólares australianos (R$ 33 mil pelo câmbio da época). Após a partida, Daniel disse: "Antes do jogo eu sabia o que iria acontecer, mesmo que fosse contra qualquer outro tenista da chave. Mas é daí que tiro meu sustento e da minha família. Se eu tivesse [dinheiro] sobrando, seria o primeiro a ir embora e não ter que ficar falando sobre isso agora."

– Só para registrar: Nadal, que enfrentaria Dolgopolov, agora vai estrear contra o italiano Simone Bolelli, #130 do mundo.

– Vale a curiosidade: Thomaz Bellucci furou o qualifying ao derrotar o belga Ruben Bemelmans na última rodada do qualifying. O brasileiro vai fazer seu jogo de primeira rodada contra o argentino Federico Delbonis, #66 do mundo. Os dois já se enfrentaram oito vezes em torneios de nível ATP, e o argentino levou a melhor em cinco. Bemelmans, por sua vez, acabou herdando uma vaga na chave principal graças a uma desistência. Ele vai estrear contra o indiano Yuki Bhambri, #94 na lista da ATP.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.