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Saque e Voleio

João Pires: 38 anos de fotos, histórias e bom humor no tênis

Alexandre Cossenza

09/05/2018 11h10

São quase quatro décadas de fotografia, e a maioria desse tempo incluiu torneios e todo tipo de evento relacionado ao tênis. Quem acompanha a modalidade no Brasil reconhece de longe o sorriso de João Pires. Ele já clicava em Itaparica, nos títulos de Andrés Gómez e Andre Agassi. Ele também fez as fotos do primeiro media kit de Gustavo Kuerten. Hoje, com 63 anos, comanda junto com dois filhos (às vezes, três – já explico) a Fotojump, agência oficial do Rio Open, o maior torneio da América do Sul.

Duas coisas João Pires tem de sobra: histórias para contar e bom humor. E não importa se é um grand slam, um Challenger ou um Future. Nem se ele acaba de conseguir "a" foto do evento ou se teve seu equipamento roubado há meia hora: os sorrisos estarão lá. Pois "aluguei" essa simpatia por pouco mais de meia hora em São José do Rio Preto (onde fui a convite do Instituto Sports) para trazer ao Saque e Voleio algumas dessas tantas histórias.

Nas próximas linhas, João Pires fala de sua carreira, de quanto a fotografia mudou ao longo de seus 38 anos na profissão, e de como o tênis e seus atletas foram se fechando para o mundo. Ao longo da conversa, casos deliciosos sobre pingue-pongue na casa de Thomaz Koch, Gustavo Kuerten pedindo chuteiras e Brad Gilbert encontrando problemas na presença de Luiza Brunet. João também conta um divertido causo com Jânio Quadros e revela a foto de tênis que ele sempre curtiu, mas nenhum veículo aproveitou (spoiler: ela está em algum lugar deste post). Rolem a página e curtam o papo.

O que te levou para a fotografia?

Eu gostava de fotografar. Tinha um amigo que corria de kart e tinha uma Leica com uma [lente] 400. Ele me emprestava, e eu curtia fotografar, mas a minha entrada na fotografia é bem curiosa porque eu estava me formando em jornalismo, fiz teste no Estadão para ser revisor, passei, mas não podia ser contratado porque só podiam contratar jornalistas formados – mesmo para revisor. Aí o cara da revisão falou "Vamos fazer o seguinte: você gosta de fotografia? Pra fotografia, não precisa ter formação universitária. Fica na fotografia, depois você vai para a…." Nunca mais saí da fotografia.

Quanto tempo você ficou no Estadão?

Eu entrei no Estadão em 1979 e me formei em 1980. Fiquei dez anos no Estadão fotografando.

Já entrou no esporte?

A gente fazia de tudo, desde buraco de rua. E tinha a turma mais antiga. Os mais antigos eram os "donos" do esporte, que era o filé mignon, a pauta mais legal. Eu fui fazer futebol muitos anos depois de eu ter entrado. O primeiro que fiz foi Portuguesa x Noroeste, uma coisa assim que ninguém queria fazer.

E quando veio o tênis?

No Estadão também. Como o pessoal gostava mais de fazer futebol, e eu sempre gostei de tênis, eu me apresentava ali para fazer.

Lembra do seu primeiro evento de tênis?

Lembro. Foi naquelas quadras do Pacaembu. Jogavam o Cassio Motta, o Paschoal Penetta, e era um torneio masculino e feminino. Foi na quadra coberta do Pacaembu, que existe até hoje, toda feita de madeira.

É junto daquela quadra que tem a estátua da Maria Esther Bueno, né?

E a Maria Esther tem uma história interessante porque meu pai me levava para ver a Maria Esther treinando quando ela teve a tendinite no braço. E ela treinava com o braço esquerdo para não ficar parada. E meu pai falava "Isso que é força de vontade, isso que é perseverança", e isso ficou na minha cabeça. Depois de muitos anos, eu encontrei com a Maria Esther e falei "Olha, é culpa sua que eu tô nessa aí" (risos).

Quando você fotografou a Maria Esther pela primeira vez?

Eu lembro que fotografei a Maria Esther já bem no final da carreira. E, depois, em um monte de exibições que ela fez.

Era mais fácil fotografar naquela época?

Era muito mais difícil por causa do equipamento. Você fotografava com filme, as máquinas não tinham a rapidez, os filmes não tinham sensibilidade para pouca luz, as lentes não tinham auto focus, não tinham a qualidade que têm hoje. Era bem difícil. E você tinha um filme de 36 poses, por exemplo, para fotografar um jogo inteiro e ter a foto de dois jogadores. Se tivesse mais de uma foto, melhor ainda, mas era isso. Era no limite mesmo.

As pessoas erravam muito quando faziam um jogo assim pela primeira vez? Quantas fotos saíam ruins?

A primeira coisa que eu faço é dar uma olhada para ver o movimento mais fácil para eu fazer. Ou o mais plástico. Aí eu fico esperando. Eu pré-focalizava e ficava esperando o momento. Mas às vezes não pegava a bola, a raquete já tinha ido embora… Demorou muito para eu pegar o timing do tênis.

Tem ideia de quantos eventos de tênis você já fez?

Não faço a menor ideia. O primeiro deve ter sido em 1980, mais ou menos.

Então são 38 anos cobrindo tênis. O quanto o ambiente do tênis mudou nesses 38 anos?

O tênis… Você ficava, no torneio de Itaparica, que era um ATP Tour, você podia sentar na mesa e almoçar do lado do jogador, jogar futebol com o tenista, era uma informalidade total. Você via o Yannick Noah com o filho [Joakim Noah, hoje atleta da NBA] na piscina… Cada vez mais eles foram se fechando, profissionalizando. Hoje, tem aquele estafe que protege o jogador. O jogador não pode isso, não pode aquilo, então ficou bem afastado. Tanto que com o pessoal mais antigo eu tenho um relacionamento muito fácil por causa da facilidade que a gente tinha. Era quase uma intimidade. Você era muito próximo mesmo.

Contaram pra mim que você joga pingue-pongue na sala do Thomaz Koch.

(risos) A sala do Thomaz Koch é fantástica. O apartamento do Thomaz Koch é maravilhoso. É a cara dele. Você chega, a porta está aberta, e não é uma porta. É como se fosse um portão hindu maravilhoso. Aí você entra, tem uma mesa de ping-pong, um telão com show dos Rolling Stones passando… O apartamento é a cara dele. Muito receptivo.

Essa turma que não tinha preocupação de se esconder, né?

Nada, nada! Falavam as coisas, não tinha isso de medir palavras, não pode isso, não pode aquilo. Era muito legal.

Nessa coisa de frequentar almoços e outros ambientes com os jogadores, o que te parecia mais curioso quando você começou a cobrir tênis?

Eu vi que o tenista era uma pessoa normal, que dava para conviver, diferentemente de jogador de futebol, que sempre teve aquela empáfia… Claro que tinha os mais difíceis, mas de maneira geral era muito fácil conviver com os tenistas.

E você deve ter um monte de histórias legais desses caras, imagino…

Uma vez, aqui em Rio Preto, um tenista brasileiro foi pagar um hotel, mas ele só tinha dólar. Aí a menina da recepção falou, com toda educação "Aqui, a gente não aceita dólar", e o cara gritava "Isso aqui não vale nada!" e rasgava as notas de dólar (risos). Tem uma genial do Thomaz Koch num daqueles Rio Champions, que tinha uma palestra de técnicos. Fizeram um painel de técnicos, aí foi o Pardal: "Tenista tem que focar, tem que treinar, respirar tênis o dia todo…" Palestrante seguinte, Thomaz Koch: "É, se o menino gosta de pescar, deixa ele pescar" (mais risos). E outra genial do Thomaz Koch foi quando tinha a equipe Bradesco de tênis, que foi para a França jogar um torneio. Perderam todos os jogos. Resultados horríveis. O que aconteceu, Thomaz? "Ah, eu levei eles para conhecerem os museus." Ele deu um banho de cultura nos meninos, algo que eles não teriam nunca. E terminaram vendo um show. Aí eu falei "Diz a lenda que foi um show dos Rolling Stones." O Thomaz: "Não, não. Foi um show do Santana." Olha só onde ele levou a molecada. Só o Thomaz Koch… Conversar com ele é uma das coisas mais deliciosas.

O Thomaz [Koch] você pegou jogando bem, então?

Eu peguei uma Davis e esse – acho que era WCT, jogado no Ibirapuera. Aí era pelo Estadão. Encontrava o Thomaz nos torneios. Ele é uma pessoa muito generosa, é uma delícia conviver com o Thomaz. Ainda desse Rio Champions, no ano que o McEnroe veio, a gente foi jantar na casa de um editor da Sextante, que me foge o nome agora. O garçom chega para o McEnroe e pergunta "O que o senhor deseja? Temos vinho, whisky, champanhe francesa, coquetel não sei do quê…", e o McEnroe: "Tem cerveja?" Não tinha (risos)! Tiveram que ir no quiosque da frente comprar cerveja. Era jantar de comer com dedinho esticado! Vinhos raríssimos… E ele quis cerveja.

Em Itaparica, você deve ter visto muita coisa…

Em Itaparica, tem uma história boa do Brad Gilbert. Lá, só tinha uma quadra fechada. Nas outras, a gente circulava em volta. E lá só iam convidados. Nisso, aparece para ver o jogo do Brad Gilbert a Luiza Brunet, no auge, maravilhosa, com uma flor de hibisco vermelha no cabelo e uma saída amarrada. Só. O Brad Gilbert falou para o árbitro: "Para o jogo e tira essa mulher daqui porque não consigo jogar" (risos)!

E ela saiu?

Saiu! Todo mundo riu, e ela saiu, ficou mais afastada. A Luiz Brunet, no auge, era uma coisa…

E do Guga você viu a carreira inteira…

A carreira inteira.

Eu queria chegar no Guga porque sei que o primeiro media kit dele tinha fotos feitas por você… Como isso aconteceu?

Eu conheci a Diana [Gabanyi, assessora de imprensa de Guga durante toda a carreira] quando ela fazia assessoria de imprensa de uma prova de triatlo em Santos. E eu fotografava a prova de triatlo. Aí a gente começou a ter uma proximidade. Um dia, a gente estava em um evento de esportes radicais em São Paulo, e a Diana disse "Olha, João, não vou ficar até o fim porque me chamaram para Paris porque o Guga está ganhando de todo mundo." Quando ela voltou… Eu tinha feito fotos de Brasil x EUA na Copa Davis, em Ribeirão Preto, onde o Guga jogou. E aí eu tinha umas fotos legais do Guga, a Diana pediu e eu fiz umas 150 ampliações, 12x18cm, era o máximo! E ela mandava pelo correio para os jornais terem fotos. Porque não tinha! Não tinha foto do Guga! O Guga era uma novidade total.

Não tinha internet ainda, né?

Era fax, era tudo por fax. Então não tinha. E a foto você mandava por telefoto, então a qualidade que chegava era muito ruim.

Guga, imagino, rendeu momentos interessantes, né?

Tem uma história que é bem o espírito do Guga. Ele tinha vencido Roland Garros, aí tinha uma grande feira de calçados em São Paulo. O Guga foi chamado no estande da Diadora para conversar com a diretoria, todo mundo queria dar um abraço. Um diretor falou assim: "Guga, fala o que você precisa. Como você quer que a gente evolua esse tênis, que fique mais confortável para você, quantos pares você precisa…" E o Guga: "Olha, na verdade, eu queria uma chuteira porque ando jogando futebol com meus amigos, e minha chuteira está muito ruim" (risos). Ela estava preocupado com a chuteira! Isso é bem Guga!

A demanda mudou? O que te pedem hoje nos torneios é muito diferente do que te pediam 20 anos atrás?

O que mudou é a rapidez e o foco. Se eu tiro uma foto de um cara sacando com a língua de fora, isso para a mídia social é [ótimo]… Para um jornal, não. A mídia social gosta de uma cena mais engraçada, um bastidor. Você acaba fotografando muito mais coisas do que fotografava antes. Antes, você focava mais no jogo em si, no que você tinha que fazer.

Era mais notícia do que curiosidade?

Hoje, a curiosidade, se não passou na frente, está muito próxima.

E que tipo de jogo é melhor de fazer? Quer dizer, existe um tipo melhor?

Olha… Eu não gosto de fazer juvenil, infantil, porque o jogo é muito enrolado. O menino vai para o primeiro saque, erra e vai para a toalha. Não tem muita dinâmica. Mas eu gostava de fazer os 18 anos quando tinha aqueles jogos pegados. E os jogos profissionais são muito bacanas.

Que tipo de tenista é o melhor para fotografar?

É o nervoso (risos). O nervoso é o melhor. Tem tenista que não dá foto. É o cara que joga muito de pé, aquele Sjeng Schalken [vide foto]. Você ficava o jogo inteiro e fazia uma foto legal. É um cara que não agacha, está sempre com aquela expressão gelada… O Rogerinho é fantástico de fotografar. Está sempre fazendo careta. O Guga era muito bom para fotografar.

E dos estrangeiros, de quem você gosta?

Fognini é ótimo!

Verdasco?

Verdasco também. O Nadal é fantástico. Ele tem aquela cara de intensidade… É muito louco.

Quem foi o tenista que mais te deu foto boa?

O Guga deu muita foto boa. O Meligeni deu muita foto. O Meligeni é fantástico para fotografar. As expressões dele, aquele jeito meio desengonçado dele… O Meligeni também, para fotos, é maravilhoso.

Tem cara que você sente que está fazendo alguma coisa porque sabe que você está ali na beira da quadra?

O Lindell (risos). O [Christian] Lindell, teve um evento, ele fazia gran willy, não sei o quê, virava pra mim e fazia um gesto de "pegou?" O Lindell foi muito engraçado. E na hora da premiação ele agradeceu aos patrocinadores, aos boleiros e ao fotógrafo (mais risos).

Você fez muitos jogos de Guga e Meligeni?

Não muitos. Eu lembro daquele campeonato brasileiro no Harmonia. Aquele famoso em que o Guga perdeu do Adriano Ferreira, e a Folha de S. Paulo saiu com "Guga perde para cardíaco" na capa. O Adriano tinha feito uma correção numa válvula, uma coisa simples, né? E para a Folha, o Adriano Ferreira era cardíaco. Mas Guga e Meligeni eu fiz pouco.

Você tem pesadelo com fotos que você perdeu? [deixou de fazer]

Em todo jogo, você perde foto. Hoje, eu estava indo fotografar um jogo na Central, do [Thiago] Wild, e falei "não vou chegar perto da quadra porque a bola está em movimento", aí o Wild vai para a rede, pega uma bola toda torta (risos)… E eu estava respeitando o momento do jogo e perdi a foto. Isso todo jogo tem. Deu uma distraída…

Mas isso te deixa puto por quanto tempo?

Quanto tempo eu fico puto? (risos)

É porque você está lembrando agora de algo que aconteceu 5 horas atrás…

Depois é que chega. Você vai trabalhar, consegue fazer uma foto legal e aí meio que [passa]… Mas essa em especial porque o Wild fica muito no fundo de quadra. Aliás, todo mundo fica no fundo de quadra, né? Então é raro eles virem à rede, então você tem que estar pronto.

E a foto do [David] Beckham que você perdeu? (risos)

Na Copa do Mundo… Eu estava na área VIP do Maracanã, fotografando para a Nestlé, que tinha uma turma de convidados VIPS e não sei o quê. Aí passam o Zico e o Beckham, cada um para um lado. Eu fui para o lado do Zico. Não achei nunca mais o Beckham (risos).

Isso acontece com frequência?

Fotografia é isso, é oportunidade. Viu, tem que fazer. É difícil você conseguir aquela condição, naquele momento ali… Pô, ele passou do meu lado! E o Zico estava ali… Mas isso não me assombra. Eu preferi fotografar o Zico, vamos deixar bem claro isso (risos). No tênis, não me lembro de uma foto assim "puta, olha o que eu perdi."

O legal é que você fala com bom humor, que é outra característica sua. Todo mundo fala isso. Eu sempre conto para as pessoas que no dia que roubaram uma câmera sua no Rio Open, eu fiz uma foto sua com você mostrando os bolsos vazios.

É.

Quantos caras fariam isso? Num dia daqueles, sabe?

E foram duas câmeras!

Aliás, quantas vezes você já foi roubado?

No Rio Open, num torneio de golfe, dentro de um clube de golfe finíssimo, e mais uma vez no Rio de Janeiro, num torneio de vôlei de praia, quando me roubaram o computador.

Quando seus filhos começaram a trabalhar com você?

O mais velho [João – ou Joãozinho, na presença do pai – tem hoje 35 anos] devia ter 15 anos. Dentro desses eventos de triatlo em que eu conheci a Diana [Gabanyi]… O triatlo é uma coisa dinâmica, mas é muito fácil de fotografar. O cara vai passar por você, você tem os pontos-chave. Às vezes eu não podia ir fotografar, contratava alguém e o cara chegava atrasado, maltratava quem tinha me contratado… E os meninos sempre iam comigo. Falei "Quer saber? Vou deixar uma máquina com cada um". Eu fazia a minha parte, depois revelava os filmes dele e comecei a falar "Que que é isso? Está vindo foto, olha que legal!". E, naturalmente, foi indo. Até que um dia eu não fui e falei "Hoje, quem vai fazer o triatlo são vocês três." O pequeno também foi. O pequeno, o André [hoje com 32 anos], ficava na coordenação. "João, vai para lá", "Agora é hora de ficar na transição", "Luiz, vai pegar a bike", e ficou um trabalho excelente. A partir daí, eles foram se animando. Não teve forçação de barra, nada. Foi uma coisa muito natural. Aí teve um torneio do homem mais forte do mundo, eles fizeram também. Até o pequenininho fez, com uma máquina que era maior do que ele. Foi bem bacana a forma como eles entraram na fotografia. Não tinha pressão, não tinha cobrança. Acho que por isso, eles gostaram.

Quanto tempo a Fotojump já tinha?

Isso foi com uns cinco ou seis anos de Fotojump. O Luiz [33 anos] ficou… O André fotografa muito bem, tem um feeling muito bom, mas não quis investir [é treinador de futebol, mas de vez em quando se junta à equipe, como no Rio Open].

E os outros dois estão com você o tempo todo?

Antes, eles estavam comigo. Hoje, têm algumas coisas comigo, mas têm os clientes deles, eles foram para o vídeo também. O mais velho faz muita coisa de escolas, de fotografar primeira comunhão, essas coisas, mas também fotografa esporte, fotografa rugby, tênis… E o Luiz também fotografa esporte e faz muito vídeo.

Que esportes que você já fez e faz?

Eu já fiz vela, sumô, vôlei, vôlei de praia, basquete, tênis, golfe, rugby, canoagem… Difícil encontrar um esporte que eu não tenha feito.

Como é esse mercado? Quem é que contrata mais?

Mais as promotoras. Federações também.

É um mercado bom? Você indica? Porque o jornalismo mudou demais, encolheu, as redações diminuíram e ninguém indica para ninguém (risos)…

Mudou muito. A fotografia também encolheu. E mudou a forma de você apresentar seu trabalho. Antes, você fazia o trabalho para mostrar o esporte e com a placa do patrocinador atrás. Hoje em dia, você trabalha para redes sociais, para institucional… Às vezes, não importa ter a placa atrás, o que importa é a rapidez, botar isso no ar rápido. Nesse ponto, você vai se adaptando.

Você faz foto de celular?

Muito pouco.

Nem de lazer?

Não gosto. Eu gosto de colocar a câmera… A câmera no teu olho, fica uma coisa só. O celular fica uma coisa afastada, não…

Não gosta de selfie?

Não gosto! Não faço (risos). O legal é pegar a máquina e ser uma coisa só, é ter a máquina ai, pulsando com você.

Que evento você não faz nem que te paguem um milhão? Tem amigo meu que não faz casamento, por exemplo…

Casamento eu só fotografo de gente que é próximo, mas já fotografei muito. Hoje em dia, não é muito a minha…

Mas tem algum tipo de evento que você diz "isso é um saco"?

Essas coisas sociais, pessoal querendo aparecer.

Foto posada, né?

É! Eu gosto de ação, sem produção e que eu esteja ali escondido e ninguém precise ficar me chamando, "vem aqui fazer isso"…

E o que te irrita mais na fotografia hoje?

É você querer fazer o seu trabalho e ter oitocentas pessoas com o celular na tua frente, atrapalhando. Aí a pessoa que você está fotografando não sabe se olha para você, se olha para o lado, se olha… Isso é terrível. Quando é aquela centena de celulares… Quando são vários profissionais, é mais fácil. A gente se respeita um pouquinho mais. Mas quando é mãe, tio, amigo, fã, aí é um inferno. É a pior situação.

E o que dá mais prazer?

É quando você faz uma foto que você não esperava e só você conseguiu.

Fica mais feliz sabendo que fez a foto que você queria ou vendo ela publicada em algum lugar?

Ver ela publicada é muito bacana, principalmente quando eu trabalhava em jornal, vendo a foto impressa. Eu, nascido em jornal, me formei em jornal, ver a foto impressa num jornal, numa revista, tem um peso. Mas uma foto publicada, bem aproveitada, me dá muito prazer.

Então… No Estadão, teve algo assim?

Teve um episódio bom com o Jânio Quadros (risos). Ele foi eleito prefeito de São Paulo, ganhando do Fernando Henrique Cardoso, aí todo mundo foi para a frente da casa do Jânio ver o que ele ia fazer. Aí ele aparecia na janela do apartamento… Todo mundo lá embaixo… Até que ele resolve descer, e em frente à casa dele tinha um Pão de Açúcar. Ele entra no Pão de Açúcar, vai todo mundo em cima, não sei o quê… Eu fotografei ele perto da banca de frutas, onde tinha bananas e abacaxis. Ele ficou puto. Ele ficou puuuuuto! Aí, na hora que ele passou pelo caixa, eu continuei fotografando, ele disse: "Eu vou descobrir onde você trabalha. [João imita a vez de Jânio neste momento]" 'Não tem problema, eu trabalho no Estadão.' "Vou falar com o Júlio Neto [novamente imitando a voz de Jânio]. "Vou falar com o Julio Neto [Júlio de Mesquita Neto foi editor responsável pelo Estadão de 1969 até 1996]", ele falou. 'Novamente, pode falar com o Julio Neto. Foi ele quem me mandou vir aqui te cobrir.' "Vá cobrir a sua vó", ele disse. Aí teve uma coletiva em seguida na casa dele. Todo mundo subiu, eu entrei. Ele falou assim: "Você, seu canalha, fora!" (risos).

(Mais risos)

Ele não tinha a menor educação. Eu, no Estadão, peguei o fim da ditadura, peguei as Diretas Já [João Pires aparece na foto acima ao lado de Leonel Brizola, de bigode e com a câmera na mão]. Naquele comício, eu fiquei pendurado no palanque por quatro horas. Aquele comício das Diretas na Praça da Sé… Esse foi um dos eventos mais bacanas que eu fiz. A morte do Tancredo… Eu fiquei pendurado no palanque por quatro horas. Não podia sair dali antes porque era um mar de gente. Então o motorista ia, de carro, debaixo do palanque. Eu jogava os filmes [usados] para ele, e ele jogava os filmes [novos] para mim. Para ganhar tempo.

Tem alguma foto que você sempre quis que todo mundo usasse e ninguém aproveitou?

É do Lindell também, né? De novo, Lindell (risos). Lindell, sueco, carioca… Estou num torneio fotografando, e o Lindell, na hora de sacar, dava uma puxadinha na camisa e fazia o movimento de saque. Aí aparecia a cueca dele: "Bjorn Borg" [o famoso tenista sueco tem uma linda de cuecas e calcinhas]. Eu falei "puta, essa é a foto!" Um sueco usando cueca do Bjorn Borg, vai estourar. Nunca ninguém publicou (mais risos)! Eu fiz ele em vários torneios, até ele parar de usar. Porra, ninguém usou (a foto). Tinha uma época que o UOL usava umas fotos diferentes… Nunca! Nunca, nunca, nunca. Ninguém usou.

Eu já vi essa foto e não usei (risos). Mas tem alguma foto que usaram muito e que você não esperava?

(longa pausa para pensar) Não sei porque é outra coisa ruim de ser formado em jornal. No jornal, depois de amanhã já vai embrulhar o peixe. Então você está sempre se reprogramando, se reciclando, é muito volátil. Fotografou, vale hoje. Amanhã, já não vale mais.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.