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Saque e Voleio

Curtinhas de São Paulo e um papo com Rafael Matos, o campeão

Alexandre Cossenza

06/05/2018 15h58

O segundo torneio Future do calendário brasileiro teve mais um campeão local. Desta vez, foi Rafael Matos, atual #513 do mundo, que levantou o troféu de simples. No caminho, o gaúcho de 22 anos passou por Augusto Laranja, André Miele, Carlos Eduardo Severino, Igor Marcondes e Gonzalo Villanueva. Foi uma ótima semana de Matos, que esteve uma quebra atrás de Laranja no terceiro set e salvou três match points contra Severino, em uma partida que teve um final bizarro (leia mais adiante neste post).

Sobre o gaúcho, que deve subir para cerca de #480 no ranking do dia 14 de maio, o que digo é que adoro vê-lo jogar. Matos não tem a potência natural de outros jovens de sua idade, mas tem uma leitura de jogo invejável. Sabe trabalhar pontos como poucos, sabe sair da defesa para o ataque, usa bem os ângulos e spins e tem um bom slice de defesa/variação. São poucos seus erros por escolhas ruins, por isso o gaúcho consegue vencer jogos em dias não tão bons – o que não é tão comum assim neste nível de torneio.

Além disso, Matos é discreto. Fora de quadra, fala pouco. Dentro, faz pouco escândalo. Não reclama demais quando erra, não exagera nas comemorações quando as coisas estão indo bem. Quando tudo em seu jogo está funcionando, é muito, muito interessante de ver. Abaixo, repito o esquema do post da última semana: notinhas sobre o evento e uma entrevista com o campeão.

– Uma das preocupações de muita gente com ranking para jogar esse nível de torneio é quanto ao Circuito de Transição que a ITF iniciará ano que vem. O problema é que a federação internacional não deu muitos detalhes de como a coisa vai funcionar. O que se sabe, por enquanto, é que os torneios de US$ 15 mil continuarão dando prêmio em dinheiro, mas não darão mais pontos para o ranking da ATP. Em vez disso, serão distribuídos pontos de transição, que definirão um outro ranking. Este, por sua vez, determinará quem jogará os torneios com premiação maior.

– Essa aqui ficou fora das curtinhas de Rio Preto, mas vale menção aqui. Muita gente não entende a diferença de grafia no nome dos irmãos "Rogério Dutra Silva" e "Daniel Dutra da Silva" no site da ATP. Conversei com Danielzinho no Harmonia, e a resposta dele foi divertida: "Rogerinho não gosta do 'da'". Segundo o irmão mais jovem, o "da" está em todos documentos de Rogerinho, mas o mais velho pediu que a ATP retirasse as duas letras de seu site oficial.

– Thiago Wild não conseguiu emendar o título de Rio Preto com uma boa semana em São Paulo. Acabou eliminado na estreia pelo argentino Francisco Comesana, de 17 anos e ainda #1912 do mundo. Enquanto Comesana arriscou pouco, mas foi muito consistente, Wild cometeu vários erros. As condições de jogo em SP estavam muito diferentes das de Rio Preto (mais umidade, bola mais lenta – Wilson US Open x Wilson Championship, menos calor), e o paranaense parece ter sentido. E vale o comentário: não é exclusividade de Wild, mas é curioso como é raríssimo ver um brasileiro fazer duas grande semanas em sequência.

– Impressionante o número de pessoas contratadas da chamada "indústria de apostas" que foram expulsos do Paineiras durante a semana. Quase todos foram flagrados com celulares relatando o que acontecia nas partidas. Ainda é uma prática comum nos torneios pequenos, especialmente porque há um delay considerável (cerca de 30 segundos, dizem) entre o momento em que o árbitro marca o ponto e a atualização do placar em tempo real. Quem recebe esses resultados antes tem vantagem especial naquelas apostas sobre como vai terminar o ponto seguinte.

– Um papo interessante que bati no Paineiras foi com o jovem Igor Marcondes, de 20 anos, que vem fazendo o possível para custear sua carreira. Seus pais fazem rifas, os sogros ajudam, ele dá clínicas e bate-bolas. Cada real vale muito. A entrevista está neste link. O que não está na entrevista, contudo, é o quanto os olhos de Marcondes brilhavam quando ele falava o quanto gosta de jogar e competir. O paulista me pareceu um jovem muito simples e muito bacana. Desejo tudo de bom a ele.

– Outro momento legal da minha semana foi a visita ao Instituto Tênis, guiada pelo diretor executivo Cristiano Borrelli. Conheci o projeto e suas instalações em Barueri e voltei realmente impressionado com o plano que eles elaboraram e sua capacidade de captar verbas. Farei um post em breve, incluindo uma entrevista com Borrelli.

– O momento mais curioso da semana, sem dúvida, foi o abandono de Carlos Eduardo Severino na partida contra Rafael Matos. Ele desistiu no match point, quando perdia o terceiro set por 6/5 e 40/15. Severino chegou a ter 5/2 na parcial e três match points no serviço de Matos. Depois, sacou em 5/3 e 30/0, foi quebrado (deu azar no game, com uma bola de Matos desviando na linha e uma bola que tocou na fita e saiu de seu voleio) e sentiu o momento. Perdeu o saque de novo no 5/5. Então, com Matos sacando em 6/5 e 30/15, Severino teve um smash perto da rede para igualar o game. Errou e decidiu não jogar mais. Foi até o árbitro e avisou o abandono.

– Matos também conquistou o título de duplas, repetindo o resultado de Rio Preto, quando também foi campeão ao lado de Marcelo Zormann. Se não fica tão óbvio quando o gaúcho está jogando simples, suas atuações nas duplas mostram que seus voleios e smashes também são ótimos. Combinados com o com pacote saque+devolução de Zormann, outro bom voleador, são mortais. Já dá vontade de vê-los jogando um nível acima na modalidade. Este ano, Matos e Zormann já disputaram cinco torneios juntos e fizeram final em quatro.

– O domingo da final também marca o fim de meu período de dois meses em São Paulo. Fora a distância da família, foram dias muito legais. Revi amigos, (re)visitei cervejarias artesanais, comi bem e fui bem atendido. Joguei tênis, gravei um podcast, comi bem, fui bem atendido… Provei um pouco do que faz a capital paulista um lugar tão fascinante e saio com a certeza de que faltou ver e experimentar muita coisa legal. Quem sabe se daqui a pouco eu não volto?

– Pequena curiosidade: Matos vai enfrentar na primeira rodada do Future de Brasília o mesmo Gonzalo Villanueva que encarou na final em São Paulo. Estarei lá, novamente a convite do Instituto Sports, que organiza os três primeiros Futures do calendário brasileiro em 2018. Quando perguntei no sábado se ele já havia visto a chave de Brasília, só me olhou e riu. Veja abaixo o papo que batemos após a final de simples.

Qual foi o momento-chave para você nesta semana?

Na primeira rodada, com o Augusto, ali, foi um jogo bem duro. No primeiro set eu estava bem, solto, indo para as bolas. No segundo, ele elevou o nível e me fez errar um pouquinho mais. Saquei 6/5 para fechar, fiquei um pouco pressionado e não fechei, mas no terceiro voltei bem. Na segunda rodada, com o Miele, joguei bem. Ele não teve muita chance no meu game de saque. Depois, nas quartas, esse aí seria o chave, eu acho (risos). Três match points contra?

Foram três?

Três. No 2/5, meu saque. Eu saí no primeiro set, depois deu apagão ali. 6/0 e 5/2 pra ele, 15/40 no meu saque e depois mais uma vantagem contra. Busquei ficar sólido e quando ele foi sacar em 5/3, sentiu um pouco para fechar. Eu aproveitei, fiquei botando as bolas e deixei ele errar.

Você ganhou um jogo em que não esteve tão bem e depois, da semi em diante, você jogou melhor, né?

A gente até comentou aquele dia* que é importante ganhar jogando mal e isso me fez crescer no torneio. Quando tu passa das quartas para a semi, te dá confiança no torneio, e tu passa a jogar mais solto, mais para a frente. Com o Igor, ontem, achei um jogo bem bom, e hoje o cara [Villanueva] cansou um pouco. Ele tinha jogado todas partidas com mais de três horas. Eu fiz o meu, fui bem agressivo, pressionando ele o tempo todo, não deixando ele confortável e… foi isso aí.

[Conversei com a mãe de Matos após o jogo contra Severino, e ela me disse que o filho ficaria chateado mesmo ganhando aquela partida. Em seguida, encontrei Matos, e conversamos sobre isso. Lembro de ter falado que ele deveria comemorar porque é raro ver gente ganhar jogando mal nos Futures. Ele me respondeu com um sorriso e algo do tipo "ganhei mais uma chance pra jogar amanhã".]

A final foi seu melhor jogo do torneio?

Tecnicamente?

Sim.

Acho que sim.

É seu terceiro título de Future. Compara a sensação dos três…

O primeiro é muito louco. Eu não esperava nunca vencer. Eu vinha de seis finais de quali seguidas na Europa, e aí fui jogar a final do quali da sétima semana muito nervoso. Ganhei 6/1 e 6/0, mas assim, ó… travado. Foi indo, jogo a jogo, fui crescendo e, não sei como, acabei ganhando [Matos conta essa história neste post, quando o entrevistei após o título do Future de Santos, em novembro do ano passado]. Em Santos, joguei bem, constante a semana inteira. A sensação do primeiro foi diferente, mas neste último eu já sinto que posso entrar e… Não preciso jogar o meu melhor assim… Já me sinto pronto para ganhar mais semanas.

Você fez quartas em Rio Preto e perdeu do Thiago Wild, que foi campeão. Sentiu seu tênis evoluir de uma semana para a outra? Ou nem tanto, foi mais azar da outra chave?

Nem tanto. Foi mais as condições diferentes, bastante pela bola. Lá era mais rápida (Wilson Championship), aqui era mais lenta (Wilson US Open). O estilo de jogo lá encaixou melhor para ele, e esta semana eu consegui aproveitar bem esse tempo que esta bola dá a mais porque eu prefiro esse tempo par afazer as minhas bolas.

Você está treinando com quem em Porto Alegre?

Rodrigo Ferreiro [irmão de Franco Ferreiro]. Comecei em dezembro.

Como está sendo a experiência nova? O que você acha que isso já agregou ao seu tênis? Ou ainda é cedo para dizer?

Não, acho que já dá para ver bastante diferença na agressividade. Desde que eu comecei a treinar com ele, praticamente a gente só treina ataque, winner, ir para cima mesmo. A gente vem treinando, trabalhando bastante o saque, mas é um ponto que ainda dá para melhorar bastante, de ter a confiança para sacar mesmo e não ficar tanto no efeito no primeiro saque. E o backhand cruzado está bem rápido, a gente incorporou bem também.

Há quanto tempo você não morava com a família?

Dois anos. Estava dois anos em Itajaí. Quando chega em casa, no fim do dia, é bem melhor. Em Itajaí, por mais que tinha os amigos e tudo, fica bem mais leve a semana morando em casa. Chegava quarta-feira em Itajaí, nossa, eu já estava louco para ir para casa, em Porto Alegre. Agora passa muito leve a semana.

A namorada é de Porto Alegre também, né?

É.

Ajuda também, né?

Bastante (risos).

Faltam duas semanas de Futures [Brasília e Curitiba]. Ganhar aqui muda o que você pensava de objetivos para esses quatro torneios?

Ah, acho que já ajudou. Deu uma somada boa, mas ainda falta um pouco para o objetivo.

Não está satisfeito ainda?

Não, estou muito satisfeito. (risos)

Mas não acomodado, né?

Não. Estou por mais! Estou com a confiança lá em cima e vamos… em busca de mais!

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.