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Marcondes: rifas, clínicas e treino até antes do café para seguir no tênis

Alexandre Cossenza

03/05/2018 10h12

Gosto de pensar que alguém só entende – mesmo – o momento de um país no tênis quando visita um torneio da série Future. Para os "não-iniciados", explico que os Futures são os eventos de entrada no circuito profissional. Enquanto slams como Wimbledon e Roland Garros distribuem milhões de libras e euros, os pequenos Futures dão US$ 15 mil – valor a ser distribuído entre todos que estão na chave principal. O campeão de simples leva para casa US$ 2.160.

Que ninguém despreze os Futures por isso. São torneios importantíssimos para o desenvolvimento de talento local em qualquer parte do mundo. E é neles que a gente vê – de verdade – como é duro seguir no circuito profissional. Nesta semana, conversei com o paulista Igor Marcondes, de 20 anos. O jovem nascido em Caraguatatuba já foi considerado uma grande promessa. Foi vice-campeão do Banana Bowl, um dos maiores torneios juvenis do país, teve ajuda financeira da Confederação Brasileira de Tênis (CBT) e contrato com o a Koch Tavares (que assinou com Thomaz Bellucci no início da carreira). Vários releases de torneios e da promotora o colocavam em grande destaque.

Quando Marcondes fala de tênis, seus olhos brilham. É um apaixonado pelo que faz. No entanto, ainda não deu o desejado salto no ranking. Hoje, ocupa o #835 no ranking mundial. A ajuda da CBT acabou. O contrato com a promotora, idem. Para se manter jogando, dá clínicas, bate bola e conta com ajuda dos sogros. Sua mãe e seu pai fazem rifas. Vale tudo para alimentar o sonho. E, ainda assim, o paulista diz que não sabe o que vai fazer daqui a um mês porque pode não ter dinheiro para seguir competindo.

Não é questão de dramatizar além da conta. A história de Marcondes talvez não seja s mais triste do tênis brasileiro. O paulista não é o único a trabalhar duro ou a guardar cada real possível para continuar viajando. Mas é uma história de um menino simples, esforçado e talentoso e que precisa ser conhecida. Publico nesta quinta-feira, um dia depois de Marcondes avançar para as quartas de final do Future de São Paulo (onde estou a convite do Instituto Sports) com vitórias sobre José Pereira (#560) e Alexandre Tsuchiya (#946). Rolem a página e fiquem por dentro.

Você começou o ano jogando torneios em Portugal e no Egito (em oito torneios, os melhores resultados de Marcondes foram oitavas de final no Egito). Como foi essa viagem?

Eu fiz uma preparação muito boa para esses torneios. Eu estava bem, fui jogando muito bem, mas os resultados não saíram como a gente planejava. Aconteceram algumas coisas e acabou que os resultados não saíram, mas eu continuei focado porque tinha os torneios no Brasil e, querendo ou não, perdendo lá eu estava me preparando para os torneios daqui.

O que não deu certo lá?

Foi mais querer enfrentar… Pra mim, uma gira muito longa, eu não sou muito acostumado a fazer. E era uma gira de torneios duros, não tinha rodada fácil e por ser em quadra rápida, dificultou um pouco mais.

É ruim de jogar no Egito?

Era em Sharm El Sheikh, o resort é bom, as quadras são um pouquinho mais rápidas do que o normal, e tem aquela questão de que são quatro quadras só. Para treinar, ficava um pouco ruim. Eu e o técnico, a gente ia para a quadra às 6h30min da manhã e ficava lá das 6h30min até as 8h. E só depois tomava café porque quando você perdia você não conseguia treinar. E a gente ficou um mês assim direto. Em Portugal foi um pouco mais fácil porque tinha mais quadra.

E dá para treinar de jejum?

Ah, a gente pegava um pão, fazia um lanche na janta pra levar para a quadra de manhã porque não tem como aguentar sem comer (risos).

Semana passada, você jogou seu primeiro Future no Brasil, que foi em São José do Rio Preto. É melhor do que no ano passado, quando o primeiro Future aqui foi só em novembro. Ainda não é o ideal, mas ajuda não precisar sair do país. Como você está fazendo para viajar? Porque imagino que a matemática seja assim: se não tem torneio, você não joga, não ganha dinheiro e não tem como viajar. E aí, como faz?

Eu não tenho apoio, né? Então o pessoal de Caraguá me ajuda um pouco quando eu preciso viajar. Minha mãe e meu pai fazem algumas rifas para isso. Em São José dos Campos, onde eu moro [Marcondes treina na Afini Tennis], eu consegui o contato de algumas pessoas do clube e bato bola com eles à noite para conseguir um dinheiro também para viajar. Eu estou indo assim, mas nada de ficar lamentando. Nunca deixei de fazer nada por conta disso, então…

Até agora, deu para fazer o calendário que você queria?

Sim.

Que tipo de coisas seus pais rifam?

Ah, então… A gente faz mais bate-bola porque não tem muito o que rifar… Minha mãe fez de um perfume também. Meu pai às vezes faz algum evento lá na quadra. Ele é professor de tênis, tem uma academia com duas quadras para conseguir arrecadar algum dinheiro. E tem meus sogros também, que me ajudam na parte financeira quando estou muito apertado, quando eu não consigo arranjar dinheiro. Eles são como outros dois pais para mim. No Egito, foi um pouco disso. Eu passei muito aperto e se não fosse eles, eu estaria lá ainda porque não teria como voltar. Eu sou muito grato aos meus pais, Mariza e Jucelino, pelo que eles fazem por mim, e pelos meus sogros e pela minha namorada e também ao Leandro porque já fez e ainda faz muita coisa por mim.

A CBT te ajudou por um tempo, não?

Sim, ela me ajudou bastante no meu juvenil, na minha transição. Também passou um período de dificuldades, naquela baixa dos Correios [o principal patrocinador da entidade reduziu drasticamente seu apoio ao tênis], e eu também não tive muito resultado na transição, então, querendo ou não, eles estão certos de não me ajudar agora. Mas eu sou muito grato ao que eles me ajudaram no juvenil e na transição porque fiz várias viagens com eles.

Para os próximos meses, o que você planeja? Imagino que Brasília e Curitiba [Futures disputados nas próximas duas semanas]…

E acabou! Não tenho o que jogar porque não dinheiro para viajar por enquanto. Não sei o que vou fazer. Posso, de repente, conseguir algum dinheiro jogando esses próximos três Futures, mas a gente ainda não tem calendário porque não tenho dinheiro. A gente ainda vai ver o que fazer, se eu vou continuar treinando… Não sei.

Gostei de seu jogo com o Zé ontem [a entrevista foi feita antes da vitória de Marcondes sobre Tsuchiya, nas oitavas]. Você está mais feliz com seu tênis agora?

Comparando com Portugal e Egito, sim. Em Rio Preto, eu joguei bem também, só que não consegui manter meu nível do começo ao fim. Tive uma caída, e o Gutierrez cresceu no jogo. Com o Zé, eu já tinha jogado com ele três vezes e tinha perdido pelos mesmos erros as três vezes. Hoje, o foco era conseguir jogar com uma intensidade lá em cima do começo ao fim e ficar com atenção nos erros que cometi nos outros jogos. E consegui jogar muito bem.

E o que você gosta mais no tênis?

É um esporte muito bom. Você consegue conhecer novos lugares, pessoas, estar em lugares diferentes. E entrando na quadra, você não sabe o que vai acontecer. Pode acontecer de tudo. Já vi várias viradas, jogos muito longos, às vezes as cosas não acabam dando certo, mas sempre tem um torneio na próxima semana para ir melhor. Então não consigo me ver sem o tênis. Eu amo o tênis. Enquanto dar para eu seguir, eu vou seguir com todas minhas forças.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.