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Zormann: 'paitrocínio' e interclubes para jogar, choque para vencer

Alexandre Cossenza

01/05/2018 07h00

Campeão juvenil de duplas em Wimbledon/2014 e ex-número 12 do mundo entre tenistas até 18 anos, Marcelo Zormann já viveu dias menos complicados. Depois de um período de poucos resultados entre os profissionais, o jovem de 21 anos decidiu trocar Itajaí por São José do Rio Preto no fim de 2017. Deixou a ADK, academia parceira da CBT, e retornou ao Harmonia Tênis Clube, onde passou boa parte de sua formação como tenista.

Na volta a Rio Preto, Zormann está em boas mãos. Treina com Edvaldo Oliveira e Thiago Alves, velhos conhecidos. Um ex-top 100 e um técnico que formou este top 100. Só que o pacote dessa mudança inclui alguns desafios adicionais. O tenista perdeu um patrocinador e não vem recebendo mais ajuda financeira da Confederação Brasileira de Tênis (CBT). Atual número 814 do mundo (e #330 em duplas), Zormann encara a nova realidade com otimismo e com alternativas para financiar a carreira.

Conversamos no Harmonia Tênis Clube, na semana passada, e o jovem nascido em Lins (SP) falou de seu momento e de como vem precisando mais da ajuda do pai. Zormann também espera pagar suas contas com o dinheiro que vai ganhar ao jogar o famoso Interclubes alemão e com o ranking de duplas. Ele também fala da relação com Thiago Alves e como o ex-top 100, agora seu técnico, vem ajudando ao dar um "choque" de intensidade em seu tênis. Leiam a íntegra abaixo:

Parece uma mudança grande: você sai de Itajaí, onde ficou por mais ou menos dois anos, e vai para São José do Rio Preto. Muda cidade, muda treinador, muda clima, etc. Mas, no seu caso, não foi tão radical, né?

Claro que os primeiros dias foram um pouco, não esquisitos, mas diferentes. Faz quatro, cinco anos que saí daqui. No começo, foi um pouco estranho, mas foi mais fácil do que quando, por exemplo, me mudei daqui de Rio Preto para Porto Alegre.

Quando foi que você bateu o martelo para voltar para cá? Eu lembro que o Orlandinho [que também treinava em Itajaí, na ADK] já estava decidido em novembro, mas você ainda não saiba o que fazer. O que pesou?

Isso foi no fim das minhas férias porque a princípio eu estava decidido a ficar em Itajaí. Eu passei o começo das férias em Lins, depois o Ano Novo com a família da minha namorada, e os últimos dias com o meu pai. Foi quando a gente teve umas conversas. Ele colocou várias coisas, eu acabei pensando, e a gente acabou tomando junto essa decisão de voltar para cá. Meu pai meio que queria que eu saísse, e eu já tinha aqui como minha primeira opção. Eu já tinha conversado com o Edvaldo [Oliveira] e o Thiago [Alves] para saber se eles me aceitariam de volta. Não era só eu querer.

Você já tinha trabalhado com o Edvaldo, né?

Sim. Foi coisa de dois anos, dois anos e meio. Essa relação veio através de um cara em Lins, que era dono de uma empresa chamada Proseg, que me ajudava na época. O pai dele tinha ajudado o Edvaldo quando o Edvaldo era mais novo. E meu vô sentia que eu precisava sair de Lins para seguir evoluindo, melhorando meu jogo. Na época, o Edvaldo foi para Lins me conhecer, e foi quando eu acabei me mudando para cá.

E o Thiago, eu imagino que você chegou a vê-lo treinando aqui no Harmonia, na época em que ele ainda era profissional…

No começo, eu via os treinos dele. Aos poucos, o Edvaldo foi me colocando para treinar com o Thiago. Eu conseguia treinar muito bem, estar numa intensidade alta e manter aquilo para treinar junto com ele.

Isso você tinha o quê? Uns 14 anos?

É, 15 anos. Ele ainda jogava. Quando eu saí, ele já estava parando. A gente treinava mais tempo juntos e em alguns treinos ele queria mais me dar treino do que treinar ele mesmo, sabe? (risos). Não sei se é porque ele já estava parando, mas criou uma relação muito boa.

E como é o Thiago treinador hoje?

O Thiago é um cara muito intenso, de fazer tudo com muita intensidade. Isso é muito bom e, cara, eu gosto bastante da maneira dele. Eu vejo que combina um pouco, dá um certo equilíbrio. Eu sou um cara mais passivo, paciente. Ele é o extremo contrário, então ele vem com a intensidade, eu me alerto, e dá um resultado muito bom.

Uma coisa que o Thiago me disse outro dia é que, para ele, ao tenista brasileiro, de modo geral, falta referência. O exemplo que ele deu foi você, Orlandinho, João Menezes e Rafael Matos. Os quatro treinando juntos, mas sem ninguém num nível acima para puxar vocês. Pensando agora, isso fez falta? O que deu errado para vocês lá?

Eu acho que, querendo ou não, com certeza dá uma diferença. Digo isso pelas várias experiências que eu tinha na Davis. Toda vez que eu saía de lá, saía com uma energia, sempre muito bem, com confiança por estar treinando em um nível melhor. Todas as Davis, para mim, foram muito boas nessa questão. Talvez isso acabe influenciando, sim. É que é difícil afirmar, mas isso é um grande diferencial da Espanha, por exemplo. Eu estive com o Orlando na Turquia, ele me falou "Não acho que tenha tanta diferença nos tipos de treinamento" e tudo mais, mas a grande vantagem é essa. Agora está rolando o ATP ali de Barcelona e, mesmo fora do ATP, ele diz "Num dia, estava treinando com um cara que é 150. No outro, com um cara 100. No outro, um 200". É uma vantagem que os caras têm. Como o Brasil é muito maior [em tamanho] do que a Espanha, acaba dificultando. Lá, os caras estão ou em Barcelona ou em Madri. Geralmente, é Barcelona, que tem as condições mais próximas com as da grande maioria dos torneios.

Não estou querendo culpar vocês, o Patricio [Arnold, que comanda a ADK] nem ninguém, mas o que você acha que faltou lá?

Cara, eu nunca parei pra pensar muito bem nisso. Na época, teve um ano que o [João Pedro] Sorgi passou com a gente e terminou o ano top 300 ou #320. Foram dois anos em que a gente buscou coisas muito boas, mas que não deu certo e, com o Sorgi, deu. Acho que foi no fim do segundo ano… A gente estava tentando jogar sempre os torneios mais fortes. Isso era a mentalidade do Patricio, de buscar torneios grandes, mas acabou acontecendo que a gente não conseguiu. Em alguns momentos até, comigo e com o Orlando, eu bati 480, a gente foi para a Europa,não consegui pontuar e ficou nisso. Mas também poderia ter dado certo, como aconteceu com o Sorgi

Em novembro, você disse que iria perder um patrocínio. E, da CBT, imagino que você não tenha nada mais…

É, este ano acho que vai ser difícil ter alguma ajuda da CBT.

E como você está fazendo para pagar as contas, para viajar o circuito com poucos torneios no Brasil… Está dando para fazer o calendário que você quer?

Bom, aqui o Edvaldo e o Thiago estão me ajudando bastante nessa questão. A gente tem um contrato… Uma maneira diferente de resolver essa questão do treinamento. Mas por enquanto, sim [sobre o calendário]. Meu pai tem me ajudado bastante, né? Ele até estava me falando que está vendo se consegue vender um carro para ter uma base. Uma das coisas que busquei é a questão do Interclubes, que vai me ajudar bastante, pelo menos a pagar as semanas que eu vou ficar na Europa. E vai me ajudar a ter uma base lá. Se eu acabar perdendo cedo num torneio, vou voltar para minha cidade e não vou ter gasto com hotel. A princípio, já fui para a Turquia sem treinador, o que já reduz bastante [os gastos] e… Vamos indo aos poucos, assim. Meu pai está vendo se consegue ajuda de alguma empresa, de alguém…

Você vai ficar onde na Alemanha?

Meu clube lá é o Oberstenfeld [a cidade fica a 40 quilômetros de Stuttgart]. Já estou vendo os torneios mais próximos ali. Na Bélgica, na própria Alemanha mesmo. Também estou pensando em aproveitar meu ranking de duplas [Zormann é o #330 do mundo na modalidade] e tentar melhorar, ir para algum Challenger e jogar só duplas. Talvez buscar um ou dois Challengers só de duplas para melhorar esse ranking e conseguir jogar a gira de Challengers do fim do ano na América do Sul. Tirar a despesa de hotel com a dupla e jogar os qualis [de simples].

E quanto tempo você vai ficar lá?

Pelo menos sete semanas. São sete domingos de Interclubes.

E esse dinheiro te banca até o fim do ano ou é mais para se sustentar nesse período na Europa?

Vai depender um pouco de como eu for nos torneios do Brasil [Futures em Rio Preto, São Paulo, Brasília e Curitiba são disputados em sequência]. Com o dólar alto, se eu for bem, dá para fazer um dinheiro porque nessas três primeiras semanas, eu já consegui lugar para ficar. Não vou gastar com hospedagem. Dá para fazer um bom dinheiro.

A CBT escolheu o Orlandinho e o Felipe Meligeni para mandar para Barcelona, para treinar com o Leo Azevedo. Alguém chegou a te procurar e perguntar se te interessaria?

Não. Não sei qual foi o critério deles, mas respeito igual. Ninguém entrou em contato comigo nem nada, mas acho que foi um pouco pela idade dos dois. Eu sou dois anos mais velho que o Orlando. Eu sou de 1996, ele é de 1998. O Felipe, eu não sei [Felipe é de 1998 e tem 20 anos]. Claro que se chega até mim, eu pensaria na possibilidade, mas não fiquei chateado. Por mim, entendo, respeito. Com certeza, teve alguma razão. É normal.

Está feliz com o tênis que vem jogando?

Sim. Até vim conversando com o Thiago… Na última semana e meia de treino, eu me senti super bem. Fazia tempo que não me sentia assim comigo mesmo, da maneira que eu vinha nos treinos. Eu sempre fui um cara que conseguia treinar muito bem. Até Copa Davis, Challengers, sempre conseguia fazer sets duros com caras de nível melhor do que o meu. Eu tinha um pouco de dificuldade de levar isso para a competição, e acabou acontecendo um período em que eu não estava conseguindo isso nem no treino. Eu já resgatei isso, e o próximo passo é trazer de novo para a competição.

O que o Thiago já te agregou?

Acho que não foi nenhuma questão técnica ou mental, mas acho que principalmente nessa última semana e meia, o Thiago esteve mais comigo. Na pré-temporada, eu fiquei mais com o Edvaldo. Quando chegamos mais perto do torneio, o Thiago veio com essa questão da intensidade, e o jeito dele me passou bastante confiança, sabe? A maneira dele de chegar e abordar. É um cara que quando ele acredita numa coisa, ele acredita, sem dúvida. Se aquilo for errado, não tem problema. Vamos lá vamos fazer o certo. Isso também me ajudou bastante. EU precisava de alguém, neste momento, para me dar esse choque.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.