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João Lucas Reis: negro, nordestino e trabalhador

Alexandre Cossenza

28/04/2018 08h57

Se você já andou pelas ruas de alguma metrópole brasileira, sabe que os três adjetivos andam juntos em harmonia: negro, nordestino e trabalhador. Por outro lado, se você já entrou em algum clube de tênis dessas mesmas metrópoles, sabe que não é exatamente assim. O caráter elitista de muitos desses locais – a maioria no sul e no sudeste – nem sempre vê com bons olhos a presença de minorias onde quem circula majoritariamente é a chamada "elite branca".

No tênis, figuras como o pernambucano João Lucas Reis da Silva ainda são raras. E mais raros ainda os que não sofreram nenhum tipo de discriminação. Mas eu divago. João Lucas, 18 anos, #41 no ranking mundial juvenil e dono de 7 pontos no ranking da ATP, é negro, nordestino e trabalhador. É também tímido e não chamaria nenhuma atenção por onde passa se não fosse minoria no esporte que pratica.

O jovem nascido em Recife vem trabalhando quieto, sob o comando de Chico Costa, ex-capitão brasileiro na Copa Davis e atual técnico do Instituto Tênis (escreverei mais sobre o IT em breve). Conquistou seu primeiro ponto na ATP em Santos, no ano passado, e emendou com uma semifinal na semana seguinte, em outro Future, em São Paulo. No primeiro torneio deste ano, aqui em São José do Rio Preto, parou nas quartas de final, mas só depois de derrotar o experiente José Pereira – no que foi a maior vitória de sua carreira (levando em consideração o ranking do adversário).

Dentro de quadra, João Lucas me pareceu tão discreto quanto do lado de fora. Não dá chilique, não exagera nas comemorações, não se acha mais do que é. Batemos um papo no Harmonia Tênis Clube, onde estou a convite do Instituto Sports (organizador do torneio), e a conversa segue abaixo. Minhas partes preferidas? O quanto o adolescente pouco se importa em ser minoria, seu jogo contra Shapovalov em 2016 e como ele enfatiza que nordestinos ainda precisam sair de sua região para se desenvolverem no tênis.

Fala um pouquinho da sua história… Como veio o tênis na sua vida?

Eu comecei com 3 para 4 anos de idade, bem cedo. Minha família inteira joga. Meu pai e minha mãe jogam brincando, meu irmão, que é seis anos mais velho, chegou a jogar circuito juvenil até os 15 anos. Eu sempre viajava com ele, mais no Nordeste mesmo, porque não podia ficar sozinho em casa. Com 7, eu comecei a treinar já.

E o que você gosta mais no tênis?

Ah, eu sou apaixonado pelo tênis. Hoje em dia, minha vida toda se baseia no tênis. Eu saí de casa cedo, ia fazer 14 anos. Meu pai perguntou se eu realmente queria seguir no tênis profissional. Eu disse que sim, e ele falou que provavelmente eu teria que sair de casa. Eu topei a experiência e é, é isso que eu quero para a minha vida. Com 14, eu fui para a Afini Tennis em São José dos Campos. Fiz uma gira longa com eles, gostei bastante de lá, e depois veio a oportunidade de ir para o Instituto Tênis. Fui para o IT, gostei bastante de lá, da equipe toda. É uma equipe unida, todo mundo com o mesmo objetivo, e estou lá até hoje.

O técnico já era o Chico Costa?

Já.

Como foi esse começo da relação com o Chico? Porque ele é um cara muito sério…

Quando eu conheci, eu tive um pouco de receio no começo. Ele é bem rigoroso em relação ao trabalho duro. Ele sempre quer o trabalho duro. Isso é bem importante. Fui me acostumando a dar meu máximo todos os dias, todos os treinos. Era isso que ele me cobrava. Nada mais do que isso. E hoje meu relacionamento é bom com ele. Sei bem o que ele quer de mim e tento fazer o máximo todo dia. Quando ele percebe que, por algum motivo, eu não estou dando o máximo, ele pega no pé mesmo. Isso é importante para mim.

Você fez seu primeiro ponto na ATP ano passado, no Future de Santos. Conta como foi para você a sensação de entrar oficialmente no ranking, de ver seu nome lá, de ser um profissional do tênis oficialmente.

Eu não esperava que fosse naquele torneio. Fui colocando primeiro o pé, vendo como era o clima, o lugar, a rotina do torneio. Furei o quali, consegui jogar muito bem na primeira rodada [contra Caio Silva], um jogo duro, e conseguir crescer. Não esperava, mas fiquei bem feliz de saber que eu entrei no circuito.

Este ano, você fez quartas no Banana Bowl e quartas na Gerdau. Está feliz com seu tênis?

Sim. Para este ano, tinha a meta de jogar todos os grand slams juvenis. Joguei o primeiro, o Australian Open. Provavelmente vou entrar em Roland Garros. E sim, pelo que eu converso com o Chico, acho que estou no caminho certo, estou jogando o que eu esperava para o último ano de 18, não mais nem menos. Estou feliz com a minha evolução também. Estou agora nos últimos torneios juvenis, e ano que vem, só profissional.

E o que você gosta mais no seu tênis?

Em termos técnicos, eu gosto bastante da minha devolução e do meu backhand. Eu percebo que os jogadores sentem isso. Principalmente a devolução, que flui bem.

E o que você não gosta? Ou gosta menos, acha que precisa melhorar, sabe?

O que acho que preciso melhor seria um pouco da parte emocional, não largar o jogo nem a pau, estar todo ponto… É o que eu falo do Nadal. Eu me espelho nele, é o meu favorito. O que eu gosto nele é o fato de, mesmo nos piores momentos, mesmo no maior buraco, ele sempre tenta achar uma solução para sair daquilo. É bem importante eu conseguir implementar isso no meu jogo.

Nadal é muito inteligente taticamente, né? Além da raça, ele está o tempo todo pensando o que ele precisa fazer, mudar… Nem sempre se consegue, mas é algo que ele busca o tempo inteiro. E quem mais você gosta de ver jogar?

Apesar da fase de agora, gosto muito do Djokovic. Federer, nem se fala! Esses três, para mim, são os que eu mais gosto.

Tem uma coisa curiosa sobre você que é ser duas minorias ao mesmo tempo no tênis.

Como assim?

Ser negro e nordestino.

Ah. (risos)

Nordestino, no tênis brasileiro, hoje você vê o Thiago Monteiro. Mas é uma enorme exceção. Se você olha em volta, costuma ver gaúchos, paulistas catarinenses, cariocas um pouco menos, mas é a maioria do sudeste. E negros também são minoria no meio.

Ah, nunca tinha parado para pensar nisso (risos)!

Não, sério?

Não. Mas acho que os maiores centros de treinamento não estão focados no nordeste, mais para sul e sudeste. É mais difícil para a galera lá de cima despontar. Acho que é melhor opção é sair de lá e ir para um centro grande. Não sei se todos querem fazer esse sacrifício. Acabam ficando por lá e às vezes perdem umas oportunidades. Mas se parar para pensar, me vejo como só um que saiu de casa para treinar atrás dos objetivos e que tem que trabalhar duro a cada dia. Não mais do que isso.

Eu lembro recentemente do Thiago Fernandes, alagoano, que saiu para treinar com o Carlos Chabalgoity, e depois o Thiago Monteiro, que foi treinar com Larri em Camboriú. Os dois saíram do Nordeste bem jovens.

É verdade.

Já sentiu preconceito em algum lugar? Racismo?

Nenhum. Nenhuma vez.

Que legal! Agora… antes dos torneios do fim do ano passado, você jogou uns Futures nos EUA em 2016.

É, é verdade.

E você jogou contra o Shapovalov num Future em Weston, em janeiro. Lembra desse jogo?

Lembro, claro (risos). Eu lembro que joguei muito (mais risos). Acho que ele estava despontando no juvenil, mas entrando no profissional. Joguei com ele no qualifying. Foi um belo jogo. Eu joguei de igual para igual. O primeiro set foi sem quebras. Se não me engano, foi 7/6, 6/2 [João Lucas lembrou o placar certo]. Eu tive algumas chances de quebrar o saque dele, mas não consegui. Em todas as chances que eu tive, ele não me deixava jogar direito. No segundo set, ele subiu o nível e foi o que foi, né? Ele furou o quali e ganhou o torneio. Ou seja, já era um bom jogador.

Mas te parecia o tipo de tenista que você olha e diz "vai ser um fenômeno"?

Não tem como falar, mas dava para ver que era diferenciado. Ele tinha um tênis moderno, para a frente, rápido. Era difícil jogar com ele. Não tem como dizer se seria um fenômeno, mas já jogava muito bem.

Não é para comparar a evolução de vocês porque ele é mais velho, tem uma experiência que…

Ele foi bem precoce, né?

Sim, claro. Mas você vê o nível dele muito longe do seu hoje? E o que você pensa que é preciso fazer para chegar lá?

Eu acredito que posso chegar lá. Tem uma diferença grande agora. Naquela época, não, mas ele conseguiu despontar bem rápido. A grande diferença é o saque. Hoje, ele saca muito bem. É bem difícil jogar no game de saque dele. Eu vejo pela TV a dificuldade que os caras têm para jogar no game de saque dele. E ele tem todos [saques], né? Não só saque rápido, mas com ângulo, todos. Isso deixa ele muito à vontade nos games de devolução. Ele é completo.

Você foi agora com a equipe brasileira da Copa Davis para a Colômbia. Conta como foi a experiência de estar lá com o time naquela semana?

Foi inesquecível. Cheguei lá um pouquinho – sei lá, não estava acostumado com o ambiente – então cheguei lá um pouco tímido, mas a galera lá me recebeu muito bem, de braços abertos. Achei bem legal a humildade de cada um. Achei bem legal a união da equipe inteira durante a semana, como cada um ajuda o outro como time. Nos jogos, também foi legal ver de perto a energia, a garra que cada um bota. Uma pena a gente ter perdido, mas faz parte também. A gente estava fora de casa, os caras jogaram muito bem.

Vocês mais jovens treinaram com os titulares?

Eu treinei bastante com todos. Treinei com o Monteiro, com o Clezar, com a dupla. Consegui jogar alguns sets também, aqueci todos e estava 100% ativo ali para o que eles precisassem, me coloquei bastante à disposição.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.