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Saque e Voleio

Painel culpa mercado de apostas, mas tênis tem problemas mais graves

Alexandre Cossenza

26/04/2018 09h12

A quarta-feira foi um dia interessante para o tênis. Não, não houve nada bombástico dentro de quadra – não dá nem para dizer isso sobre mais uma derrota de Novak Djokovic – mas fora dela, a Unidade de Integridade do Tênis (TIU, na sigla em inglês) divulgou o relatório provisório do Painel de Revisão Independente (IRP). Ele trata principalmente de manipulação de jogos e lança uma série de sugestões que, em tese, limpariam o esporte. Muito em tese.

Após conversar com jogadores, representantes dos órgãos governantes do tênis (ATP, WTA, ITF e Conselho do Grand Slam), promotores, diretores de torneios, árbitros, empresários de atletas, sites de apostas, empresas que vendem informações sobre partidas e jornalistas, entre outros interessados – longo processo que custou US$ 20 milhões até a composição do relatório provisório – que há um "tsunami" de apostas e outras atividades nada íntegras. O documento inclui uma série de 12 recomendações que, segundo seus autores, diminuirão os problemas de integridade no tênis se adotadas.

Entre essas recomendações, vale destacar duas em especial:

– Encerrar a venda de dados de placar em tempo real em eventos nos níveis inferiores do esporte

A ideia é reduzir o número de mercados de apostas, o que, segundo o painel, reduziria as brechas para manipulação de resultados. Afinal, se não houver ninguém apostando, não haverá por que alguém oferecer uma maleta cheia de dinheiro para um atleta entregar uma partida. Isso valeria apenas para o circuito de Futures. O relatório não sugere encerrar a venda de dados de Challengers, por exemplo, mesmo sabendo que nesse nível o número de partidas suspeitas é mais do que o dobro dos Futures. Coincidência ou não, os dados dos Challengers são de propriedade da gigante IMG.

– Impedir sites e casas de apostas de patrocinarem tênis

A lógica aqui é a seguinte: se os órgãos governantes estiverem ganhando dinheiro com casas de apostas, atletas podem reivindicar o mesmo direito (algo que eles não têm hoje em dia). O relatório alega que "para promover tanto a realidade quando a aparência de integridade, patrocínios de apostas em eventos de tênis profissional devem acabar."

A lista ainda inclui mais educação aos jogadores (aulas e treinamentos sobre como lidar com certo tipo de situação e uma reforma do nível de entrada dos jovens profissionais (algo que a ITF vai fazer com o tour e o ranking de transição a partir de 2019). Okay, gastaram US$ 20 milhões para algumas conclusões óbvias e outras um tanto contestáveis.

A grande pergunta que vale fazer sobre o tema é: por que o tênis tem mais "problemas de integridade" (leiam "jogos manipulados", por favor) do que outros esportes populares, como futebol, basquete, turfe, automobilismo, boxe, golfe e outros? Por que o "mercado de apostas", eleito pelo Painel como grande vilão, não é combatido por outras modalidades?

A resposta é mais simples do que parece: as casas de apostas não são as culpadas. O grande dilema do tênis é que há muitos atletas ralando muito, competindo muito, e ganhando muito pouco. No tênis, o número 300 do mundo precisa ser campeão de um Challenger para ganhar US$ 8 mil. No futebol, o 300º melhor do planeta vive confortavelmente. No basquete, o 300º é muito bem pago na NBA.

Longe de querer justificar algo tão imoral, consigo entender a cabeça do cidadão que não resiste à tentação quando um mafioso (sim, esse povo existe) lhe oferece US$ 10 mil (um trocado para mafiosos de verdade) para perder um jogo em sets diretos. E dane-se se existe placar em tempo real ou não. E dane-se se existe patrocínio de casas de apostas. E dane-se também se existem casas de apostas legais. Se não houver, as apostas serão feitas em porões e estabelecimentos ilegais, sem pagamento de impostos e sem uma legislação que dê um mínimo de segurança ao apostador.

Acabar com o "mercado de apostas" ou com o patrocínio de estabelecimentos legais não fará cócegas nos "problemas de integridade" do tênis. Aliás, neste caso eu sou até forçado a concordar com o senhor David Haggerty, presidente da ITF, o homem que quer destruir a Copa Davis como ela existe hoje. Ele afirma que as casas de apostas têm o mesmo interesse do tênis: eliminar a manipulação de resultados. Claro. Elas, obviamente, levam prejuízo quando um resultado esquisito acontece. São as próprias casas de apostas, aliás, que alertam a TIU sobre padrões de apostas estranhos. E são esses alertas que levam a investigações que terminam com atletas desmascarados, suspensos e banidos. Ou seja, as casas de apostas têm papel fundamental no sistema.

Óbvio que resultados manipulados não são exclusividade do tênis, mas esportes individuais estão mais vulneráveis a isto. É mais simples e barato "comprar" um jogador que compete sozinho do que meia dúzia de um time de futebol. Só que o tênis tem seus problemas específicos, e não adianta culpar um passatempo mundial (legal em várias partes do mundo) enquanto a maioria dos profissionais entra em quadra em busca de pouco mais de US$ 100 para ganhar uma primeira rodada de Future.

Coisas que eu acho que acho:

– O Painel (IRP) foi criado por ATP, WTA, ITF e o Conselho do Grand Slam) em janeiro de 2016 para investigar casos de corrupção no tênis. Parte de seu trabalho era apresentar este relatório, fazendo sugestões baseadas na análise de uma série de dados coletados ao longo das investigações. O próximo passo agora é dos quatro órgãos que governam o tênis. Eles já se manifestaram favoráveis aos princípios do relatório e agira darão respostas para as 12 recomendações do IRP, que, então, publicará um relatório final.

– Gastaram US$ 20 milhões e escreveram centenas de páginas para concluir muitas, muitas coisas que o mundo inteiro já sabe. Difícil elogiar. Reportagem do New York Times, além de tratar algumas questões com (merecida) ironia, lembra que muitas das mudanças propostas já foram executadas de uma maneira ou de outra nos últimos dois anos.

– Daria para poder ficar horas escrevendo e aumentando argumentos a favor das casas de apostas, citando exemplos de times de futebol e de outras modalidades que têm patrocínios de sites de apostas, etc., etc., etc., mas ninguém está me pagando US$ 20 milhões para encontrar um culpado. Quem quiser seguir com o debate pode me mandar um email ou deixar comentários no Twitter ou no Facebook. Ficarei feliz em trocar ideias sobre o tema – que muito me interessa.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.