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Saque e Voleio

O que achei da minha entrevista com o presidente

Alexandre Cossenza

07/03/2018 07h00

Para o leitor que não esteve no blog nos últimos dias, o contexto: entrevistei, durante o Rio Open, o presidente da Confederação Brasileira de Tênis (CBT), Rafael Westrupp. Foi uma conversa bastante produtiva de uma hora e meia (cerca de 30 minutos com o gravador desligado). Falamos sobre alguns dos temas que usei como alvos de críticas aqui e no Twitter. Concordamos em alguns pontos, discordamos em outros.

O resultado foi publicado em dois posts. Na primeira parte, segunda-feira, Westrupp fala que é preciso desjorgificá-lo. Ele também declara, entre outras coisas, que reduzirá seu salário em 20% e que tem um auxílio de até R$ 7 mil reais para gastar em atividades a serviço da CBT.

Na segunda parte, publicada na terça-feira, o dirigente fala sobre circuito juvenil e como promete cobrar mais dos tenistas auxiliados financeiramente pela CBT. Westrupp também diz que vai abrir para publicação os números dos investimentos da entidade nos atletas.

No post de hoje, trago minhas impressões sobre a conversa. O que gostei e não gostei de ouvir. Quais aspectos de gestão e do trabalho da Confederação me deixam esperançosos e quais não dão tanta esperança assim de mudança. O copo meio cheio versus o meio vazio.

Coisas que eu acho que acho que gostei:

– Não vou entrar no mérito do valor – se é justo ou injusto – mas achei ótimo que Westrupp falou abertamente sobre seu salário: R$ 22 mil. E se ele acha que pode reduzir 20% disso em nome da Confederação, melhor ainda, mesmo que ele continue com o auxílio de R$ 7 mil para gastos a serviço da CBT. Seria melhor se esses gastos fossem revelados, mas abordarei o balanço anual da entidade mais abaixo.

– Westrupp também disse que não vai guardar as mágoas ou as práticas ditatoriais de Jorge Lacerda. Sem perseguição a promotoras, sem brigas pessoais, sem vigiar redes sociais para ver quem curtiu postagens contra a entidade. Ele cita como prova disso o wild card dado recentemente a Laura Pigossi para o ITF no Pinheiros. Isso tudo faz bem ao tênis.

– Embora não seja uma iniciativa exclusiva da CBT, o circuito nacional com apoio do CBC fará bem aos bolsos dos pais de atletas. Ponto a favor.

– De tudo que ouvi, o que mais gostei foram duas promessas. Uma delas é cobrar duramente os tenistas apoiados pela CBT. Chega de molezinha. Chega de garoto apoiado pela Confederação (ou por patrocinador dela) que não rala o necessário na transição, que não quer ficar muito tempo fora do país, que só quer ficar em hotel 5 estrelas. A vida de tenista profissional exige um bocado, e tem gente que não sabe dar valor aos reais que recebe de apoio, seja da CBT ou de um benfeitor qualquer. Que Westrupp cobre mesmo.

– A outra promessa importante é mostrar os números de quem vai ser apoiado e quanto dinheiro a CBT vai colocar à disposição dos tenistas. Como jornalista, já ouvi de vários jogadores que "talvez a CBT vá dar uma passagem" ou "de vez em quando a CBT ajuda com alguma coisa". É importante que todo mundo saiba quem está recebendo esse apoio, as quantias envolvidas e quais são os critérios adotados para essa distribuição. A CBT sabe que sempre terá critérios questionados por pais, tenistas e ex-tenistas (todo mundo quer uma fatia do bolo), mas o mais importante mesmo é deixar os critérios sempre às claras.

Coisas que eu acho que acho que não gostei:

– Westrupp acredita que a CBT cumpre a lei no que diz respeito à transparência e acha isso suficiente. Discordo. Os números publicados pela CBT são pouco ou nada específicos. Um exemplo: no balanço de 2016, há pouco mais de R$ 10 milhões em despesas vinculadas. Desse montante, R$ 6,2 milhões são referentes ao cumprimento do contrato com os Correios. Só que isso só seria realmente transparente se fossem de conhecimento público as exigências do patrocinador. No mesmo balanço, a CBT diz gastar R$ 2,9 milhões com despesas gerais e administrativas. Para mim, trata-se de um valor bastante alto para uma descrição tão pouco específica.

– Eu já escrevi antes que achei um péssimo negócio para a CBT o acordo com a Peugeot. Westrupp argumenta que o contrato reduziu gastos da entidade e que serviria de cartão de visitas, dando credibilidade à CBT. No entanto, o máximo que a Confederação conseguiu depois foram contratos de fornecimento de material com a Companion e a Wilson. Apenas redução de gastos. Nenhum dinheiro vivo entrou nos cofres da CBT. É muito pouco. Westrupp e Frick me parecem bem intencionados, mas nenhum dos dois tem grande experiência no mundo corporativo. Talvez fosse o caso de investir e contratar gente especializada, criando um setor de captação de patrocínio dentro da CBT. É tempo de crise, como Westrupp bem sabe, então é preciso pensar fora da caixa, sair do âmbito dos amigos e conhecidos. A entidade precisa ser gerida como uma empresa de grande porte.

– Westrupp diz que votou contra a ampliação para 12 votos de atletas nas assembleias do COB porque "o artigo 8 do regulamento da comissão de atletas do Comitê Olímpico do Brasil é impeditivo para que Guga Kuerten, Jaime Oncins, Fernando Meligeni façam parte dessa comissão porque o atleta tem que ter participado de no mínimo uma das últimas duas edições dos Jogos Olímpicos." Ele acredita que o regulamento é restritivo e que ex-atletas, de modo geral, estão mais bem preparados para a função, têm mais tempo e competência. Como ficou claro na entrevista, eu discordo, e isso me leva ao regimento interno da comissão de atletas da CBT, assinado por André Sá (atleta em atividade!) em 30 de abril de 2014,

Segundo o artigo 13, "somente serão eleitos para Comissão de Atletas os atletas maiores de 18 anos e que preencherem um desses requisitos:
a) estar em atividade como atleta ranqueado entre os 300 primeiros do
ranking ATP ou WTA, caso seja atleta de tênis na categoria simples ou
entre os 200 primeiros do ranking ATP ou WTA, caso seja atleta de tênis
na categoria de duplas;
b) se for atleta de beach tennis ou tênis em cadeira de rodas, deverá estar
entre os 50 primeiros do ranking da ITF, na categoria simples ou nas
duplas;
c) se não estiver em atividade, que tenha ocupado as 100 primeiras posições
do ranking da ATP ou WTA nos últimos 5 (cinco), a contar da data da sua
posse como membro da Comissão de Atletas."

Ou seja, se Westrupp é contra os impeditivos no regulamento da comissão de atletas do COB, a CBT já deveria estar trabalhando para mudar seu próprio regimento.

– Quanto à crítica feita por Westrupp de que eu não poderia publicar uma acusação sem provas (ele se refere ao fato de que o técnico de Laura Pigossi diz ter enviado mensagens e não ter recebido respostas de Westrupp), o que eu publiquei foi justamente isso: uma acusação. A reportagem coloca os dois lados (acusação e defesa) sem intenção de julgar. Imaginem um político saindo de uma sessão no Congresso concedendo uma entrevista e chamando um colega de profissão de "ladrão". O repórter só poderia publicar a acusação depois de provar que o outro é mesmo ladrão? Esse seria o jornalismo na lógica do presidente da CBT.

Deixo aqui dois exemplos interessantes: um da agência alemã Deutsche Welle, outro da Radioagência Nacional. Vejam a relevância das acusações e imaginem se faria sentido não publicar até que os acusados fossem julgados.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.