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Saque e Voleio

O plano da ITF vai assassinar de vez a 'nossa' Copa Davis

Alexandre Cossenza

26/02/2018 21h41

A Federação Internacional de Tênis (ITF) anunciou, nesta segunda-feira, planos para mudar radicalmente a Copa Davis. A ideia de agora, ainda sujeita a votação em agosto, prevê uma competição com 18 países se enfrentando ao longo de uma semana em melhor de três sets e sede única, em novembro, para decidir o campeão do Grupo Mundial. E antes de entrar na questão financeira – que é sempre o motivo para essas mudanças – sugiro rever com calma tudo que está no começo deste parágrafo.

18 países vão se enfrentar em uma semana. Isso significa três dias de fase de grupos, quartas de final, semifinal e final. Apertado, né? Isso praticamente descarta a hipótese de confronto outdoor, com vento, chuva, calor, frio e elementos que deixam o jogo mais interessante e variado. Empurra-se goela abaixo de todo mundo mais um evento indoor. Além disso, a única maneira possível de encaixar tantos jogos em sete dias era com…

Confrontos de três jogos. Sim! Em vez dos atuais duelos de cinco jogos, com quatro simples e uma dupla, a proposta de Copa Davis da ITF inclui apenas três jogos. Duas simples e uma dupla. Aumenta consideravelmente a força dos duplistas. Sem entrar no mérito de isso ser bom ou ruim, é preciso constatar que é uma grande mudança.

Sede única. Outro ponto que desvirtua completamente o que os fãs da Copa Davis mais gostam. Torcidas barulhentas pressionando os visitantes, escolha do piso pelo país-sede, estádios lotados no mundo todo. Em vez disso, teremos torcida neutra (ou, na melhor das hipóteses, dividida), um piso escolhido sei lá por quem e um estádio lotado em uma cidade possivelmente rica (em vez de 15 arenas entupidas ao longo do ano).

Novembro. Detalhe mais importante do que parece. Se alguém não ficou tão convencido sobre a questão indoor/outdoor, aqui fica mais fácil de entender. A não ser que uma cidade do hemisfério sul se candidate, é difícil imaginar uma sede na Europa e nos EUA, no inverno, jogando a céu aberto.

Chegamos, então, à parte que realmente vai conquistar votos. A ITF fez uma parceria com o fundo de investimento Kosmos, presidido por Gerard Piqué (sim, o jogador de futebol do Barcelona). O Kosmos, com o apoio financeira da japonesa Rakuten, promete investir US$ 3 bilhões ao longo de 25 anos "para ajudar a desenvolver o esporte no mundo inteiro" nessa nova Copa Davis.

E isso tudo ainda baseado naquele papo de que a Copa Davis precisa mudar, que os melhores do mundo não querem mais jogar, que o evento precisa de mais atenção, etc., etc., etc. Aquele blablablá que a gente conhece bem e que já comentei em várias ocasiões aqui no blog.

Coisas que eu acho que acho:

– Sabe a cena do vídeo acima? Se a mudança for aprovada… Nunca mais.

– Não duvido que uma "Copa do Mundo" nesse formato possa ser um evento bacana de acompanhar pela TV. Mas chamar isso de Copa Davis é espetar um ferro quente e pontudo nos olhos e ouvidos de quem cresceu e se apaixonou pela Copa Davis como ela é hoje. A "nossa" Copa Davis vai morrer. O mais justo seria usar outro nome.

– Ao mesmo tempo, é fácil entender por que a ITF quer manter o nome "Copa Davis". É uma marca forte, estabelecida e com história. É mais fácil aproveitá-la do que criar algo do zero e que pode acabar conhecido como o-evento-que-matou-a-copa-davis.

– A ITF disse que vai manter os formatos dos Zonais – inclusive dos playoffs -, o que cria uma situação bizarra: quem torcer para o Brasil voltar ao grupo Mundial também vai estar torcendo para não ver mais tão cedo um confronto de Copa Davis em solo nacional. Bacana, não?

– Vendo uma proposta tão radical assim, é capaz de todo mundo começar a achar que mudar de cinco pra três sets está longe de ser o fim do mundo. É aquela velha teoria: quem quer aprovar uma mudança impopular só precisa apresentar uma proposta ainda mais impopular a insana. A segunda faz a primeira parecer um meio-termo aceitável.

– É tentador olhar hoje, em 2018, e pensar que US$ 3 bilhões são uma grana impensável. Vejamos se daqui a 20 anos um futuro presidente da ITF não vai estar achando que fez um mau negócio com um contrato tão longo.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.