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Saque e Voleio

André Sá e uma história de infância que pode explicar muito sobre Bellucci

Alexandre Cossenza

24/02/2018 08h55

Se houve alguém que conversou muito com a imprensa nesta semana, foi André Sá. Falou antes, durante e depois do torneio. E na noite desta sexta-feira, após ser homenageado na Quadra Central do Rio Open, o mineiro voltou à sala de imprensa para um último papo. E que papo! Durante meia hora, falou sobre seu começo, a vida pós-tênis e, claro, Thomaz Bellucci.

Desde que assumiu o cargo de técnico do paulista, Sá vem fazendo um trabalho interessante não só na questão da imagem do atleta, colocando Bellucci com mais frequência nas redes sociais, mas também no lado psicológico. E foi nessa área que veio a história mais interessante da noite.

Sá fava sobre como já conhecia o Bellucci atleta, mas como ainda está apenas começando a conhecer a pessoa, a personalidade de Thomaz Bellucci no dia a dia. Perguntei, então, se essa pessoa que ele está vendo agora é muito diferente da imagem que ele tinha antes. A resposta foi uma história fascinante sobre a infância do tenista. Uma história que pode explicar muito sobre sua personalidade, sua carreira e sua imagem. Leiam:

"Muito [diferente]. Muito. A gente começa a aprender por que ele é assim, por que se comporta assim. Um exemplo fantástico: estava em São Paulo, fomos assistir a um filme. Aquele 'Extraordinário' (história de um menino que nasceu com deformação facial e, com 10 anos, vai frequentar uma escola normal pela primeira vez e precisa lidar com a sensação de estar sempre sendo observado pelos outros). Tem uma parte no filme em que o menininho fala: 'A pior hora da escola para mim é o recreio' porque é onde está todo mundo. Todo mundo na escola vê ele, então ele se sente mal. Aí, estamos voltando do cinema no carro, e o Thomaz fala: 'André, você viu aquela cena ali? Comigo é a mesma coisa. Eu tinha 12, 13 anos, viajava muito para jogar torneio infantojuvenil e não conseguia fazer amizade. Então, na hora do recreio, eu ficava sozinho, sentado num canto.' Por isso que, de repente, a socialização não é natural para ele. Aí você entende. Ninguém sabe dessa história. Eu não sabia. Não é natural para ele ser extrovertido. Você tem que ir aprendendo com isso e falando 'Cara, tem que entrar de uma maneira diferente, fazer as coisas… Eu sei que é difícil para você, mas precisa fazer.'"

"Esse lado [de Bellucci] eu não conhecia. Por causa de uma bobeirinha no cinema, agora eu já conheço ele de uma maneira muito mais profunda. Aí eu sei lidar com isso. O que eu tenho de extrovertido e de conversar com todo mundo… De repente, é o que ele precisa. De alguém que já quebre o gelo. Aquele "âncora" do bar. As gatinhas ali, todo mundo aqui, aí tem o cara que vai lá e 'chega aí, pessoal.' (risos) Ele precisa desse cara para soltar, mas tem que ir conhecendo."

"Eu falo para ele: 'Pelo menos você é autêntico. Você não muda o que você é para agradar a outras pessoas. Isso daí também… Eu não acho legal. Vê Federer e Nadal. Os caras são pessoas incríveis, todo mundo gosta deles. O Djokovic não é. Ele tem atitudes que não são legais. Ah, tradição: passar chocolate na sala de imprensa. Não é legal. Ele está querendo ser alguém que ele não é. Isso não é legal. Que ele seja autêntico, do seu jeito. Tente se adaptar, tente agradar, fazer uma boa ação de vez em quando. O que eu falo para ele é isso: 'Mostre um pouquinho de entusiasmo. Um pouquinho de entusiasmo quando você fala, quando você cumprimenta as pessoas, quando uma criancinha pede uma toalha… Só isso'. Então vamos trabalhando, trabalhando."

Outra declaração interessante veio quando Renato Maurício Prado falou sobre o tênis de Bellucci e como quase todo mundo acredita que sua carreira não foi mais longe por causa do lado mental, já que o paulista tem golpes para fazer mas do que fez. André concordou e explicou o que vê como solução para isso:

"Sim. O que estou procurando fazer com ele é simplificar as coisas. Ele tem golpe para ficar de igual para igual com qualquer um. Ele ficou cinco meses sem jogar, aí fez dois jogos. Contra o Schwartzman, na melhor fase da vida dele, jogando em casa, o cara chega lá e entuba o primeiro set. Só que teve um lapso no segundo set. Perdeu dez pontos seguidos para começar o segundo set. Essas coisas que ele precisa entender. Aí que eu quero entrar pra ele e dizer: 'Nesses momentos, joga assim. Executa isso. Porque se você errar executando isso, não tem problema. Perfeição? Ninguém é perfeito. Mas a sua intenção tem que ser perfeita.' É isso que eu estou buscando com ele aos poucos. A gente precisa de tempo para entrar na cabeça, ganhar jogos, jogos importantes. Estava 5/2 abaixo no primeiro set [contra Fabio Fognini], poderia ter entregado tudo. Foi lá, buscou, salvou cinco set points e estava no jogo. Mas demora. Isso aí leva tempo, mas ele vai pegar. Ele estava super nervoso. Foi o pior jogo que ele fez nesse três torneios (Quito, Buenos Aires, Rio). Nervoso. Expectativa, Rio de Janeiro. Sacou muito mal. Errava o saque dois metros e meio. Isso não é movimento, é nervosismo. Total. Perde o ritmo, perde o toss. É ansiedade. Isso demonstra nervosismo."

Coisas que eu acho que acho:

– Bonito ver o mineiro homenageado na Quadra Guga Kuerten com tanta história ao seu redor. Na foto acima estão Nelson Aerts, Carlos Kirmayr, Fernando Meligeni, Ricardo Acioly, André Ghem, Fábio Silberberg, Thomaz Koch e João Soares. Gustavo Kuerten, que também esteve no Rio Open nesta sexta, foi embora mais cedo.

– André Sá ainda tem o Brasil Open pela frente. Será seu último torneio antes da aposentadoria. Deixarei para a próxima um texto só sobre o mineiro.

– A sexta-feira foi de Fernando verdasco no Rio Open. Depois de surrar o atual campeão, Dominic Thiem, por 6/4 e 6/0, o espanhol descansou 40 minutinhos e voltou junto com David Marrero para derrotar Jamie Murray e Bruno Soares na semifinal de duplas: 6/4 e 6/4.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.