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Saque e Voleio

Lições mentais, físicas e financeiras para o 'quase turco' Felipe Meligeni

Alexandre Cossenza

15/11/2017 07h00

No primeiro dia completo que passei no litoral paulista, onde estou à convite do Instituto Sports para cobrir o IS Open Santos, torneio Future com premiação de US$ 15 mil, sentei em um dos conjuntos de cadeiras do agradável Tênis Clube de Santos para bater um papo com Felipe Meligeni – ou, como a ATP coloca em suas chaves, com o nome completo, Felipe Meligeni Rodrigues Alves.

O jovem de 19 anos é atual número 962 do ranking. É a melhor posição de sua ainda curta carreira. A temporada de 2017, afinal, foi sua primeira inteiramente no circuito profissional. Em setembro do ano passado, lembremos, Felipe estava conquistando o US Open juvenil na chave de duplas ao lado do boliviano Juan Carlos Manuel Aguilar.

A transição não é fácil para ninguém, e Felipe não é exceção. Conversamos sobre as dez semanas que o campineiro passou em Antália, na Turquia, falamos sobre sua recém-firmada parceria como o (agora) técnico Ricardo Mello, sobre como vem sendo administrar o dinheiro num circuito cada vez mais caro para sul-americanos e sobre as muitas diferenças de estrutura dos slams juvenis para os Futures profissionais. Felipe fazendo análises interessantes sobre seu jogo, sua vida e o que vem pela frente.

Quero começar falando sobre o contraste que é a vida de Future em comparação com o que as pessoas veem na TV, que são os Masters e os Slams. A diferença é enorme, e muita gente não sabe…

Ah, os slams são incríveis, têm de tudo. Eles te tratam muito bem. Você chega lá, vai no restaurante, tem dinheiro na tua credencial, você come junto com os profissionais. Eles te tratam muito bem. E os Futures são torneios que você precisa jogar pra somar ponto. Não sei nem o que…

(interrompendo) Transporte, por exemplo?

Os slams têm transporte. Os Futures, não. Aqui (em Santos) eu estou hospedado na casa de um amigo, então não gasto.

E comida?

Aqui, a gente paga a alimentação.

Você acaba gastando mais em um torneio pequeno do que num grande, né?

É. Os grandes também te dão hotel enquanto você está na chave, então você não paga.

E também tem a questão das quadras, né? Aqui em Santos tem um boleiro por quadra, mas não é obrigatório.

Eu joguei dez semanas na Turquia, e lá não tinha boleiro.

Isso também atrasa, arrasta o jogo, não?

Toda hora eu tomava advertência de tempo porque ia pegar bolinha. O juiz "code violation" o tempo todo. "Mas o que você quer que eu faça? Corra pra pegar a bolinha?" Mas não tem jeito.

E também só tem um árbitro de cadeira por quadra, o que também aumenta a chance de dar problema.

Sim, sempre tem erro.

E na quadra dura é pior, né?

Ô! Muito pior. Aconteceu comigo na Espanha: logo no primeiro ponto, o cara bateu, e eu dei fora porque a bola saiu muito. O juiz disse que foi boa. "Mas como, boa?" E discussão, discussão… Aí, depois, eu bato uma paralela na linha, e o árbitro deu fora. Eu falei "iiiih". Então tem isso. Era primeira rodada na Espanha, contra um espanhol…

Conta um pouco agora dessa viagem para a Turquia, que é uma coisa que muita gente faz. Pega um avião pra Antália e fica lá várias semanas. Todos os torneios são no mesmo lugar?

Sim, é um resort. Você anda dois minutos do quarto para a quadra. É bem simples.

Mas é caro? Pergunto porque é um resort… Eu sei que você dividiu quarto com a Carol (Meligeni Rodrigues Alves, irmã de Felipe), mas…

Saía uns 70 euros por dia.

E dá para sair no zero-a-zero financeiramente?

Olha… A gente jogava o que podia, jogava simples e duplas, aí pegava o prize money e pagava o que podia. O que sobrava, colocava no cartão de crédito. Eu podia ter ido melhor em algumas semanas. Empatar, não empatou. Sempre perde um pouco porque é muito dinheiro. Não foi ruim. Eles ajudavam a gente também porque a gente virou turco, né? Foi muito tempo lá. Então davam wild card, davam uma força também.

E comida lá?

Era um buffetzão, completo mesmo. Mas era o mesmo todo dia. Eu ainda tentei fazer a dieta que estava fazendo aqui no Brasil, mas depois de umas semanas não deu mais.

Nossa, se você ficou dez semanas, foram 70 dias comendo a mesma coisa?

É, mas acaba acostumando.

Era o mesmo promotor de todos os torneios?

O mesmo cara.

E ele ganha dinheiro com isso? É o dono do resort?

Não sei, viu? Mas não é o dono do resort, não. Era tudo separado, até para os atletas. A gente tinha um tournament desk, que ficava do lado da recepção, e fazia tudo com eles. A diária era diferente para os atletas, não era o mesmo do resort.

E as chaves não ficam repetitivas em algum momento?

Nem tanto porque para o europeu é tudo mais fácil. O cara pode jogar duas semanas, passar uma semana em casa e voltar. Às vezes acontecia de chegar alguém, me ver e falar "você ainda está aqui!?" Em um momento, sim, as chaves ficaram com os mesmos caras. O torneios estavam duros. Até os qualis tinham jogo duro. Até o árbitro era o mesmo em todos os torneios. Ele chegava todo dia lá, de chinelão (risos)…

Mas é que para a gente, sul-americano, não é uma viagem barata, né?

Não. Por isso que eu fiquei dez semanas lá. Tive até a chance de voltar e jogar o Challenger de Campinas. Eu sou de Campinas, teria wild card na chave lá, mas se eu voltasse, jogaria e ficaria dois meses parado, só treinando. E vir para depois voltar para a Turquia seria muito caro, então só voltei no fim das dez semanas mesmo.

E com os resultados, você ficou satisfeito? Você fez quartas de final uma vez, mas mesmo quando você perdeu na segunda rodada, acabou jogando muito porque estava sempre nos qualis, não?

Às vezes, eu perdia na segunda rodada, mas fazia cinco partidas. Estava sempre jogando muito. Acho que faltou preparo físico e eu perdi uns jogos por causa disso porque às vezes precisava jogar simples e duplas no mesmo dia. Eu até pensei em parar uma semana e fazer só físico, mas eu já estava lá, por que não jogar? Então acabei não fazendo físico e é uma coisa que eu tenho que melhorar.

Você agora está treinando com o Ricardo Mello depois de sair da Afini Tennis. Eu conversei com a Carol uns dois meses atrás, e ela disse que fez essa mudança porque queria um pouco mais de atenção. Foi o mesmo com você?

Não. Minha irmã é diferente. Ela precisa de alguém pegando no pé dela, e lá, às vezes, a gente ficava em quatro numa quadra. Não dava par ater esse tipo de atenção. Eu sou muito grato pelo tempo que fiquei na Afini, evoluí lá, mas achei que não ia melhorar mais o meu nível se continuasse lá. Então fui treinar com o Ricardo em Campinas, que é a minha cidade.

Agora você mora em casa, mesmo, com os pais?

Sim. Vou de carro para o treino, é pertinho. Isso ajuda.

Ajuda a economizar também, não? Ou você não gastava tanto assim em São José?

Economiza porque lá eu gastava com alimentação todo dia. Em casa, não tem esse gasto.

Você cozinha?

Em casa, tem a empregada que vai segunda e quarta, e nos outros dias, a minha mãe cozinha. Eu sou uma negação!

E como é treinar com o Ricardo? Eu conheço ele daquele jeito, super tranquilo em quadra, mas como é no dia a dia? Ele dá bronca?

Ah, é que cada um tem seu jeito, né? Ele está se acostumando ainda porque nunca treinou um profissional de alto nível. Eu sou o primeiro profissional que ele pegou, mas quando precisa, ele (gesticulando com a mão fechada), ele aperta!

Qual foi a primeira coisa que ele disse "isso precisa melhorar" antes das outras coisas no seu jogo?

A gente trabalhou bastante o saque. Eu faço saque todos os dias. Já melhorou bastante. E outra coisa que eu preciso melhorar é o lado mental. Ainda perco muito jogo com isso. Reclamo de alguma coisa, brigo e…

E sai do jogo?

É, eu preciso melhorar nisso.

Pelo menos você já percebeu isso…

Agora falta colocar em prática (risos).

Como você está de patrocínio agora?

Tenho Fila e Babolat. Troquei de raquete há pouco porque fui treinar com o Ricardo, não estava muito bem com a minha raquete antiga. Estava com dor no braço, aí o Ricardo me deu uma Babolat, eu experimentei e gostei.

Isso foi antes de ir para a Turquia?

Antes. Eu fui me acostumando. Lá é que eu fiquei 100% adaptado à raquete.

A CBT também ajuda?

Ajuda com passagem. Agora, no fim ano, eles vão reunir em dezembro em Floripa todos tenistas que serão beneficiados em 2018, e eu fui convidado também.

Você vem de uma família de tenistas, o que, obviamente, tem suas vantagens. Você tem seu tio (Fernando Meligeni), que tem a experiência, para conversar e trocar ideias, e também tem seus pais, que são professores de tênis. E quais são as desvantagens de estar num meio assim?

Ah, não sei se tem desvantagem.

Nem no lado financeiro, de seus pais precisarem bancar dois atletas?

É, tem isso. Mas nossos pais trabalham duro, adoram tênis, não querem sair da quadra. Meu pai gosta tanto que dá aula todo dia, aí chega no fim de semana e quer bater uma bola comigo. Que energia!

Ele está com quantos anos?

Quarenta e… (pausa para pensar) … sabe que eu não sei? Minha mãe tem 50. Meu pai é mais novo. Mas eles não querem parar de trabalhar. Eles ficam até as 10h da noite em quadra para ajudar a gente. E eles sabem que a gente se esforça, e que a gente vai recompensar eles em algum momento.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.