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Diretor didático: entenda por que há tão poucos torneios no Brasil de hoje

Alexandre Cossenza

08/10/2017 07h00

Quem já teve a curiosidade de olhar os calendários da ATP este ano, já conhece bem o buraco em que se encontra o Brasil. O primeiro Challenger no pais está sendo disputado esta semana, em Campinas. Só há mais um torneio deste nível (Rio de Janeiro) previsto até o fim de 2017. No nível Future, serão outros dois eventos (Santos e São Paulo), também em novembro, e o último deles coincidirá com o torneio carioca.

O que causou essa escassez de eventos? Como ficou tão difícil fazer tênis no Brasil de uns anos para cá? O quanto ajuda a Lei de Incentivo? E quanto custa – de verdade – um torneio pequeno? Quais as outras dificuldades de se colocar um evento de nível internacional? Aproveitei minha vinda ao São Paulo Challenger, a convite do Instituto Sports, e conversei com o diretor do torneio, Danilo Marcelino, sobre o assunto.

Marcelino explica os efeitos da crise econômica do país, as vantagens e desvantagens da Lei de Incentivo federal e o que é possível fazer para atrair patrocinadores, atender todas (muitas) exigências da ATP e ainda lucrar com um torneio. Leia o papo na íntegra.

É só olhar o calendário para ver que hoje está muito mais difícil fazer torneio no Brasil em comparação com quatro, cinco anos atrás. O dólar subiu, a ATP exige mais, tem a questão da Lei de Incentivo… Qual é a maior dificuldade?

Começa pela situação que o país vive. Challenger é um evento muito caro. Pelo número de exigências… A ATP aumentou a premiação de dois anos para cá, o mínimo é US$ 50 mil, tem que ter hospedagem… Já começa por aí. Fazer um torneio com hospedagem para 32 jogadores, [seguindo] todas as regras, com mínimo de cinco noites, dupla e tudo mais, encarece demais. Isso inclusive foi discutido num Congresso de Challengers dois anos atrás, que eu fui. No Brasil, como na América do Sul, a diferença é muito grande em relação a EUA e Europa. Eles conseguem voluntários, não só como staff, mas como pegadores de bola. Tem todo um staff que é muito caro. Uma equipe de pegador de bola hoje tem que ter um número de 18 a 20, que são remunerados. E você tem que dar uniforme porque os pegadores geralmente são de projetos sociais. Mais alimentação… Então acaba sendo um custo que você passa para a ATP, e eles não entendem. O europeu não tem esse custo. Geralmente, pegador de bola é filho de associado que quer participar… Não é fácil.

O leigo olha no site da ATP, vê US$ 50 mil, que vai dar uns R$ 160, 170 mil reais. Mas o custo de um Challenger é quantas vezes isso?

Depende. Por exemplo: tem a estrutura deste clube [Sociedade Hípica de Campinas]. Tem aquela arquibancada [de concreto, fixa e descoberta]. Se eu não fizer nada disso aqui [uma arquibancada coberta, com cadeiras], o cara não vai ficar naquele sol, naquela arquibancada dura, pra assistir aos jogos. E outra coisa: para você vender, o patrocinador quer contrapartida. Hoje, a maior contrapartida é o relacionamento. Porque uma Aché, um Itaú, os caras se quiserem propaganda mesmo, eles têm dinheiro e compram anúncio na Globo, página de revista, o que quiserem. Então eles querem usar um evento esportivo como ferramenta de relacionamento.

E aí você tem que fazer a área VIP…

Aí você tem que fazer a área VIP, uma arquibancada coberta, proporcionar coisas para trazer gente. E montar uma estrutura que seja uma arquibancada com cobertura, isso gera custos. E os custos nos últimos três anos, no Brasil, aumentaram absurdamente. Você para pra pensar olhando hotel, comida. De alimentação, eu pagava R$ 18, R$ 19. Hoje, pago R$ 60 num ticket desse [de alimentação para staff]. Aí que você para pra pensar. Pega preço de escola, de tudo, o quanto realmente aumentaram as coisas. Isso tudo vem para cá. E no momento que você cobrar um valor X do patrocinador, por mais que seja com Lei de Incentivo ou não, você tem que dar a contrapartida para ele. O cara fala "vou meter R$ 300 mil, R$ 400 mil num torneio", o cara quer um negócio arrumado, ele quer ver gente, ele quer ter relacionamento. E tudo isso aqui custa.

E vai somando…

Se a gente para pra pensar… Com uma equipe super reduzida, vamos fazer uma conta rápida: 20 pegadores de bola com chefe, mais 25, 26 árbitros, põe 10 de staff geral, mais sete de apoio, a gente está falando de 70 pessoas. É gente pra burro. Tem que dar comida, transporte e as obrigações. Outra coisa que me assustou outro dia foi o preço da bola de tênis. R$ 700 uma caixa de bola é um negócio surreal, e as empresas falam que não ganham dinheiro! O Jairo [Garbi] fala que bola não dá dinheiro, que é complemento, pra chamar gente para a loja. Aí tem toalha, Gatorade, vai botando tudo no papel…

Eu falei com o André Ghem ontem, e ele disse que o ideal seria que o país tivesse uns seis Challengers por ano. Isso não seria muito, então não criaria um "ranking fictício", e ao mesmo tempo seria um número bom pra expor o tênis, mostrar a competição nos clubes, para os jovens, para incentivar mais gente a jogar. Você acha seis um número bom?

Óbvio que hoje viajar está caro, mas teve um ano que só nós [Instituto Sport] fizemos seis. Se não fosse Lei de Incentivo hoje, não teríamos nenhum Challenger.

A Lei de Incentivo é outro ponto que eu queria comentar com você porque ela aparentemente forçou promotoras a criarem institutos ou ONGs ou fazerem parcerias com federações ou confederações que possam captar essa verba. É uma lei bem intencionada, mas o quanto isso atrapalhou?

Na lei estadual do Rio, não precisa ONG. O evento pode ser feito por empresa privada. Não sei se é melhor ou pior. O Instituto Sports nós criamos também para isso, está dentro das leis, mas a gente faz cursos de pegador de bola, a gente doa bolas para projetos sociais. A gente fala muito do pegador de bola porque na minha cabeça ele é o maior beneficiado. Ele pode usar isso como carreira depois. Hoje, os clubes já não têm mais pegador…

Por causa de outra lei, bem intencionada, mas que afetou o tênis de um jeito negativo (a lei federal estabelece vínculo empregatício entre clube e boleiros, mesmo quando há um acordo informal, e por isso os clubes sociais não permitem mais que jovens sejam boleiros para associados)…

A lei diz que você pode ter boleiro, mas precisa ser contratado via CLT. Os clubes não querem porque depois precisam lidar com ações trabalhistas. Mas um garoto desses começa a jogar tênis, vira batedor, daqui a pouco vira um garoto bom, pega um cara que contrata ele para alguma coisa… É o melhor caminho. E por que fazemos torneio com o Instituto Sports? Porque inicialmente você não pode ganhar dinheiro em cima da lei, mas é legal vender outros patrocinadores. O clube pode fazer uma ação de marketing, e a gente ganha dinheiro, por exemplo, fazendo ativações, coisas que não têm a ver com o evento. É aí que a gente busca o lado financeiro. Mas hoje a gente trabalha muito mais e ganha muito menos. Em cima da lei – mesmo – não existe possibilidade. Até porque hoje está difícil captar tudo que você precisa. Na maioria das vezes, a gente tem verba de marketing pra cobrir esses custos.

Como assim?

Por exemplo, se eu pegar a rubrica de imprensa, não paga tudo que está aqui, mas a gente tem que investir porque tem que dar retorno para o patrocinador, então a gente acaba tendo uma verba de marketing que direciona para algumas coisas.

Quando você faz um torneio com Lei de Incentivo, não pode colocar o patrocinador principal no nome do evento. Daria para arrecadar mais com esse, digamos, naming rights, de forma a compensar não usando a Lei de Incentivo?

Isso é uma coisa até que eu questiono… Vamos falar do tênis… Os patrocinadores voltados para o tênis, eu não sei dizer quantos deles estão porque é dinheiro incentivado ou se amanhã, se acabar a Lei, se eles vão continuar com o mesmo volume de dinheiro se não for incentivado. Não sei dizer se isso foi bom ou ruim, se a Lei acostumou mal.

A diferença para o patrocinador é que esse dinheiro iria para imposto, certo?

A Lei de Incentivo funciona assim: para uma empresa jurídica, 1% do que ele paga de imposto de renda ele pode usar para patrocinar um evento incentivado. Se for pessoa física, sobe para 6%. Por exemplo, a Aché tem o setor tributário deles, e eles veem que vão faturar R$ 100 mil. Então R$ 1 mil pode ir para a Lei de Incentivo. Isso teria que ser usado em imposto de renda.

Então em vez de pagar o imposto, você coloca num evento e tem um retorno de marketing…

Exatamente. O dinheiro que iria para o governo, eles usam para isso. Na realidade, esse dinheiro não é da Aché. É do governo. É por isso que existe fiscalização e tudo mais. É um dinheiro público.

E essa fiscalização ela meio que engessa o uso desse dinheiro, se eu entendi direito…

Por exemplo, quando se mexe com passagem aérea, você tem que colocar [no projeto] o preço mais caro porque você não sabe se vai subir ou não. Teve um ano, que no projeto escolar [Circuito Itaú], em 2015, nós devolvemos R$ 380 mil porque compramos passagens mais baratas. Está lá, GRU, aprovado e devolvido. Eu faço um orçamento X de um painel. O orçamento deu dez reais. Se depois eu consegui por oito, devolve.

Só não pode incluir coisa depois de aprovado o projeto, né?

Não. O que você pode é, antes de começar o evento, se houver tempo e você vê que não vai usar aquilo [algo incluso no projeto], você pede um remanejamento daquele dinheiro para outra coisa, mas isso tem que ser aprovado em comissão. Tipo "vou fazer num clube tal, não preciso de segurança" e tem R$ 30 e poucos mil de segurança [citados no projeto]. Em compensação, as camisas estão mais caras. Aí você consegue remanejar para lá.

Para esse torneio aqui, em outubro de 2017, quando se envia o projeto?

O prazo este ano é 15 de setembro. Tem que ser aprovado no fim do ano para ser realizado no ano que vem porque geralmente é até 31 de dezembro que eles [empresas] aportam. Este [torneio] aqui foi [com um projeto] do ano passado. É complicado. É uma mão de obra do cacete.

Alguns anos atrás, o Brasil teve mais de 30 semanas de Future no calendário. Você acha bom?

Eu acho. Eu acho porque… Cada um tem uma visão diferente de como tem que ser a trajetória do atleta. Para mim, ou o cara vai ou ele não vai. O cara que está jogando tênis há dez anos e vai jogar Future… (interrompendo) Mas se eu vejo que o cara está no começo da carreira dele, 17, 18, 19 anos, daqui a pouco tem que passar para o Challenger, vai. Mas se um tenista de 35 tem que jogar Future… Pra quê? Hoje, o esporte é muito físico, né? É complicado, né? Se é um cara que foi 100 e pensa "acho que vou dar um comeback", como o Rogerinho fez! Mas é um cara que já tinha estado nos 100 e acreditava nele ainda.

Existe alguma coisa que federações ou uma Confederação poderia fazer para criar um ambiente favorável a mais torneios no país?

Algumas coisas facilitariam. Por exemplo, a premiação está dentro do projeto. A gente enviou US$ 50 mil para a ATP. Eu, para remeter esse dinheiro, paguei 17,60% de tarifa de remessa. Deu quase R$ 30 mil só de imposto. Dentro do projeto. Se você fizer um Challenger via CBT, se é a CBT que envia esse dinheiro, esse envio não tem custo. É isento. Isso já seria uma grande coisa.

Aí a gente já está falando de quase R$ 200 mil de premiação…

Mas foi! Se pegar os US$ 50 mil, deu R$ 170 e poucos mil.

E governos podem fazer o quê?

Ah, algumas cidades dão dinheiro, chamam de convênio. Às vezes, acontece. A gente nunca mexeu com convênio.

Com ATP, não tem mais diálogo que deixe algo mais fácil?

Está cada vez mais difícil.

Este Challenger é o primeiro de 2017 no Brasil. Vai haver mais um, em novembro, no Rio de Janeiro. O cenário para o ano que vem é o mesmo?

A gente vai tentar [mais]. Vamos tentar fazer. Estávamos com três projetos aprovados este ano, mas a gente não conseguiu captar. O que acontece? Se o Brasil vai muito ruim, as empresas faturam menos e pagam menos imposto. E são vários projetos correndo atrás do mesmo dinheiro. Nós temos três Challengers que não foram captados. Nós pedimos readequação de data para o ano que vem. Já autorizaram. Então a gente vai tentar bombar neste final de ano. Mas é duro captar tudo.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

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