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Saque e Voleio

Zé Pereira: após ajuda de ‘anjos’, um novo olhar sobre a vida no circuito

Alexandre Cossenza

06/10/2017 07h00

É fácil olhar para a chave do São Paulo Challenger, disputado esta semana na Sociedade Hípica de Campinas, e dar muita atenção ao nome de José Pereira. Afinal, ninguém lembra de um grande resultado do tenista no último ano, né? Claro que não. O alagoano de 26 anos mal jogou nos últimos 12 meses. E é essa história dura que ele conta na entrevista abaixo.

Uma história que começou justamente em Campinas, quando ele precisou abandonar um jogo contra Feijão por causa de dores no ombro. Depois dali, Pereira passou por uma cirurgia que não tinha dinheiro para pagar, sofreu com o tempo de inatividade e aprendeu, meio que na marra, a ver a vida – e o tênis – de outro jeito. Aprendeu sozinho e aprendeu com a calejada irmã, Teliana Pereira. Voltou dez meses depois, viu seu ranking despencar para além de 1.400 (hoje, é o #1.237) e recomeçou quase do zero.

Na conversa que tivemos na quinta-feira, em Campinas, onde estou a convite do Instituto Sports, Zé Pereira falou da vida, do tênis, de administrar expectativas, da dura transição de juvenil promessa para "mais um" profissional e da diferença de mentalidade de jovens excepcionais como Alexander Zverev. Leiam!

Quando você abandonou aquele jogo contra o Feijão por causa de dores no ombro, já tinha noção da gravidade da lesão?

Essa dor no ombro eu senti a minha vida inteira, mas não era tão forte. Sempre achei que era uma inflamação, uma tendinite, e passava. Eu ficava dois, três meses, e não sentia nada. Mas nos três meses antes daquele torneio, eu comecei a sentir uma dor muito forte. Cada vez que eu ia sacar, era… "estrelas". Eu achava que ia passar, que ia passar, aí aqui, com o Feijão, chegou num nível que eu não conseguia nem levantar o ombro. Voltei para casa e descobri que esse osso (demonstrando no ombro direito) tem que acabar aqui para juntar com os outros. O meu, não. De nascença, eu tinha um gancho. Esse gancho, toda vez que eu levantava para sacar, ele entrava nos meus tendões. E estava uma inflamação absurda já. Tive que abrir, raspar, tirar esse excesso e hoje estou normal.

Mas como foi receber essa notícia?

Ah, não foi agradável, não. Eu pensei "vou voltar, vou fazer fisioterapia e vai passar. Se tiver que ficar dois meses parado, vou ficar". Achei que fosse uma lesão igual a outras que eu tive. Quando ele [o médico] falou que eu tinha que fazer essa cirurgia, você acaba pensando, revendo um monte de coisas também… Até porque eu não tinha 18 anos, não era mais moleque, então foi uma decisão difícil e tentei me agarrar a uma coisa só e seguir.

O médico te deu uma previsão? Chegou a considerar a hipótese de não solucionar?

Na verdade, ele falou que era, em média, 7 ou 8 meses para voltar. Eu voltei quase dez meses depois. Só que nesse período, eu tentei voltar algumas vezes a treinar e não conseguia. O médico até cogitou fazer outra cirurgia, e isso já depois de sete meses. Ele falou "vamos ter que colocar um gancho aí para segurar e vai ser um ano a voltar a pegar na raquete e um ano e meio para voltar a jogar tênis mesmo."

Bate um pânico nessa hora?

Ah, saiu muita lágrima do meu rosto, viu? Nossa! Teve um quesito financeiro também porque eu não tinha plano de saúde. A cirurgia foi quase R$ 20 mil, não tinha de onde tirar. Consegui uma pessoas, "uns anjos", que eu falo, que [deram] um pouco aqui, um pouco ali, e me ajudaram. Não cito nomes porque eles não querem aparecer.

Que bom!

Foi legal! E isso me deu muita força também porque essas pessoas, fora minha família, meus irmãos, todo mundo, essas pessoas sempre acreditaram em mim e falaram "Não, você vai seguir. Por nós, você vai seguir porque a gente acredita em você."

Nesse tempo todo, antes da primeira tentativa de voltar, o que você fez? Como é que passa o tempo? Via tênis na TV?

Eu via tênis na TV, sim, mas é uma fase muito difícil. Beleza, no começo não vou dizer que era legal, mas eu estava em casa, coisa nova, "Ah, vou ver TV". Não tem nada que fazer, beleza. Mas passaram duas, três semanas, eu não podia fazer muita coisa porque nem andar mais rápido conseguia, ficava com o ombro imobilizado. Chegou depois de um mês e meio eu já estava doido em casa, querendo fazer alguma coisa. Já tinha feito tudo que queria fazer fora do tênis e cheguei até a ter alguns – não problemas, mas você acaba pensando muito, tive alguns dias que acordei muito, não vou dizer depressivo, mas muito triste, sabe? Aí que você começa a reavaliar e vê que a vida não é só o tênis. Você começa a ver que fora tem outras coisas também, outras prioridades…

A pessoa José Pereira, hoje, é muito diferente daquela de um ano atrás, então?

Posso dizer que sim. Bem diferente. Tenho certeza que amadureci e estou valorizando outras coisas assim, não só a bolinha de tênis. Lógico que eu me dedico 100%, mas a minha mente está tranquila que não existe só isso. Antes eu pensava que era só isso aqui mesmo. Não assim de pensar que o mundo era só tênis, mas eu me dedicava 100%, e as outras coisas estavam em segundo plano. Hoje, já não é tanto isso. Já consigo equilibrar melhor.

Isso tira o peso de uma derrota, por exemplo? Fica mais fácil de lidar com um resultado negativo sem te abalar para a semana seguinte?

É isso. Na verdade, é isso! O tênis é legal porque toda segunda-feira você tem uma chance nova. Hoje, é entrar na quadra, dar 100% e desfrutar, que é uma coisa que eu vejo que poucos tenistas fazem. Principalmente os mais novos. Eles acabam entrando na quadra e, nossa, é uma loucura. Tem que desfrutar mesmo ali dentro. Depois que você fez o jogo, não tem muito o que fazer. A maioria dos jogadores, acabou o jogo, fala "meu deus, eu queria ter feito isso, queria ter feito aquilo", então tem que aproveitar cada momento ali.

Eu vi recentemente você treinando com a Teliana, não lembro agora em que rede social foi. E ela é uma menina que teve problemas sérios de joelho, operou algumas vezes, ficou muito tempo parada e voltou a jogar bem. Vocês conversavam sobre isso?

Ah, bastante! Ela me ajudou bastante na minha volta! Realmente, era uma coisa muito nova para mim. Eu achava que ia voltar por cima de tudo, maravilha, podendo bater forte na bola. Ela falava "Não é assim, vai passo a passo…" e até hoje eu sinto dor. É uma dor diferente, e ela fala "Você vai sentir pro resto da vida. Eu fiz cirurgia oito anos atrás e sinto dor ainda." O corpo nunca vai ficar igual, e ela, nessa parte mental, ela sempre me segurou muito. Sempre que eu quis ir pro lado negativo, ela "Não, calma, pensa por aqui, pensa por ali." Ela foi me guiando nesse caminho.

Sim, ela fala sempre que tem dia que ela acorda e o joelho está ótimo, mas tem dia que ela levanta e vê que vai ser complicado porque vai doer mais.

É isso mesmo. Ontem, por exemplo, eu acordei ruim do ombro. Acordei ruim, assim, só que hoje estou sabendo lidar. Antes eu acordava ruim e já era tipo "Meu deus, não vai dar mais." Hoje, acordou ruim, beleza. Vai ter que ficar bom. Hoje meu ombro é meu amigo. Eu vou sentir ele mesmo e vai ser assim.

Que tipo de atividade você adotou nesse tempo pra ajudar a passar mais rápido?

Olha, antes, por exemplo, eu vinha para o torneio e ficava muito pilhado. "Eu tenho que treinar logo, tenho que fazer isso, fazer aquilo, tenho que sentir a bola…" Sempre assim, eu me obrigando a fazer coisas. Hoje, não. Eu venho aqui, desfruto, vou comer, tô numa boa, vou ver um jogo, olho de um outro jeito, sem cobrança nenhuma. Quando vou treinar, já sei mais ou menos o que tenho que fazer, então tento desfrutar. E fora da quadra, tento curtir mais a parte de família mesmo. Estou sempre ligado com meus pais, minha noiva… Antes eu não trazia muito ela, mas eu era mais moleque, falava "ah, não, vai me atrapalhar." Hoje, eu vejo que mais me ajuda do que me atrapalha. Na verdade, eu me atrapalho se fizer besteira, não treinar, sei lá. Hoje, eu vejo que [a presença da noiva nos torneios] ajuda muito mais.

E quando você finalmente volta para o circuito, volta com um ranking que foi parar em 1.400 e alguma coisa. Dá uma agonia quando você abre o site da ATP e vê um número desses? Tudo bem que é algo esperado pra quem fica tanto tempo fora, mas causa um impacto quando você olha e percebe que "é isso mesmo"?

Não bate desespero. Você olha, e não é algo normal. Acho que não. Eu, que cheguei a duzentos e pouco do mundo, me considero duzentos e pouco do mundo hoje [Pereira já foi #232 do mundo, marca alcançada em 2015]. Tenho tênis para isso. Esse negócio do ranking não vejo muito, não.

Anteontem a gente estava no restaurante, você tinha acabado de ganhar a primeira rodada e disse algo do tipo "não tenho nada a perder" e "coisas boas acontecem quando a gente não cria expectativa". Isso foi antes de jogar contra o Facundo Bagnis, que já foi 55 do mundo. E você foi lá e também ganhou dele.

Mas é sempre assim. Quando você cria expectativas, não dá muito certo. O negócio é não criar expectativas. Eu tô nessa vibe (risos).

Mas como administra isso agora? Porque ao mesmo tempo em que você quer pensar assim, você sabe que ganhou um jogo duro [Bagnis], e isso deve te dar confiança para ir mais longe no torneio. Como se gerencia esse otimismo?

É… Vêm alguns pensamentos, um ou outro, mas você para e pensa: "O que eu estou fazendo está dando certo." Então você vê que está no caminho certo, trilhando, fazendo as coisas certas. Mas claro, vem um pensamento, uma coisa ou outra. Sempre vem alguma coisa com expectativa, tipo "e amanhã?" Por exemplo, amanhã vou jogar com o [Gonçalo] Oliveira [#229]. Ele joga muito bem, mas tem um ranking pior que o do Bagnis. Eu sei que nessa altura do campeonato, não tem ranking. Principalmente nesses torneios aqui, não tem muito isso. Você pega um cara que é 150 e outro 250, não tem muito de diferente.

Outro assunto que eu queria saber sua opinião é a questão do Orlandinho. Falam muito da expectativa com ele, que foi número 1 do mundo juvenil. Ele teve um 2017 difícil, com lesões e tal, mas garotos que jogaram com ele estão ali no top 50 já. Você foi número 4 do mundo como juvenil e não só isso. Você sempre foi o melhor do país em todas faixas etárias. Hoje, mais velho, como você vê o Orlandinho tendo esse primeiro impacto da entrada no profissional?

Na verdade, no juvenil você está sempre ganhando muito mais do que perdendo. Aí chega no profissional, você vai lá com dois pontos na ATP, 1.500 do mundo, e acabou. Você não é o número 1 do mundo juvenil. Você vai ter que jogar com um cara de 35 anos, 500 do mundo que vai lá e vai te ganhar de 2 e 2, às vezes. Tem que ter a cabeça muito firme nessa questão de saber perder. Saber perder e saber evoluir. Eu passei por essa fase, não é uma fase fácil. Passei por tudo que ele está passando, na verdade. Tem que continuar firme e saber que você vai perder muito mais do que ganhar.

Ele comentou comigo ontem sobre a diferença que é estar no juvenil fazendo quatro, cinco jogos por semana e agora, de repente, jogar uma ou duas partidas só.

É, uma ou duas.

E precisa de ritmo, mas não consegue porque não ganha.

Sim, e às vezes você passa dois meses sem ganhar um jogo. E a cabeça fica ali. E referente a Zverev e esses caras, é outra cultura, né?

Sim.

Com 14, 15 anos eles estão treinando com Federer, com Nadal. Chega com 17, 18 anos, não tem nada novo para eles. O sul-americano chega com 18 anos, vai jogar profissional, e é tudo novo. Às vezes você está jogando contra um cara super bom, vai lá, acaba perdendo e – eu sei porque passei por isso – você vai lá e fala "Nossa, joguei bem." Sai satisfeito porque fez um jogo duro com um cara que joga bem. Lá fora, não. O cara, com 16 anos, já está tão acostumado que faz um jogo duro e fica bravo porque podia ter ganhado. "Perdi uma chance." Não fica feliz porque jogou bem.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.