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Orlandinho: 'Distância é grande, mas não tão grande'

Alexandre Cossenza

05/10/2017 07h00

Mais um papo legal que deu para bater aqui em Campinas, onde estou esta semana para acompanhar o São Paulo Challenger de Tênis, foi com Orlando Luz. Ex-número 1 juvenil, o gaúcho de 19 anos, atual número 599 da ATP, vive tempos complicados. Só em 2017, teve lesões na perna, no ombro e nas costas. Também precisou passar por uma cirurgia nos olhos.

As questões físicas cobraram seu preço, e Orlandinho venceu 13 jogos (nenhum em chaves principais de Challengers) e perdeu 12. Há quase quatro meses sem vencer, ele também perdeu na estreia em Campinas, onde ganhou um wild card para a chave principal. No dia seguinte ao do revés diante do eslovaco Andrej Martin, o gaúcho e eu batemos um papo sobre muita coisa.

Orlandinho falou sobre a recente mudança em seu regime de treinos, sobre as expectativas (ainda) não cumpridas, sobre as dificuldades que vem encontrando no circuito profissional (desde gastos até viajar sem amigos) e também sobre os adversários dos tempos de juvenil que já estão entre os melhores profissionais do planeta. Foi nesse momento, lembrando de gente como Alexander Zverev e Andrey Rublev, que o gaúcho ressaltou que não tem intenção nenhuma de bater recordes e que disse a frase do título deste post. Leiam abaixo.

Esta temporada de 2017 coloca uma situação relativamente nova para você, né? Foram poucos jogos e poucas vitórias. É o ano mais difícil da sua vida? Como você está sentindo essa temporada?

Está sendo uma temporada bem difícil para mim. Vários contratempos, lesões, tive que abrir mão de vários torneios por conta disso, e a gente perde muito ritmo. Tenista tem que estar jogando toda semana praticamente. Isso quebrou meu ano. Estou tentando voltar agora e pegar isso o mais rápido possível. Não é fácil porque eu já estou fazendo bem no treino, mas no jogo ainda não consigo fazer tão bem. É algo que só se pega jogando. Então quando você está sem confiança, você não ganha. É uma coisa diferente. Você tem que ganhar para conseguir adquirir confiança. Acho que eu preciso jogar mais. Estou fazendo um, dois jogos por semana, então isso é duro. Maas já, já acho que vou estar jogando o meu melhor. No treino, já está bem. Na quadra, ainda faltam algumas coisas para ajustar no jogo mesmo.

Você falou para a Lia [Benthien, assessora de imprensa do torneio] depois do jogo contra o Martin [cabeça 6, #170 do mundo], que é um exercício de paciência porque você entra num Challenger, que é um torneio mais forte, e pega um cara experiente. De repente, a coisa não dá certo, você vai ficando impaciente e a coisa vai virando uma bola de neve?

Não é uma sensação boa, né? (risos) É isso mesmo. Eu estou precisando de ritmo, e o jogador que eu peguei era um jogador que já está no circuito há bastante tempo, este ano mesmo ganhou dois Challengers. Ele está numa sequência, está muito bem, então isso dificultou. Ele me fazia jogar todos os pontos, não me deu um ponto de graça, e isso é difícil. No momento que eu estou, ter que matar todos os pontos, fazer tudo muito bem, é difícil. Mas acho que aos poucos, jogando, isso vai voltar.

Pelo que dá para sentir, não parece ser o caso agora, mas em algum momento você ficou nervoso ou incomodado com a sensação de "não estou subindo ou evoluindo como deveria ou gostaria"?

Nunca passou pela minha cabeça. Hoje, tem vários jogadores no topo que já jogaram comigo. Alguns que são três, quatro anos mais velho, alguns da minha idade… Eu vejo, admiro por eles estarem lá já, mas sei que cada um tem seu tempo. Jogador da América do Sul leva um tempo maior, todo mundo sabe disso, e hoje a média de idade é muito mais alta. Jogadores com 28 anos estão chegando no top 100. Essas pessoas que estão com a minha idade… É algo irreal, são exceções. Estou buscando chegar aonde eles estão. É o bolo, que é o top 100, todo jogador quer estar ali, entre os melhores do mundo, mas também quero chegar com uma estrutura boa para não bater e cair. É longo. Você vê jogadores como o Federer, que tem 35 anos e está vivendo um dos melhores momentos da carreira. Eu diria que tenho mais uns 16 anos de carreira ainda.

E isso vale para níveis diferentes, né? O Rogerinho está num momento ótimo agora também, bem depois dos 30…

Então! Disso eu tiro uma base. O Rogerinho batalhou a vida toda e agora está com o melhor ranking, está vivendo a melhor fase da vida dele no tênis, e é mais velho, né? Então estou sendo paciente e estou trabalhando. Muito! Mais do que eu já trabalhei a vida toda porque tenho um objetivo. Quero ser um bom tenista e de um jeito ou de outro eu espero chegar lá.

Você teve uma carreira juvenil excelente, com muito mais vitórias do que derrotas. Isso traz atenção, cobrança, patrocinador, etc. Mas, independentemente disso, por você ter perdido tão pouco naquela época, é mais difícil aceitar esse momento agora?

Ah, acho que é. Foi uma carreira muito boa no juvenil. Joguei muito bem, tive vários resultados. Eu jogava de quatro a cinco jogos por semana. Hoje, jogo um ou dois. É difícil. É difícil! Mas como eu disse, estou com uma cabeça boa, trabalhando, e um dia vão vir todos esses frutos. O pessoal não entende às vezes que tênis requer uma "faculdade" (Orlandinho gesticula indicando aspas com as mãos) também. São três, quatro anos em que você tem que evoluir para, depois, colher os frutos.

O quanto você lê de notícias, comentários, redes sociais sobre você? Você presta atenção nisso?

Eu presto! Eu vejo, eu gosto bastante de mexer no celular, passo o dia inteiro com o celular na mão e vejo Facebook, Instagram, qualquer tipo de matéria. Não só sobre mim. Sobre tênis, outros esportes, sobre o que está acontecendo no mundo. Eu sou bem informado. Vejo o que falam de mim, claro. Não digo que me afeta. Não me afeta, não. Mas eu vejo. As pessoas que estão falando mal ou que não me apoiam eu só deixo passar. Não tem muito que fazer. Isso não vai acrescentar nada na minha carreira ou na minha pessoa. Eu agradeço demais quem me manda mensagem pra me dar força para continuar trabalhando, que meu dia vai chegar, que eu vou colher frutos no futuro, que as coisas vão dar certo. Essas pessoas eu aprecio. Tento responder todas elas porque é uma coisa que ajuda. As coisas negativas não me afetam de modo algum, mas as coisas positivas que eu recebo me afetam de um modo muito bom. Estou sempre tentando falar com essas pessoas, responder e agradecer o apoio e o carinho de quem vem torcer nesses torneios. Não só os meus jogos. Campinas é uma cidade que não é pequena, é um torneio que não é pequeno, e as pessoas têm que valorizar o tênis em si.

Você falou um pouco dos caras da sua idade que estão lá no alto e que são exceções, como o Rublev, que jogou contra você em Roland Garros no juvenil. Por serem exceções, talvez não seja muito justo fazer essa comparação. Isso te incomoda?

Não, não me incomoda. Como eu disse, na minha cabeça eu tenho muito claro que cada jogador tem seu tempo, e eu estou trabalhando. Ele [Rublev] deve ter trabalhado tanto quanto ou mais do que eu e está colhendo os frutos dele agora já. Fico feliz por ele e pelos outros. Zverev, Rublev, todos eles jogaram comigo, são meus amigos. Conheço eles e, bom, estou trabalhando para chegar lá. Eles chegaram primeiro, mas como eu sempre digo, não estou aqui para bater recorde ou ser o cara mais novo a fazer isso ou aquilo. Eu quero ser um bom jogador e sei que tenho tempo para isso.

Você conseguiu ver alguma coisa do Rublev no US Open (o russo foi até as quartas)?

Vi, vi. Acompanhei bastante.

Parece muito diferente o que ele joga hoje, comparando com quando vocês se enfrentaram?

Não! Não acho! Claro, ele melhorou a parte física. A gente era mais novo naquela época. Eu tinha 16, ele tinha 17 anos, e muita coisa muda em três anos. Acho que a parte física dele está melhor. Acho que ele está sacando melhor também. E, bom, os golpes são os mesmos. Isso não muda, não.

É questão de consistência?

É, questão de consistência. De velocidade, acho que não mudou muita coisa, não. Ele já era um cara que batia muito forte desde pequeno, e jogava muito rápido. Eu não consigo ver uma fórmula para chegar lá tão rápido ou para dar certo, mas com trabalho, um dia vai dar.

Por não ser uma diferença tão grande, isso te anima? Porque você vê que não precisa mudar radicalmente nada no seu jogo para chegar lá…

Claro, com certeza. A distância é grande, mas ao mesmo tempo não é tão grande. São detalhes que precisam ser ajustados. Melhorar a parte física, melhorar a cabeça para estar mais tranquilo na hora do jogo, confiante. E os golpes, claro. Os golpes sempre têm algo a ser trabalhado. O Federer, este ano, falou que melhorou a esquerda. Com 35 anos, ganhou quase 20 slams e ainda está melhorando. Nos golpes todo mundo têm que trabalhar e tem coisa para melhorar.

Você já citou o Federer duas vezes. Entre ele e Nadal, você é Federer fácil? (risos)

Não diria isso, não. Eu gosto muito do jeito que o Nadal joga também. Os dois são os melhores do mundo para mim. É incrível como os dois jogam muito diferente e ao mesmo tempo a cabeça deles é muito forte. As guerras que eles fazem são impressionantes. Quando eles jogam contra, depende muito do momento e do lugar. Se é em Wimbledon, eu torço pro Federer, se é em Roland Garros eu torço pelo Nadal. Gosto muito dos dois e aprendo muito vendo eles.

Fala um pouquinho do impacto dessa mudança de sair da ADK, com o Patricio Arnold, para treinar com o seu pai e o Bocão? Ou não foi um impacto?

Não diria que foi um impacto grande. Eu optei por estar com meu pai e estou muito feliz com isso. O Patricio sempre foi 10 comigo. Foi muito gente boa, um belo treinador e me ofereceu do bom e do melhor lá dentro. Fui lá, falei com ele, a gente se despediu e está tudo certo, tudo bem. A gente é amigo ainda. Foi só uma opção mesmo de voltar a treinar com pai, principalmente nesse momento que eu precisava de um pouquinho mais de atenção.

Mudar de ares faz bem, dá uma motivada?

Depende da mudança. Acho que essa me ajudou porque agora estou mais perto da minha família. Treinar o dia todo com pai, querendo ou não, é diferente. Estar com meu pai e minha família é muito bom.

Eu tive uma conversa com Marcos Daniel muito tempo atrás, quando você ainda estava começando no juvenil, mas já era destaque. Ele disse que o seu pai foi um bom tenista, mas não foi adiante por circunstâncias da época. Disse "ele vai treinar esse moleque bem e não vai deixar ele perder o caminho". Como é essa relação? Seu pai cobra muito, vigia o que você faz?

A gente tem uma relação muito boa de treinador-atleta dentro da quadra e pai-filho fora da quadra. A gente é bem experiente nisso. Ele me cobra bastante (risos). Não é porque sou filho que não tem essa cobrança.

Todo mundo diz que pai é sempre mais exigente com o próprio filho…

Às vezes, é porque ele quer ver o filho bem. Mas meu pai não tem isso, não. Do mesmo jeito que ele me cobra, ele cobra os jogadores dele na academia. Os mais novos, os mais velhos, não tem mudança nenhuma. Meu pai sempre me cobrou muito, mas foi porque eu sempre pedi. Eu queria ser jogador de tênis profissional, e ele falou que me treinaria. Até então, ele só estava dando aula social, tinha a equipezinha dele e depois ele se dedicou. Ele jogou, não foi mais adiante por questão financeira. Tinha uma família grande. Meu pai tem dez irmãos. Minha mãe também tem 10, 12 irmãos. Ele era basicamente o mais velho, tem só uma irmã mais velha do que ele. Ele tinha que cuidar da família, ele já trabalha com 15, 16 anos. Ele dava o jeito dele. Dava aula de tênis, ia capinar alguma coisa, ia ajudar a construir uma casa, então isso atrapalhou bastante a carreira dele, mas ele se tornou uma pessoa incrível e, ao mesmo tempo, um bom jogador que não conseguiu avançar por questões financeiras mesmo.

Você não tem o mesmo problema…

Hoje, eu tenho esse apoio, sabe? Tenho meus patrocinadores… Obviamente que no nível em que estou, gasto muito para viajar, mas mesmo assim não estou passando a necessidade que ele passou. Estou conseguindo fazer as coisas de um jeito bem legal. Com essa combinação agora, como ele já passou por isso, ele sabe como é, vai ser bem legal. Ele tem muito para passar.

O tênis de vocês tem alguma coisa em comum?

Olha (sorriso), eu não vi muito meu pai jogar, mas escutei bastante que a cabeça dele era muito boa, que ele era muito inteligente jogando. Acho que faltou um pouquinho para mim (risos). Eu me considero um cara que sabe analisar o jogo, mas ele fazia melhor isso. E o Marcos Daniel até que já me contou que meu pai tinha uma direita boa e que a esquerda dele era uma boa.

Esquerda de uma mão ou duas?

Uma! Eu prefiro jogar mais com a minha direita, então são diferentes os estilos, mas ele já trabalhou com muito jogador e sabe trabalhar de todos os tipos.

E seu calendário a partir de agora, como está?

Vou para o Challenger de Buenos Aires, dependendo de como for na dupla aqui. Se eu avançar, não vou conseguir chegar a tempo pro quali. Depois, vou para os Challengers de Cáli e Lima, vou voltar para treinar duas semanas em casa, aí vou jogar um Future em Santos e estou em dúvida entre o Future de São Paulo e o Challenger do Rio, a gente não decidiu ainda. Tem o Future de São Carlos e, provavelmente, um Future ou na Argentina ou no Chile, e mais dois no Peru, em Lima. Acaba o ano ali por volta de 21 de dezembro.

Pelo menos dá para fazer uma sequência sem sair do continente.

É, pelo menos isso. Fica um pouco mais fácil.

E mesmo assim não é tão fácil, né? Eu conversei com o André Ghem ontem, e ele falava sobre como as viagens são mais curtas na Europa. Lá, viagem longa são duas horas de avião. Aqui, você vai para Lima, são cinco horas de avião. Vai para Guayaquil, não tem voo direto. Tudo demora muito.

Isso influencia na nossa evolução também. Não só de distância quanto nos gastos. Comprar voo toda semana é complicado, Para fazer uma gira de oito semanas, são dez voos ida e volta. Na Europa, custa 100 euros para sair do país. Para a gente, aqui, custa R$ 2 mil. No mínimo, R$ 1.500.

Até Buenos Aires, aqui do lado, você não paga barato…

R$ 2 mil! Tem que comprar com dez dias, uma semana de antecedência.

Para terminar: você cresceu com uma galera como o Zormann e outros que ainda não estão jogando Challengers. Você vem aqui para Campinas e isso também é um impacto? É óbvio que faz parte do processo, mas você se sente mais sozinho? É mais difícil passar por isso sem os seus amigos, os caras com quem você cresceu, do lado?

Eu sinto, eu sinto bastante. É complicado não só estar viajando sozinho, sem treinador, mas estou sem meus amigos. Até antes, quando não treinava com eles, eles estavam no IGT, eu treinava no Larri, e a gente viajava o tempo todo junto. Eu e o Zormann, a gente joga dupla em todo torneio que pode, fica no quarto junto, então para mim é difícil ficar no quarto sozinho, não tem quase com quem conversar… Passo o dia no clube, treino, fico no celular para conversar. Essas viagens sozinho são bem complicadas, Pega bastante.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.