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Saque e Voleio

Michael Jordan tem o 'Flu Game', Del Potro tem a noite mágica na Grandstand

Alexandre Cossenza

05/09/2017 01h59

Era o Jogo 5 das finais da NBA de 1997. O Chicago Bulls vinha de duas derrotas para o Utah Jazz em Salt Lake City, e a força de Karl Malone, John Stockton e cia. na Delta Arena fazia muita gente crer que o time de Jerry Sloan tomaria a dianteira naquela noite de 11 de junho. Para piorar, Michael Jordan, o craque da companhia, acordou com o que muita gente tratou como virose na época (mas foi na verdade uma intoxicação alimentar). Tudo jogava contra os campeões da NBA.

Os Bulls, com Michael Jordan visivelmente sem a energia de sempre, viram o Jazz abrir 16 pontos de frente no segundo quarto, só que MJ teria um dia "daqueles". Fez 17 pontos no segundo quarto, mais 15 no último período, terminou com 38 e fez uma bola de três a 25 segundos do fim que deu a vantagem definitiva aos Bulls. Esse jogo, marcado pela imagem de um Jordan esgotado sendo abraçado/apoiado/carregado por Scottie Pippen, será lembrado para sempre como o "Flu Game".

#MJmondays |38pts while sick Tag someone you'd carry off the court!

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Pulemos para a tarde de 4 de setembro de 2017. Juan Martín del Potro acordou com febre e foi para quadra enfrentar o jovem Dominic Thiem, típico marreteiro que exige força (em mais de um sentido) de um rival. A diferença de energia era visível no começo. Delpo pediu atendimento médico logo no início. Recebeu um comprimido e ficou em quadra. Parecia questão de tempo para Thiem avançar. Fosse por abandono do rival ou no jogo mesmo, já que o austríaco abriu 6/1 e 6/2.

O argentino pensou em desistir, mas a Grandstand lotada não deixou. Mais tarde, Delpo disse que "estava tentando abandonar no segundo set, mas vi o público esperando mais tênis, esperando pelos meus bons forehands, bons saques. Tomei aquela energia e mudei de uma maneira boa e pensei em lutar e não desistir." Seu primeiro winner veio só no quinto game dessa parcial. Ainda assim, parecia improvável que um tenista debilitado fosse capaz de virar contra Thiem.

Del Potro, contudo, não é um tenista qualquer. Qualquer que tenha sido o efeito do comprimido, a mistura com o apoio do público deu um resultado explosivo. Quando quebrou Thiem e fez 3/0 no terceiro set, o campeão do US Open de 2009 parecia renovado. Embalou e fez 6/1. E quanto mais seus golpes entravam, mais Thiem errava. De certa forma, o austríaco é a encarnação tenística do coiote do Papa-Léguas. Tem uma bigorna como arma, mas lhe falta inteligência para usá-la.

Ainda assim, Thiem teve suas chances. Sacou para fechar o quarto set e falhou. Mais tarde, no 12º game, teve dois match points. Só não conseguiu tocar na bola. Del Potro disparou dois aces, incendiando a torcida (notem a empolgação do torcedor gritando "let's go, baby" no vídeo acima) e ganhando embalo para vencer o tie-break por 7/6(1) e forçar o quinto set. E aí todo mundo já sabia o que iria acontecer.

Thiem, justiça seja feita, não desmoronou. Seguiu tentando, ainda que com o jogo organizado naquele jeitão de debate parlamentar em Brasília. Impossível conter os mísseis de direita do argentino assim (ou de quase qualquer outro jeito, sejamos honestos). Mas o austríaco saiu brilhantemente de um 0/40 no sexto game. Ficou no jogo enquanto conseguiu. No décimo game, salvou um match point. Porém, quando encarou um segundo ponto do jogo, mandou uma dupla falta. Game, set, match, Del Potro: 1/6, 2/6, 6/1, 7/6(1) e 6/4.

Não valeu título, não tinha medalha em jogo nem era Copa Davis, mas a noite desta segunda-feira vai ficar tatuada na mente de muita gente porque um cidadão chamado Juan Martín Del Potro foi um titã. Brigou contra o corpo, contra um adversário top 10 e deixou uma quadra, um torneio e um mundo em êxtase. Porque, como escreveu Maxi Friggiero no Diario Olé, "Del Potro es pura sangre. Es corazón. Es tenis."

Coisas que eu acho que acho:

– O magnetismo de Juan Martín del Potro é algo glorioso (não canso de compará-lo a Guga nesse quesito). É carisma, é carinho, é uma capacidade absurda de cativar as pessoas ao seu redor. Notem nas imagens do público que há argentinos, mas também há gente de todo tipo festejando o resultado. Era assim com Guga, é assim com Delpo.

– Vale para hoje e vale pelo post que escrevi sobre Diego Schwartzman: eles são tão poucos, ficam tão perto, e nós temos tanto a aprender com eles…

– Ontem escrevi que Schwartzman jogava Challengers no Brasil três anos atrás. Pois nesse mesmo ano de 2014 o russo Andrey Rublev fazia a semifinal juvenil de Roland Garros contra Orlandinho. Hoje, Rublev bateu David Goffin, se classificou para as quartas de final do US Open e garantiu sua entrada no top 40.

– Para quem não entendeu ou não conhece a história: "flu", de "Flu Game", é a versão curta do vírus "influenza". Nos EUA, costuma-se dizer que alguém tem "flu" quando sofre os sintomas daquilo que popularmente chamamos de virose aqui no Brasil.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.