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RG, dia 2: mais do que tudo, o exemplo de Rogerinho

Alexandre Cossenza

29/05/2017 16h41

Novak Djokovic ganhou fácil. Rafael Nadal também. Garbiñe Muguruza passou sem drama por um jogo complicado. Houve drama com Kristina Mladenovic, David Ferrer e (um pouquinho só com) Kristina Pliskova. Para o espectador brasileiro, nada, porém, deve ter sido maior do que ver Rogerinho salvar dois match points e virar uma partida com o tornozelo torcido.

Este resumaço do segundo dia de jogos em Roland Garros fala dos favoritos, de quem corre por fora, do drama de quem quase deu adeus precoce e da brasileira Bia Haddad Maia. Só que fala ainda mais de Rogerinho porque um registro assim precisa ser feito. Leiam e entendam o que quero dizer.

O exemplo

Talvez nenhum dos melhores tenistas brasileiros dos últimos 20 anos tenha sido tão pouco reconhecido. Foi, certamente, quem menos deu entrevistas na TV. Foi ignorado – quase esquecido – todas as vezes que seu ranking caiu. E também foi, felizmente, quem menos se importou com isso. Rogério Dutra Silva sempre fez o seu, não importa se falavam dele, se prestavam atenção nele.

Pena que falem pouco. Pena maior ainda que observem pouco. Rogerinho talvez seja o melhor dos exemplos de atleta que um pai pode mostrar para o filho. É esforçado, dedicado a minimizar e compensar as limitações técnicas com muito treino. É lutador, daquele tipo que fica em quadra o tempo que for, não importam as dores, e faz o que for preciso para mudar um placar.

Não é por acaso que Rogerinho está agora, aos 33 anos, vivendo ainda uma belo momento na carreira. Depois de despencar, por causa de leões, para o 533º posto do ranking dois anos atrás. Não é por acaso que, nesta segunda-feira, ele salvou dois match points contra Mikhail Youzhny depois de torcer o tornozelo há menos de uma semana e depois de virar de leve o mesmo tornozelo nesta segunda. Podia ter saído da quadra aceitando a derrota e um cheque de 35 mil euros. Um belo consolo.

Rogerinho não saiu. O ex-boleiro, que um dia precisou jogar um torneio com tênis de "trava" porque não podia pagar por um próprio para a modalidade, ficou em quadra. Suportou a dor, tomou antiinflamatórios e insistiu. Foram 4h11min até que ele saísse vencedor: 4/6, 7/6(5), 2/6, 7/6(4) e 6/2. Esteve perdendo a segunda parcial por 4/1. Salvou dois match points no quarto set. Um triunfo daqueles para lembrar para sempre e que serve de recompensa por todo esforço de anos. Atual #79 do mundo, o #2 do Brasil subirá para perto do 70º posto, colando no seu melhor ranking da carreira (#69). E se isso vem junto com 60 mil euros, melhor ainda.

E você, pai, irmão, tio ou amigo de um tenista, lembre sempre da história deste brasileiro. Não porque ele nasceu aqui, perto de você. E sim porque nem todo mundo pode aprender a bater na bola como Federer, mas qualquer um pode olhar para Rogerinho e aprender como é ser um grande atleta de verdade.

A lamentar mesmo, só a indesculpável postagem da Confederação Brasileira de Tênis (CBT), que noticiou a derrota de Rogerinho para Gilles Simon enquanto o paulista estava em quadra contra Youzhny (vide tweet acima). Sim, Rogerinho perdeu para Simon em Roland Garros, mas o jogo aconteceu na edição do ano passado.

Enquanto a CBT ainda não apagou o erro em sua conta no Twitter (escrevo às 16h30min), Rogerinho já sabe que seu próximo adversário será o canadense Milos Raonic, que não vem fazendo uma campanha espetacular no saibro europeu, mas venceu com folga nesta segunda: 6/3, 6/4 e 6/2 sobre o belga Steve Darcis.

Os favoritos

O dia começou com Garbiñe Muguruza x Francesca Schiavone, um jogo de duas campeãs do torneio. A expectativa por um espetáculo equilibrado logo se desfez quando a espanhola venceu os três primeiros games. Schiavone até esboçou uma reação, cortando a diferença para 3/2, mas a diferença de potência era grande demais para a italiana compensar com spins, slices e outras variações. A campeã de 2010 até que conseguiu equilibrar as ações na segunda parcial, mas a impressão sempre era a de que Schiavone jogava no limite enquanto Muguruza tinha de onde tirar algo a mais se/quando precisasse.

No fim, a italiana não conseguiu resistir. Por 6/2 e 6/4, Muguruza deu um primeiro passo importante em Paris. Não foi o mais fácil dos confrontos, e a espanhola correspondeu com uma atuação muito mais sólida do que várias que vimos desde o título do ano passado. Ela vai encarar Anett Kontaveit, que bateu Monica Niculescu por 7/5 e 6/1.

Entre os homens, Novak Djokovic e Rafael Nadal passearam quase ao mesmo tempo. O sérvio despachou Marcel Granollers por 6/3, 6/4 e 6/2 na Chatrier, mantendo a invencibilidade de Andre Agassi como técnico (um jogo, uma vitória), enquanto o espanhol bateu Benoit Paire por 6/1, 6/4 e 6/1 na Lenglen. De emoção mesmo só o segundo set de Nadal, que precisou salvar dois break points quando sacava em 3/4. Um deles, com um espetacular smash de costas, pegando Paire no contrapé. Depois disso, o francês só venceu mais um game.

Uma curiosidade em comum é que os cabeças de chave que encontrariam Nadal e Djokovic na terceira rodada foram eliminados na estreia. Mischa Zverev, potencial oponente do sérvio, caiu diante do qualifier italiano Stefano Napolitano. Enquanto isso, Gilles Simon tombou diante do georgiano Nikoloz Basilashvili. Não que Mischa e Simon fossem considerados grandes ameaças…

Despedida?

Para muitos, a derrota marcaria a última apresentação de Schiavone em Roland Garros. A italiana de 36 anos, no entanto, não confirmou a aposentadoria na coletiva após a partida. Disse que só vai tomar uma decisão após o US Open. A entrevista do link abaixo, publicada no site italiano Ubitennis, é bem legal. Recomendo.

A brasileira e as duplas

Bia Haddad Maia fez uma bela apresentação diante de Elena Vesnina, mas deixou a russa deslanchar no início do terceiro set e pagou caro por isso. Vesnina, que vinha de quatro derrotas seguidas, sacou para o jogo em 5/1 e, depois, em 5/3, mas perdeu o serviço nas duas ocasiões. A paulista teve a chance de empatar, mas não fez nenhum ponto e viu Vesnina quebrar e comemorar: 6/2, 3/6 e 6/4.

O resultado interrompeu uma sequência de oito vitórias de Haddad Maia. Além de conquistar o forte ITF de Cagnes-Sur-Mer, de US$ 100 mil, a brasileira também precisou triunfar três vezes no qualifying de Roland Garros. Em Wimbledon, pelo menos, Bia tem vaga já assegurada na chave principal.

A chave de duplas mistas saiu nesta segunda, e só Bruno Soares defende o Brasil. Ele forma time com a letã Jelena Ostapenko e estreia contra a dupla da polonesa Alicja Rosolska com o neozelandês Michael Venus.

O torneio de duplas masculinas ainda não começou, mas a chave foi definida no domingo. Como eu não registrei no resumo do dia 1, as menções vão aqui, começando pelos especialistas: Marcelo Melo e Lukasz Kubot, cabeças 4, estreiam contra Benneteau e Chardy; Bruno Soares e Jamie Murray, cabeças 5, pegam Tipsarevic e Troicki ; André Sá e Jonathan Erlich jogam contra Klizan e Sousa; e Marcelo Demoliner e Marcus Daniell encaram os cabeças 7, Dodig e Granollers.

Thomaz Bellucci joga com Carlos Berlocq e encara Rojer e Tecau, enquanto Rogerinho, que forma parceria com Paolo Lorenzi, estreia contra os cabeças 10, Carreño Busta e García-López.

Os sustos

Na Era Aberta (a partir de 1968), Roland Garros nunca viu seu torneio feminino perder as duas primeiras cabeças de chave na primeira rodada. Também por isso, todos alertas ficaram ligados quando Karolina Pliskova, cabeça 2, deixou escapar um 4/4 e 40/0 e perdeu o saque para Saisai Zheng. A chinesa sacou para o primeiro set, mas a tcheca acordou a tempo. Pliskova elevou o nível, devolveu a quebra e manteve o embalo para quebrar a rival novamente e fazer 7/5. A atual número 3 do mundo acabou vencendo cinco games seguidos e avançando por 7/5 e 6/2. Depois da queda de Angelique Kerber, no domingo, Pliskova é a principal cabeça de chave viva em Paris e será nova líder do ranking se sair de Roland Garros com o título.

Drama de verdade quem viveu foi Kristina Mladenovic, que chega pela primeira vez a Roland Garros como postulante ao título – ainda que não esteja entre as favoritas. Atual número 14 do mundo a francesa perdeu o primeiro set e esteve 3/0 atrás da americana Jennifer Brady (#87) no terceiro. Só que a torcida empurrou, Kiki acordou, e Brady sentiu o momento. Mladenovic saiu de 0/3 para 4/3 antes de perder o saque. Com a americana esgotada, as duas avançaram no set longo com quebras para os dois lados.

A francesa sacou para o jogo em 6/5, depois em 7/6. Foi quebrada em ambas ocasiões. Sorte que Brady, esgotada, não fazia mais nada útil com o serviço. Mladenovic quebrou pelo terceiro game seguido, abriu 8/7 e, enfim, venceu: 3/6, 6/3 e 9/7. Depois de tanto drama e da derrota tão perto, a tenista da casa foi às lágrimas enquanto acenava para o barulhento e feliz público da Chatrier. Sua próxima rival será Sara Errani, ex-top 10 que passou pelo quali e estreou na chave principal derrotando Misaki Doi em dois sets.

As cabeças que rolaram

Embora aparentemente sem grandes consequências para a chave, já nenhum dos nomes citados aqui estava entra os candidatos, valem os registros. Na chave masculina, Jack Sock, #15 do mundo, tombou diante de Jiri Vesely pot 7/5, 7/5 e 6/3. Entre as mulheres, Coco Vandeweghe, #20, perdeu para a eslovaca Magdalena Rybarikova: 6/1 e 6/4.

Risco adiado

Alexander Zverev, campeão do Masters de Roma e atual #10 do mundo, começou sua campanha em Roland Garros perdendo o set inicial por 6/4 para Fernando Verdasco. O alemão reagiu, venceu a segunda parcial por 6/3, e a partida foi suspensa. Continuará nesta terça, na Philippe Chatrier, a quadra principal do complexo.

Fiquemos de olho

Kiki Bertens, campeã em Nuremberg, tomou um susto no primeiro set, mas avançou por 4/6, 6/1 e 6/1 sobre Alja Tomljanovic. Não esqueçamos que no ano passado, a holandesa também foi campeã em Nuremberg e só parou nas semifinais em Paris. Bateu Kerber na estreia em três sets. Agora, na segunda fase, ela encara a jovem americana CiCi Bellis antes de, quem sabe, encontrar a ex-número 1 do mundo Caroline Wozniacki na terceira rodada. A dinamarquesa também estreou nesta segunda-feira e passou em três sets pela australiana Jaimee Fourlis.

Marin Cilic, que também vem em bom momento, passou confortavelmente por Ernests Gulbis: 6/3, 6/3 e 6/2. Para sorte do croata, ele viu sua duríssima chave ficar menos complicada porque Federico Delbonis, contra quem precisaria ter paciência e entrar em ralis mais longos no saibro, foi eliminado por Konstantin Kravchuk (#129). O dia só não foi melhor para Cilic porque David Ferrer, seu provável oponente na terceira rodada, escapou de dar adeus por muito pouco. Ele precisou de cinco sets – e um quinto set loooooongo – para bater Donald Young: 5/7, 6/3, 4/6, 6/3 e 13/11.

O ponto do dia

O smash de costas que Nadal usou para salvar um break point no segundo set. Alguns centímetros, e Paire teria sacado para empatar o jogo.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.