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Saque e Voleio

Sobre Thomaz Bellucci e chances perdidas

Alexandre Cossenza

17/04/2017 08h00

Experimente jogar "Bellucci perde chances" no Google, e você vai encontrar links para diversas partidas em vários torneios e contra adversários diferentes. Um tempo atrás, esses títulos costumavam vir direto de sua assessoria de imprensa. Como eram reproduzidos por tantos veículos de imprensa, proliferaram e viraram piada recorrente. Gracinhas maldosas à parte, é bem verdade que Thomaz Bellucci tem no currículo uma quantia considerável de derrotas em jogos contra oponentes inferiores ou em que ele esteve em situação favorável.

Neste domingo, na final do ATP 250 de Houston, aconteceu de novo. E doeu. Primeiro porque Bellucci perdeu uma quebra de vantagem depois de ter 4/2 de frente sobre o americano Steve Johnson, #29 do mundo, um tenista sólido, mas que soma mais derrotas do que vitórias na carreira em quadras de saibro. Só que viria, mais tarde, outra chance. Johnson teve cãibras. Sem poder ser atendido durante o game (a regra não permite), o americano sacou no improviso, mal tendo condições de se movimentar. Empurrou a bolinha. O placar mostrava 5/5, 40/30, segundo saque, e Bellucci enfiou a mão na devolução. A bolinha parou na rede. Johnson fechou o game e foi, mancando, caminhando na direção do banco para receber uma massagem na virada de lado.

Nem foi só isso. Johnson entregou o 12º game. Nem tentou devolver os saques. Quatro aces de Bellucci. O americano apostou tudo no tie-break e foi recompensado. Depois de ganhar o primeiro ponto, o brasileiro subiu mal à rede, espirrou um backhand e errou um slice de forehand. Logo, o placar mostrava 3/1 para Johnson. Em nenhum momento, o paulista conseguiu se aproveitar da movimentação deficiente do rival. Tomou duas passadas, errou duas devoluções (sim, Johnson ainda sacava mais fraco do que o normal, embora não tão fraco quanto no vídeo acima) e perdeu o último ponto numa direita suicida do americano. Game, set, match: 6/4, 4/6, 7/6(5).

Mas e o copo meio cheio? Ele lembra que Bellucci voltou à final de um ATP 15 meses depois da decisão de Quito, no ano passado. O paulista topou jogar na semana logo após um confronto de Copa Davis e entrou em um torneio modesto, com uma chave quase sem especialistas no saibro. Aproveitou, superando, em sequência, Francis Tiafoe (#89), Máximo González (#163), Sam Querrey (#25) e Ernesto Escobedo (#91). Não é todo dia que uma chance assim se apresenta. Bellucci somou 150 pontos derrotando apenas um adversário entre os 80 melhores do ranking mundial. Mais dois games de saque contra Johnson, e ele teria somado 250. O que faltou? Aproveitar a chance!

Onde estavam as chances?

Thomaz Bellucci e seu técnico, João Zwetsch, sempre dizem que o objetivo é voltar a frequentar a região entre 20-30 do ranking. Ambos acreditam que o paulista pode entrar até no top 20. Não deixa de ser ousado, considerando que Bellucci alcançou seu melhor ranking (#21) sete anos atrás. Por outro lado, de que adianta jogar o circuito sem estabelecer uma meta realmente grande? Além disso, Bellucci esteve no top 30 em fevereiro do ano passado. Não faz tanto tempo assim.

Mas o que falta? Dá para listar uma série de itens em que o número 1 do Brasil pode evoluir (leitura de jogo, movimentação, subidas à rede, aspecto físico), mas consideremos, apenas num exercício de imaginação, que o Bellucci de hoje é o melhor possível. Se este Bellucci não evoluir em nada, ainda pode ser top 20? O que faltaria? "Aproveitar chances" viria no topo da lista. E não se trata de ser excessivamente crítico – ou otimista, dependendo do ponto de vista – sobre ele. Lembremos alguns dos momentos das últimas 52 semanas (as que contam para o ranking atual) de Bellucci.

ATP 250 de Munique: a derrota para Ivan Dodig nas oitavas custou 25 pontos.

ATP 250 de Gstaad: um revés diante de Dustin Brown onde Bellucci já foi campeão duas vezes, logo na primeira rodada (oitavas). Bellucci deixa de somar 45 por aquele jogo e perde a oportunidade de enfrentar Youzhny por mais 45. Brown acabou eliminado por Feliciano López (outro jogo ganhável), que foi campeão em uma final contra Robin Haase. No geral, uma chave bastante acessível.

Challenger de Biella: Bellucci perdeu a final para Federico Gaio (#213). Teria somado 45 pontos a mais com o título.

ATP 250 de Quito: Bellucci foi superado pelo terceiro ano seguido por Victor Estrella Burgos (#156), que se sagrou campeão. Uma vitória naquela semifinal de dois tie-breaks renderia 60 pontos a mais com uma chance excelente de jogar pelo título contra Paolo Lorenzi (#46). O paulista poderia ter saído do Equador com 140 pontos a mais e não precisaria de nenhum milagre para isso.

ATP 500 do Rio de Janeiro: com problemas físicos, Bellucci foi derrotado por Thiago Monteiro nas oitavas. Teria conquistado 45 pontos a mais e uma chance de enfrentar Casper Ruud (#208) por mais 90. Seriam 135 pontos se tivesse apenas confirmado o favoritismo, mesmo que perdesse para Carreño Busta (embora fosse outro jogo ganhável) nas semifinais.

ATP 250 de São Paulo: novamente com problemas físicos, Bellucci não passou da estreia contra Diego Schwartzman (#44). Enfrentaria Gerald Melzer (#107) nas oitavas, com ótima chance de chegar às quartas e somar 45 pontos. Enfrentaria, então, Cuevas. Duro, mas ganhável.

Challenger de Irving: Bellucci perde para Aljaz Bedene (alternate, #105) nas oitavas do torneio. Bedene, que acabou com o título, enfrentaria Jared Donaldson (#93) nas quartas, Andrey Rublev (#134) na semi e Kukushkin (#90) na final. O britânico somou 125 pontos no evento.

A matemática

O que isso tudo quer dizer? Na frieza da matemática, Bellucci aparece nesta segunda-feira na 53ª posição do ranking mundial, com 876 pontos. Imaginemos que o paulista tivesse aproveitado todas as chances acima – além, claro, da final de Houston. Seriam pouco mais de 700 pontos de diferença. E Bellucci estaria justamente ali entre 20 e 30 do mundo (curiosamente, Steve Johnson é o atual 25º, com 1.585 pontos). Sem contar que estar com um ranking melhor lhe colocaria como cabeça de chave em grand slams e mais ATPs, o que criaria novas oportunidades.

Receio que a conta acima vá soar otimista para uns e pessimista para outros. Seria esperar demais de Bellucci? Seria superestimar o tênis do número 1 do Brasil? Bellucci já tirou o máximo de seu tênis? Alcançou mais do que deveria? Ficou abaixo das expectativas? Converse com dez pessoas, e você corre o risco de ouvir dez respostas diferentes. Cada um com seu ponto de vista. Sem problema. Só me parece absurdo o discurso vitimista de que Bellucci é um grande azarado em sorteios de chaves. Qualquer análise, mesmo que superficial, derruba essa tese.

Coisas que eu acho que acho:

– Alguém pode considerar injusta ou exigente demais a lista acima, mas Bellucci era grande favorito na maioria das partidas citadas. Em outras, "apenas" favorito. Uma matemática mais exigente ou ousada poderia considerar um título em Gstaad, um vice no Rio, a derrota para Delbonis em Genebra, o revés diante de Mahut em Sydney, o tombo para Herbert em Indian Wells e até a derrota para um esgotado Kuznetsov na primeira rodada do US Open.

– Um grande mérito de Bellucci na semana foi sair da altitude de Ambato e vencer no nível do mar (ou quase isso) em Houston. Okay, a chave ajudou. Francis Tiafoe, o rival da estreia (que foi apenas na quarta-feira), nunca venceu um jogo de chave principal de ATP no saibro. Mesmo assim, o paulista não se permitiu usar a adaptação como desculpa e seguiu adiante com méritos.

– Outro ponto positivo da semana foi jogar cinco partidas de três sets e chegar inteiro ao tie-break da final. Ou, pelo menos, mais inteiro do que Steve Johnson. É o tipo de coisa que Bellucci precisa apresentar com mais frequência para chegar ao tal objetivo de ser 20-30 do mundo. Quem pensa alto assim não pode montar calendário fugindo de torneios no calor ou com muita umidade.

– Já escrevi algo parecido no Twitter, mas não custa repetir aqui. Não procuro rótulos, mas não sei, quando a carreira de Bellucci acabar, se o paulista será visto como um overachiever (alguém que conquista mais do que o esperado para seu nível de tênis) ou um underachiever (alguém que fica abaixo das expectativas). O que parece unânime é que Bellucci nunca se tornou o tenista que, anos atrás, os brasileiros esperavam que ele viesse a ser. Essa visão é justa? Talvez, sim. Talvez, não. Mas isso é outra questão e este post já está longo demais.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.