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Saque e Voleio

Por que Kyrgios x Zverev pode ser o Federer x Nadal do amanhã

Alexandre Cossenza

31/03/2017 11h53

O Masters de Miami testemunhou, na noite de quinta-feira, o que pode ter sido o primeiro episódio empolgante da próxima grande rivalidade do tênis mundial. Nick Kyrgios, australiano, 21 anos e #16 do mundo, derrotou Alexander Zverev, alemão, 19 anos e #20 do mundo, em um jogo espetacular, cheio de variações, jogadas espetaculares, discussões com árbitros e match points salvos. É um duelo que tem tudo para acontecer mais vezes e em fases mais importantes de torneios.

"Tem tudo…" é um grande clichê que todo mundo usa o tempo inteiro. Às vezes por preguiça, às vezes por falta de argumento mesmo. É fácil cair diante da tentação de usar uma expressão que supostamente diz muita coisa, mesmo sem especificar nada. Só que no caso de Kyrgios e Zverev, esse "tem tudo" faz sentido. Os dois são tecnicamente admiráveis. Têm slices, spins, bolas chapadas e todo tipo de variação. Ambos também possuem uma característica típica da nova geração: ótima movimentação para sua altura.

Kyrgios tem 1,93m e um saque capaz de acumular 25 aces em dois sets contra Djokovic – a melhor devolução do circuito. Sua mobilidade nunca foi espetacular, mas o australiano, que insiste em não contratar um técnico, decidiu investir em preparação física desde o fim do ano passado. O resultado está se mostrando em quadra. Kyrgios vem chegando mais inteiro em mais bolas. Seu ponto mais frágil, que era sair com pouca frequência da defesa para o ataque, já não é mais tão vulnerável. E isso só tem a melhorar.

Zverev tem 1,98m e um saque capaz de tirá-lo de situações complicadas com frequência. Foi principalmente com ele que o adolescente alemão bateu Roger Federer em Halle, no ano passado, e na Copa Hopman, no início deste ano. Só que Zverev também sabe se defender. Chega em bolas que muitos com sua altura não alcançariam e sabe usar o slice quando necessário para mudar a velocidade do jogo. Há muito tempo o tênis não vê alguém tão jovem com tantos recursos.

Comparar Kyrgios-Zverev a Federer-Nadal talvez seja sonhar muito alto. O clássico entre espanhol e suíço foi (ainda é) muito mais do que uma rivalidade por títulos e rankings. Foi um jogo de contrastes, um duelo que polarizou o mundo. Era o tênis limpo e barishnikovesco de Federer contra a camisa sem manga e suja de saibro de Nadal. Era o metrossexual homem do mundo contra o insular macho man musculoso. Era o penteado capa da Vogue contra o cabelo do Mogli. Era Mercedes contra Kia, Dubai contra Mallorca, Moët & Chandon contra pasta y gambas.

Australiano e alemão, contudo, têm lá seus contrastes interessantes. Zverev é um tenista mais pragmático. Quando precisa, faz só o básico. Kyrgios é o rebelde (aparentemente) incurável que apaga a linha que separa o louco do gênio. Não resiste à tentação de arriscar um golpe improvável, mesmo no mais delicado dos momentos. Em Miami, depois da espetacular passada por baixo das pernas do vídeo acima, o australiano forçou um Gran Willy quando tinha set point contra. Mandou na rede, perdeu o set.

Os dois têm maneiras bem diferentes de se comportar em quadra. Kyrgios é mais tudo. Fala mais, grita mais alto, reclama com mais frequência. Ele leva para a quadra um pouco do swag do basquete, seu esporte referido. Abre os braços de um jeito quase arrogante quando faz um lance de efeito. Chama a galera, ganha os aplausos. Zverev é mais discreto. Comemora consigo mesmo, tenta se manter concentrado falando pouco. A não ser quando a situação pede – como na noite desta quinta. Aí vira circo, no bom sentido da coisa, e é por isso que o mundo já está apaixonado por esse duelo.

Impossível prever o que será da carreira dos dois. Não é a tentativa deste post. Pelo contrário. Este texto é mais torcida do que previsão. Kyrgios e Zverev ainda têm uma geração fortíssima para derrubar. Federer está voando, Murray e Djokovic ainda têm alguns bons anos pela frente, Wawrinka não mostra sinais de queda e Nadal continua forte.

A questão é que fora esses cinco, ninguém atualmente mostra tênis tão versátil e com tanto potencial quanto Kyrgios e Zverev. Os dois podem bater qualquer um jogando de maneiras diferentes, em dias ótimos ou em jornadas não tão boas. E quando (ou "se") alcançarem o equilíbrio entre físico, maturidade tenística e força mental, serão dificílimos de parar. E aposto aqui minhas pequenas cédulas de Banco Imobiliário que, como Kyrgios pediu no primeiro tweet deste post, as redes sociais vão ficar lotadas de feitos desses dois #NextGênios.

Coisas que eu acho que acho:

– Não, não foi o primeiro jogo entre eles. Quando digo, lá no alto, que pode ter sido "o primeiro episódio empolgante" é porque o primeiro duelo, há duas semanas, em Indian Wells, não empolgou. Terminou sem drama, num 6/3 e 6/4 para Kyrgios.

– Apenas torcendo para que seja uma coincidência feliz: em março de 2004, Nadal venceu o primeiro jogo contra Federer por 6/3 e 6/3. Também sem drama, sem nada realmente memorável. E ninguém imaginava que os dois se enfrentariam tanto, por tanto tempo e com tanta coisa em jogo…

– O que falta para que os dois deem o último grande salto e passem a brigar toda semana com o pessoal do top 5? Para Kyrgios, muito pouco. Com o que vem mostrando este ano, parece ser uma questão de tempo para ele mostrar seu talento com mais consistência, não só nos jogos grandes, mas nas partidas de terças e quartas-feiras sem adversários de nome ou quadras lotadas.

– Para Zverev, acredito que falta um pouco mais. Seu jogo é sólido o bastante. A cabeça, nem tanto. E nem é questão de descontrolar ou de alongar discussões inúteis como Kyrgios faz. O alemão ainda leva um pouco mais de tempo para esquecer erros bobos e superar falhas em momentos importantes. Kyrgios, por sua vez, tem uma capacidade gloriosa de brigar, gritar, quebrar raquetes e jogar o ponto seguinte como se nada tivesse acontecido.

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.