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Saque e Voleio

O que me incomoda na Copa Davis

Alexandre Cossenza

03/02/2017 11h20

Este não é um texto sobre fatos. É um post essencialmente de opinião, como quase tudo neste blog. Se você vem ao Saque e Voleio em busca só de notícias, está no lugar errado. E hoje, fim de semana de Copa Davis, é daqueles dias em que volta à tona o velho discurso do "a Davis precisa mudar", baseado em qualquer que seja o motivo da semana – sempre há um diferente.

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Sou apaixonado por Copa Davis. Se um dia eu comecei a gostar de tênis, a competição por países tem muito a ver com isso. Gosto do formato em melhor de cinco sets, gosto dos zonais, gosto de o duelo ser sempre na casa de um dos times e gosto – até disso – de nem todos grandes tenistas estarem sempre na Davis. E é esse o argumento da vez para os críticos. Apenas cinco tenistas do top 20 estão em ação nesta semana. Muito pouco, dizem. Trato disso mais à frente. Por enquanto, meu desabafo tem dois pontos, e o que me incomoda na Copa Davis não é exatamente a Copa Davis.

Um: tenistas são chatos. Dois: tenistas têm poder demais. Chatos porque gostam de encher a boca e dizer que é sempre preciso se adaptar no tênis, que tenista é um animal adaptável, blablabla, mas querem jogar sempre nas mesmas condições. Não gostam de trocar de piso no meio da temporada e querem os torneios pré-slam com as mesmas condições dos slams. As bolinhas em Cincinnati são diferentes das do US Open? Nossa, um crime! O Rio Open é no saibro, mas tem Indian Wells na dura três semanas depois? Não jogo!

Tudo tem que ser igualzinho e perfeitinho para que o tenista chegue num Masters 1000, jogue bem, suba no ranking e aumente em US$ 100 mil aquele cachê que ele recebe para chegar num ATP 250, tirar foto num ponto turístico, jogar um tênis meia-boca e perder nas oitavas.

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E não adianta reclamar porque eles têm o poder nas mãos. Todo ATP 250 e 500 precisa puxar saco desses caras (é só olhar o papel ridículo que fazem as redes sociais de alguns eventos) porque sem eles não existe público. Quando aceitaram criar mini-circuitos (torneios de saibro antes de RG, eventos de grama só antes de Wimbledon), concentraram mais ainda os títulos nas mãos de uns poucos. Não por acaso, três tenistas completaram o career slam nos últimos anos. Mas isso é outro assunto. Aqui, agora, o que importa é que os torneios viraram reféns.

É inútil, por exemplo, o diretor do Rio Open dizer que os torneios são a plataforma para os atletas porque se ano que vem não houver Rio Open, vai haver um evento em Ladário, Cochabamba ou Samoa Ocidental disposto a pagar cachês milionários. O poder é dos atletas e quanto maior seu lobby por mudanças na Davis, maior a chance de elas acontecerem – cedo ou tarde.

E podem me chamar de saudosista porque é saudade mesmo. Quando comecei a ver tênis, Copa Davis era aquela ocasião em que o tenista mostrava seu patriotismo abrindo mão de interesses pessoais para defender o país, saindo, sei lá, do inverno europeu para jogar no calor do capeta do Rio de Janeiro (e nem naquela época todos os tops jogavam). Hoje, mais e mais tenistas veem a Davis como um incômodo. Aquilo que atrapalha sua preparação, que atravanca seu ranking, que reduz o potencial de seu cachê.

Melhor de cinco ou melhor de três?

Há quem diga que mudar o formato para melhor de três atrairia mais tenistas da elite. É um argumento discutível que existe apenas no reino do teórico hoje em dia. Sim, reduziria o desgaste. Talvez funcionasse. Talvez. Mas certamente mudaria radicalmente a dinâmica coletiva da Copa Davis.

A essência da competição, afinal, é que times vençam. E se você reduz a duração das partidas, facilita a vida dos capitães que têm um jogador acima da média. Seria muito fácil escalar esse tenista nos três dias. Em melhor de cinco, nem tanto. O time tem mais importância. Mas quem será que está preocupado com a essência ou com a esportividade da Copa Davis? Há quem diga que nem a ITF, dona do negócio, dá muita bola para isso hoje em dia…

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Coisas que eu acho que acho:

– Em números, o que se diz é que apenas 5 tenistas do top 20 estão atuando neste fim de semana na Copa Davis. É verdade, como Bruno Soares mencionou na última quinta-feira. O tweet sugere que isso seria motivo para mudanças na Davis. Não concordo totalmente. E há questões de contexto importantes.

– Desses 15 ausentes, três não foram convocados (Monfils, Tsonga e Pouille) e dois pertencem a países que não jogam neste fim de semana (Thiem e Dimitrov). O número de ausências já cai para dez – ainda alto, mas tudo bem.

– Mas dessas dez ausências, é preciso considerar questões importantes como o envelhecimento do circuito. Federer, Wawrinka, Nadal, Berdych e Karlovic já passaram dos 30. O croata, inclusive, já havia se aposentado da Davis e voltou só para a final do ano passado – e apenas para ocupar o lugar do lesionado Coric. Esses nomes nem sempre jogam temporadas completas. Será que é justo colocá-los na conta do "formato da Davis"? Tenho minhas dúvidas.

– Outro ponto: quantos desses ausentes estiveram na segunda semana do Australian Open? Federer, Nadal, Wawrinka, Raonic e Goffin. Mais avaliada do que o formato da Davis, com melhor de cinco sets, talvez deveria ser a insanidade de quem encaixa a competição logo após um Slam. É um convite (às avessas) para que os melhores não joguem. E isso não é só formato. É calendário.

– Ainda sobre o calendário, tudo gira em torno de dinheiro. Nenhum torneio quer essas datas pós-slam, então parece fácil encaixar a Davis ali. Tão fácil quanto alegar que a competição precisa mudar de formato. No fim das contas, talvez seja possível fazer muita coisa para melhorar a Davis sem mexer no formato, mas aí algumas pessoas perderiam dinheiro. E quem está disposto a isso, hein?

Sobre o autor

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais.
Contato: ac@cossenza.org

Sobre o blog

Se é sobre tênis, aparece aqui. Entrevistas, análises, curiosidades, crônicas e críticas. Às vezes fiscal, às vezes corneta, dependendo do dia, do assunto e de quem lê. Sempre crítico e autêntico, doa a quem doer.